segunda-feira, 29 de maio de 2017

HUMANITAS – Nº 60 – JUNHO DE 2017 – PÁGINA SETE

MERITOCRACIA E DESIGUALDADE
Paulo Alexandre é mestre  em História. Mora e ensina no Recife/PE

Mérito significa merecimento. Merecimento é obter a condição de receber algo negativo ou positivo em função daquilo que se fez. Meritocracia seria então um sistema de reconhecimento das conquistas advindas dos méritos devidos a quem empreendeu meios para conquistar determinada condição ou posição.
Mas e se as condições para obtenção dos méritos forem diferentes entre as pessoas haverá meritocracia? Essa questão é bastante discutida quando abordamos políticas compensatórias como cotas e meios que favorecem competidores que disputam em situação de desvantagem.
No Reino Unido, recentemente, este debate tem tido atenção sobretudo após manifestação de Justine Greening, que comanda o ministério da educação da composição entre Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales.
A ministra disse que na terra da Rainha estudantes medíocres de famílias ricas têm mais chances e melhores posições e rendimentos que estudantes pobres brilhantes, ou seja, as origens e as condições diferenciadas são mais determinantes que a capacidade como fatores de sucesso para o futuro dos jovens.
O brilhantismo de um estudante pobre pode ser ofuscado por conta das condições de seu desenvolvimento no sistema educacional e das restrições na progressão de seus estudos, já que nas famílias mais abonadas as possibilidades de chegar aos mais elevados níveis de formação são comparativamente melhores.
Mesmo entre os pobres que conseguem ingressar nas universidades as diferenças posteriores existem, já que possuem rendas inferiores aos seus concorrentes de origens mais abastadas. A ministra apontou que os pobres que progrediram nos estudos ainda ganham em média £ 2.200 a menos, anualmente, que os concorrentes mais abonados com o mesmo nível de formação e até na mesma profissão e com o mesmo tempo de experiência. Então a desigualdade no processo educacional acaba combinando com a desigualdade de origem social.
Isso faz com que os membros do Reino Unido amarguem a incômoda posição de estarem entre os piores países da Europa em condições de promoção de ascensão social, situação que fez acender um preocupante sinal de alerta para o governo constituído após o processo que ficou conhecido como Brexit, que implicou na problemática saída do Reino Unido da União Europeia.
Meritocracia é uma ilusão para a maioria dos britânicos, pois a maioria da população acredita que merecimento não é um fator levado em consideração por lá, já que fatores como origens sociais são determinantes para o futuro profissional das pessoas, associados a uma também desigual educação.
Para o britânico, meritocracia é reconhecer a qualidade de quem vem de baixo e o governo sinaliza uma intervenção nas políticas educacionais para reduzir esse problema. Tudo para ampliar a instrução e o acesso ao ensino superior para os mais pobres.
Enquanto isso, aqui no Brasil, com disparidades sociais muito mais intensas do que as verificadas no Reino Unido, o discurso em torno da meritocracia tem um direcionamento diferente.
É empreendido justamente para questionar políticas compensatórias que se propuseram a servir de – pelo menos – instrumentos paliativos para lidar com um colossal fosso de desigualdades de condições nos sistemas educacionais que atendem aos mais ricos e aos mais pobres.
Os que já possuem vantagens na disputa por espaços defendem o mérito dos resultados frios dos cálculos de notas como meios exclusivos de definição de critério de acesso ao ensino superior nas universidades públicas.
Assim, perpetuam uma situação que historicamente restringe a presença dos menos favorecidos no espaço acadêmico.
A inversão meritocrática brasileira é o oposto da defesa de mérito, é apenas a tentativa de preservação de privilégios e a garantia de vantagens de quem já tem vantagens, desconsiderando o reconhecimento de quem disputa sem os mesmos meios. Por isso as cotas geraram – e ainda geram – tantas polêmicas entre nós.

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