AS
MULHERES E A HERANÇA MISÓGINA DA RELIGIÃO
Especial do HUMANITAS
A Inquisição no Brasil começou no final do
século XVI, com a visita do Tribunal de Lisboa a Bahia, em 1591. Enquanto na
Europa as fogueiras arderam executando os hereges, no Brasil o Santo Ofício
mais amedrontou do que prendeu e matou.
As principais vítimas do chamado deus de
amor, no Brasil, foram os cristãos novos.
Como disse o historiador Ronaldo Vainfas, “o principal objetivo era perseguir os
cristãos-novos que chegavam ao país junto com a nascente economia açucareira”.
Na verdade, a chamada Santa Inquisição foi
uma das maiores máquinas assassinas da história, e as mulheres as suas
principais vítimas.
Você não precisava adorar ao diabo para ser
bruxa, bastava ser mulher.
Ter uma vagina era o mesmo que nascer com
um passaporte com visto eterno para o inferno!
No Brasil, o Tribunal do Santo Ofício
realizou três Visitações.
Os “Visitadores”,
enviados pelo Tribunal estiveram apenas nas capitanias prósperas da época:
Grão-Pará, Pernambuco e Bahia.
Ainda assim, algumas mulheres acusadas de
bruxaria conheceram a morte na fogueira da “Inquisição
paulistana”. Tudo em nome da cruz e da fidelidade a um deus apregoado como
amoroso.
Essa cruz, valorizando o seu carisma de
instrumento romano de tortura, condenou e executou três mulheres nas fogueiras
paulistanas: Ursulina de Jesus, Mima Renard e Maria da Conceição.
O caso de Ursulina foi o mais famoso da
Inquisição, em São Paulo. Em 1754, o seu marido a acusou de praticar bruxaria.
De acordo com ele, Ursulina fazia feitiços para retirar a sua virilidade de
macho com o objetivo de evitar que ambos tivessem filhos.
Ursulina foi condenada pela Santa
Inquisição, morrendo queimada na fogueira, em São Paulo.
Outro caso famoso ocorrido em São Paulo
teve ligação com a francesa Mima Renard. Famosa pela sua
beleza, ela chegou ao Brasil com seu marido René, buscando oportunidades
melhores para viver. Foi uma das primeiras mulheres a passar por um julgamento
de caça às bruxas, pela Inquisição, em solo brasileiro. Sua beleza chamou a
atenção dos machos, com seu marido sendo assassinado misteriosamente.
Como ela era
totalmente dependente do marido – assim como a maioria das mulheres na época –
mergulhou na miséria, e para fugir disso recorreu à prostituição.
O sucesso entre os
homens foi imediato. E ela tornou-se uma das mais procuradas prostitutas de São
Paulo nos anos 1690.
Mas um homem
casado, acabou por matar um dos clientes de Mima, trazendo contra ela o ódio
das “madames” que alertaram o padre
da paróquia local, acusando Mima de praticar feitiçaria para atrair seus
maridos.
Mima Renard foi
então capturada, presa, acusada de bruxaria e executada publicamente na
fogueira no ano de 1692.
No ano de 1798, a Inquisição atuou
novamente em São Paulo, agora contra Maria da Conceição, mulher de notáveis
conhecimentos sobre ervas medicinais, usadas para preparar medicamentos visando
curar as pessoas pobres doentes.
Um padre acusou-a de heresia e bruxaria e
ela foi condenada à morte na fogueira, sendo executada em São Paulo, em 1798.
Mas não para por aqui. Até mesmo agora, em
pleno século XXI, a perseguição contra as mulheres continua em alta.
Uma das últimas vítimas, no Brasil, dessa
crença infundada em bruxarias e pacto com o diabo foi Fabiana Maria de Jesus.
Ela foi acusada de sequestrar crianças para realizar rituais de magia negra. O
boato circulou na internet junto com um retrato falado da suposta sequestradora
de crianças.
O fato aconteceu em 3 de maio de 2014, com
ela sendo linchada e morta por cinco homens no bairro Morrinhos III, em
Guarujá, Santos/SP.
Quatro linchadores foram presos e
condenados. Abel Vieira Batalha Júnior, Carlos Alex Oliveira de Jesus, e Jair
Batista dos Santos, a 40 anos de prisão em regime fechado. Valmir Dias Barbosa,
foi condenado a 26 anos de detenção.
Sua pena foi menor porque ele confessou
participação no linchamento.
Assim é!
A misoginia, promovida pelas religiões e
atuando dentro de um Estado que deveria ser laico, leva as mulheres para a
fogueira de uma nova inquisição.
A violência misógina persiste ainda neste
século XXI.
As verdadeiras bruxas são as mulheres corajosas que
afrontam o patriarcado e o poder opressor e punitivo da religião.