MERITOCRACIA E DESIGUALDADE
Paulo
Alexandre é mestre em História. Mora e
ensina no Recife/PE
Mérito
significa merecimento. Merecimento é obter a condição de receber algo negativo
ou positivo em função daquilo que se fez. Meritocracia seria então um sistema
de reconhecimento das conquistas advindas dos méritos devidos a quem empreendeu
meios para conquistar determinada condição ou posição.
Mas e se as condições para obtenção dos
méritos forem diferentes entre as pessoas haverá meritocracia? Essa questão é
bastante discutida quando abordamos políticas compensatórias como cotas e meios
que favorecem competidores que disputam em situação de desvantagem.
No Reino Unido, recentemente, este debate
tem tido atenção sobretudo após manifestação de Justine Greening, que comanda o
ministério da educação da composição entre Inglaterra, Irlanda do Norte,
Escócia e País de Gales.
A ministra disse que na terra da Rainha
estudantes medíocres de famílias ricas têm mais chances e melhores posições e
rendimentos que estudantes pobres brilhantes, ou seja, as origens e as
condições diferenciadas são mais determinantes que a capacidade como fatores de
sucesso para o futuro dos jovens.
O brilhantismo de um estudante pobre pode
ser ofuscado por conta das condições de seu desenvolvimento no sistema
educacional e das restrições na progressão de seus estudos, já que nas famílias
mais abonadas as possibilidades de chegar aos mais elevados níveis de formação
são comparativamente melhores.
Mesmo entre os pobres que conseguem
ingressar nas universidades as diferenças posteriores existem, já que possuem
rendas inferiores aos seus concorrentes de origens mais abastadas. A ministra
apontou que os pobres que progrediram nos estudos ainda ganham em média £ 2.200 a menos, anualmente,
que os concorrentes mais abonados com o mesmo nível de formação e até na mesma
profissão e com o mesmo tempo de experiência. Então a desigualdade no processo
educacional acaba combinando com a desigualdade de origem social.
Isso faz com que os membros do Reino Unido
amarguem a incômoda posição de estarem entre os piores países da Europa em
condições de promoção de ascensão social, situação que fez acender um
preocupante sinal de alerta para o governo constituído após o processo que
ficou conhecido como Brexit, que implicou na problemática saída do Reino Unido
da União Europeia.
Meritocracia é uma ilusão para a maioria
dos britânicos, pois a maioria da população acredita que merecimento não é um
fator levado em consideração por lá, já que fatores como origens sociais são
determinantes para o futuro profissional das pessoas, associados a uma também
desigual educação.
Para o britânico, meritocracia é reconhecer
a qualidade de quem vem de baixo e o governo sinaliza uma intervenção nas
políticas educacionais para reduzir esse problema. Tudo para ampliar a
instrução e o acesso ao ensino superior para os mais pobres.
Enquanto isso, aqui no Brasil, com
disparidades sociais muito mais intensas do que as verificadas no Reino Unido,
o discurso em torno da meritocracia tem um direcionamento diferente.
É empreendido justamente para questionar
políticas compensatórias que se propuseram a servir de – pelo menos –
instrumentos paliativos para lidar com um colossal fosso de desigualdades de condições
nos sistemas educacionais que atendem aos mais ricos e aos mais pobres.
Os que já possuem vantagens na disputa por
espaços defendem o mérito dos resultados frios dos cálculos de notas como meios
exclusivos de definição de critério de acesso ao ensino superior nas
universidades públicas.
Assim, perpetuam uma situação que
historicamente restringe a presença dos menos favorecidos no espaço acadêmico.
A inversão meritocrática brasileira é o
oposto da defesa de mérito, é apenas a tentativa de preservação de privilégios
e a garantia de vantagens de quem já tem vantagens, desconsiderando o
reconhecimento de quem disputa sem os mesmos meios. Por isso as cotas geraram –
e ainda geram – tantas polêmicas entre nós.
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