terça-feira, 2 de abril de 2019

HUMANITAS Nº 82 - ABRIL DE 2019 - PÁGINA 2

  EDITORIAL
O DNA de abril

O mês de abril tem um DNA bastante específico.
A História diz que foi neste mês que invasores armados com cruzes e espadas invadiram as terras brasileiras e delas se fizeram donos. E colocaram nos livros que um novo território tinha sido descoberto.
A partir desse mês, os habitantes naturais dessa gleba se tornaram escravos de homens vindos do outro lado do oceano.
Tais homens - ligados a uma monarquia carola - exploraram esse novo espaço e os seus habitantes até o tutano, roubando ouro, diamantes e demais riquezas, distribuindo terras aos nobres de além mar, matando e escravizando os reais donos da terra com uma espada na mão e uma cruz sangrenta na outra.
Realmente, abril tem um DNA especifico e sombrio.
Em abril, o líder da Conjuração Mineira – Tiradentes - foi morto e esquartejado depois de um julgamento tendencioso e viciado como continua acontecendo ainda hoje em nossos tribunais.
Sim, o DNA de abril é aterrador! No dia 17 de abril de 1996, 150 policiais executaram 19 trabalhadores, em Eldorado dos Carajás, tudo porque eles reivindicavam melhores condições de trabalho e terra para plantar.
O DNA de abril mete medo, sim! No dia 1º de abril de 1964 foi inaugurado no Brasil o período mais aterrorizante da sua História.
Sob comando dos militares, fundava-se um governo voltado para os interesses das grandes corporações nacionais e estrangeiras.
Abril tem um DNA colérico!
No dia 16, em 1866, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para destruir econômica e socialmente o Paraguai.
No dia 20, em 1889, nasceu Adolf Hitler.
No dia 26, em 1986, explodiu a central nuclear de Chernobyl. No dia 4, em 1968, foi assassinado Martin Luther King.
Em 15 de abril de 1912, 1.513 pessoas morreram afogadas no naufrágio do Titanic.
Quais novas e coléricas trevas virão para este abril de 2019?
Ainda não sabemos.
O mês – como sempre - é aberto com o Dia da Mentira, que se coaduna bastante com o que os governantes e religiosos pintam e apregoam.
Por ter um DNA bem tendencioso, o mês de abril pode ser considerado o mais sinistro da história brasileira e – talvez – do mundo.

Televisionite
Antonio Carlos Gomes Guarujá/SP
Dona Josefa, uma senhora de seus 50 anos, corpo tendendo a obeso chegou para consulta. Era a primeira vez que me procurava. 
   - Qual sua queixa? - indaguei.
- Não sei se o senhor pode resolver meu problema, acho que não é sua especialidade.
   Numa cidade pequena é comum que o clínico trate apenas casos banais: as tais “viroses”; principalmente o “colesterol”.
Aliás, o paciente trata o colesterol e deixa de tomar o remédio do diabetes e hipertensão que são doenças graves. Minha nova paciente continuou:
- Está me caindo o cabelo.
Normalmente a queda de cabelos é uma queixa mal explicada que inclui ansiedade, tingimentos em demasia, compulsão de lavagens, sendo mais consequência do que doença.
Como a falha não era aparente, pensei até numa queda difusa. Pedi para olhar.
Mostrou-me uma lesão numular, lisa com o couro cabeludo brilhante, de oito centímetros de diâmetro, típico de alopecia areata.
Esta, não é uma doença incomum, tem fator psicológico e é auto-imune.  
A lesão, como a da dona Josefa, é de bom prognóstico, não correndo o risco da perda do cabelo. Basta ir a um dermatologista e fazer os exames. Expliquei a doença e a conduta. Não se acalmou. Começou a falar que a filha tinha notado a falha, que a vizinha confirmou.
Continuou angustiada, relatando todas as testemunhas de sua enfermidade. Confesso que fiquei confuso: uma senhora de meia idade, sem obsessão por beleza física, vestida sem espalhafato, não justificava tanta angústia.
Perguntei-lhe pela vida familiar. Nada incomum. A vida monetária, sem. Não parecia ter nenhum problema psicológico, falava, apesar de ansiosa, com coerência. Conforme decorria minha anamnese, ela perguntou:
- Não vou morrer?
Logo entendi. Era uma “televisionite”. O artista da novela fez quimioterapia, devido a um câncer e ficou careca por causa do tratamento, não pela doença.
Mas no imaginário de dona Josefa, temos: câncer igual careca. Consegui enviá-la mais tranquila ao dermatologista, após o esclarecimento.

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