quarta-feira, 1 de novembro de 2017

HUMANITAS EDIÇÃO Nº 65 – NOVEMBRO 2017 – PÁGINA 4

Os filmes de terror através dos tempos...
E o que está por trás deles! (1)
Celso  Lungaretti é jornalista. Mora e  atua em São Paulo/SP

Invocado pelas novas gerações, o sobrenatural
se alastrou por vídeos e telas. Que sortilégios
o rejuvenesceram? Por que os possuídos e assombrados
passaram a ser os jovens? São enigmas que só desvendaremos 
se reconstituirmos suas trajetórias malignas

O sobrenatural, através dos tempos, sempre deu expressão a facetas da índole humana que não são admitidas pela sociedade e pela própria personalidade consciente do indivíduo.
Possessões demoníacas, por exemplo, eram a reação extrema contra a repressão sexual vigente à época em que as energias corporais tinham de ser, tanto quanto possível, poupadas para o árduo e exaustivo trabalho braçal. As proibições inculcadas desde cedo constituíam obstáculos de tal forma intransponíveis que, para ceder aos instintos, as mulheres precisavam criar fantasias em que se supunham vítimas de  “íncubos” (demônios tentadores).
A lenda do vampiro, que forneceu a Bram Stocker a matéria-prima para o clássico “Drácula”, é uma variante dessas crenças. Os caninos que crescem para invadir jugulares têm óbvias características fálicas, tanto que, inclusive, perpetua a espécie, ao contaminar outras pessoas com o vírus do vampirismo. Nos clássicos do gênero, por sinal, a simbologia é riquíssima.
A dualidade instintiva, os conflitos entre o eu aparente e os impulsos inconscientes (entre o ego e o id, na terminologia freudiana) constituem o motivo secreto do fascínio de “O Médico e o Monstro” e “O Retrato de Dorian Gray”, novelas em que eventos fortuitos acabam por revelar a personalidade real dos personagens, até então inibidas pelas convenções sociais.

GRANDE DEPRESSÃO X ESCAPISMO

O sentimento difuso de que a ciência estivesse causando danos irreparáveis à natureza e à humanidade explica o fascínio de “Frankenstein”, em que os cientistas são mostrados como fabricantes de monstros.
Na transição para o cinema, a carga erótica implícita em várias novelas de terror foi atenuada. Afinal, dificilmente o rançoso moralismo dominante em Hollywood permitiria uma expressão mais ousada do lesbianismo latente no clássico “Carmilla”, de Sheridan Le Fannu.
E a penetração dos caninos de “Drácula” nos alvos pescoços das heroínas era encoberta pela capa do vampiro, que nesse momento estratégico erguia o braço e ocultava a cena dos espectadores.
Apesar disso, a imagem filmada conseguia sugerir muito e o clássico “Drácula” (1932), de Ted Browing, deveu grande parte do seu impacto à perturbadora aura sensual do personagem interpretado por Bela Lugosi.
E uma das principais criações do próprio cinema (não da literatura) –“King Kong” (1933), de Ernest B. Schoedaksack e Merian C. Cooper – foi decifrado por alguns analistas como uma gigantesca idealização da volúpia que fervia no corpo daquela mocinha tão pura e ingênua protagonizada por Fay Wray.
O apogeu do terror na década de 1930, obviamente, tem tudo a ver com a grande depressão estadunidense. O cinema assume nessa época características eminentemente escapistas, levando os espectadores, em voos de imaginação, para longe de uma realidade insuportável, ao mesmo tempo em que fornece fantasias compensatórias.
Assim, o homem comum na plateia se identificava com o herói que derrotava lobisomens, vampiros e múmias, e isto servia de alento para a batalha que ele próprio travava contra o desemprego e a miséria.
Ademais, segundo a dialética dos instintos proposta por Freud, a repressão de Eros leva a balança a pender para Thanatos. As dificuldades materiais e consequente prostração acarretam quase sempre esfriamento da libido e, como decorrência disso, o indivíduo se vê impregnado de morte, que se volta contra ele na forma de melancolia ou é descarregada para o exterior por meio da agressividade.
Assim, durante a depressão, as fitas de terror cumpriam exatamente o papel de permitir a projeção (para a tela) e a catarse do instinto de morte que as pessoas carregavam dentro de si.
A morte aparecia como ameaça aterrorizante, colhia vítimas aqui e ali, mas acabava derrotada. Aos espectadores restava a sensação de terem estado (magicamente) próximos do perigo, mas escapado.

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