Os filmes de terror
através dos tempos...
E o que está por trás
deles! (1)
Celso
Lungaretti é jornalista. Mora e
atua em São Paulo/SP
Invocado pelas novas gerações, o sobrenatural
se alastrou por vídeos e telas.
Que sortilégios
o rejuvenesceram? Por que os possuídos e
assombrados
passaram a ser os jovens? São enigmas que
só desvendaremos
se reconstituirmos suas trajetórias malignas
O sobrenatural, através dos tempos, sempre
deu expressão a facetas da índole humana que não são admitidas pela sociedade e
pela própria personalidade consciente do indivíduo.
Possessões
demoníacas, por exemplo, eram a reação extrema contra a repressão sexual
vigente à época em que as energias corporais tinham de ser, tanto quanto
possível, poupadas para o árduo e exaustivo trabalho braçal. As proibições
inculcadas desde cedo constituíam obstáculos de tal forma intransponíveis que,
para ceder aos instintos, as mulheres precisavam criar fantasias em que se
supunham vítimas de “íncubos” (demônios tentadores).
A lenda do
vampiro, que forneceu a Bram Stocker a matéria-prima para o clássico “Drácula”,
é uma variante dessas crenças. Os caninos que crescem para invadir jugulares
têm óbvias características fálicas, tanto que, inclusive, perpetua a espécie,
ao contaminar outras pessoas com o vírus do vampirismo. Nos clássicos do
gênero, por sinal, a simbologia é riquíssima.
A dualidade
instintiva, os conflitos entre o eu aparente e os impulsos inconscientes (entre
o ego e o id, na terminologia freudiana) constituem o motivo secreto do
fascínio de “O Médico e o Monstro” e “O
Retrato de Dorian Gray”, novelas em que eventos fortuitos acabam
por revelar a personalidade real dos personagens, até então inibidas pelas
convenções sociais.
GRANDE DEPRESSÃO X ESCAPISMO
O
sentimento difuso de que a ciência estivesse
causando danos irreparáveis à natureza e à humanidade explica o fascínio
de “Frankenstein”, em que os cientistas são mostrados como
fabricantes de monstros.
Na transição para
o cinema, a carga erótica implícita em várias novelas de terror foi atenuada.
Afinal, dificilmente o rançoso moralismo dominante em Hollywood permitiria uma
expressão mais ousada do lesbianismo latente no clássico “Carmilla”,
de Sheridan Le Fannu.
E a penetração
dos caninos de “Drácula” nos
alvos pescoços das heroínas era encoberta pela capa do vampiro, que nesse
momento estratégico erguia o braço e ocultava a cena dos espectadores.
Apesar disso, a
imagem filmada conseguia sugerir muito e o clássico “Drácula” (1932),
de Ted Browing, deveu grande parte do seu impacto à perturbadora aura sensual
do personagem interpretado por Bela Lugosi.
E uma das
principais criações do próprio cinema (não da literatura) –“King
Kong” (1933), de Ernest B. Schoedaksack e Merian C. Cooper
– foi decifrado por alguns analistas como uma gigantesca idealização da volúpia
que fervia no corpo daquela mocinha tão pura e ingênua protagonizada por Fay
Wray.
O apogeu do
terror na década de 1930, obviamente, tem tudo a ver com a grande depressão
estadunidense. O cinema assume nessa época características eminentemente
escapistas, levando os espectadores, em voos de imaginação, para longe de uma
realidade insuportável, ao mesmo tempo em que fornece fantasias compensatórias.
Assim, o homem
comum na plateia se identificava com o herói que derrotava lobisomens, vampiros
e múmias, e isto servia de alento para a batalha que ele próprio travava contra
o desemprego e a miséria.
Ademais, segundo
a dialética dos instintos proposta por Freud, a repressão de Eros leva a
balança a pender para Thanatos. As dificuldades materiais e consequente
prostração acarretam quase sempre esfriamento da libido e, como decorrência
disso, o indivíduo se vê impregnado de morte, que se volta contra ele na forma
de melancolia ou é descarregada para o exterior por meio da agressividade.
Assim, durante a
depressão, as fitas de terror cumpriam exatamente o papel de permitir a
projeção (para a tela) e a catarse do instinto de morte que as pessoas
carregavam dentro de si.
A morte aparecia como ameaça aterrorizante, colhia vítimas aqui e ali,
mas acabava derrotada. Aos espectadores restava a sensação de terem estado
(magicamente) próximos do perigo, mas escapado.
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