terça-feira, 2 de abril de 2019

HUMANITAS Nº 82 - ABRIL DE 2019 - PÁGINA 8


O Tiradentes de Lucas Figueiredo
 Rafael Rocha é jornalista e editor geral deste Humanitas - Atua no Recife/PE

Este mês de abril marca mais um aniversário de uma das figuras mais célebres da nossa História. 
Figura essa que ganhou status de mito, e que já foi apropriada por diversos movimentos da política nacional, seja da esquerda ou da direita. Essa figura é conhecida como o “mártir da Inconfidência Mineira”. Seu nome: Joaquim José da Silva Xavier, o alferes. Seu apelido: Tiradentes.O jornalista Lucas Figueiredo, vencedor de três prêmios Esso, dois Vladimir Herzog e um Jabuti, tomou para si a tarefa de criar uma narrativa que remontasse à trajetória do considerado “mártir”, historiando seus feitos para muito mais longe da chamada Conjuração Mineira.
O autor deu um grande mergulho em arquivos e documentos quase esquecidos, visando reconstruir a vida do alferes, ainda que soubesse que o Tiradentes ficou meio século esquecido, sendo resgatado nos meados do Século XIX pelo movimento republicano.
Esse movimento precisava de um herói para defender seu projeto, e assim foi criado o misticismo exagerado, surgindo uma figura fantasiosa de barbas e cabelos longos, parecida com o retrato imaginário do suposto filho do deus cristão, o Jesus Cristo.
Na verdade, assinala Lucas Figueiredo em seu livro, a partir da República até hoje, a história de Joaquim José da Silva Xavier foi manipulada por movimentos dos mais diversos matizes, que colocavam o alferes sempre no papel de libertador e de herói.
O livro também lança novo olhar sobre a figura histórica do Tiradentes, hoje considerado símbolo imortal da cidadania indignada pelos desmandos da opressão.
Delatado por um corrupto de nome Joaquim Silvério dos Reis, e tendo ao seu lado corruptos e covardes interessados em salvar a própria pele, o alferes de cavalaria foi executado no dia 21 de abril de 1792, num patíbulo montado no Rio de Janeiro para aterrorizar os súditos coloniais da coroa portuguesa, após um processo jurídico viciado como até hoje acontece em nosso país.
Tais corruptos também foram colocados na cena histórica como inconfidentes de alta nomeada, que o alferes decidiu não citar, não delatar. Entre eles, ganharam destaque os poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, hoje inseridos no panteão de nossa literatura.
Em seu livro de 520 páginas, Lucas Figueiredo mergulha em centenas de fontes primárias, revolvendo uma extensa bibliografia para falar sobre a figura humana de Joaquim José da Silva Xavier.
Muitas partes da vida pregressa do alferes são esmiuçadas até alcançar o ápice: o instante em que a cabeça do inconfidente é decepada do corpo e fincada na praça principal da cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto.
É um livro que busca a verdade a todo custo. É um livro a merecer muito mais do que cinco estrelas como muitos críticos o fazem. Nele, Lucas Figueiredo mostra todos os rumos que tomou a denominada Inconfidência Mineira e os personagens com os quais Tiradentes conviveu durante os seus poucos 44 anos de vida.
Ressalta a figura do alferes como um dos mais radicais membros da conjuração, na busca da independência, não do Brasil, mas de Minas.
Ele queria a todo custo sair do pacto colonial que Minas Gerais tinha para com a corte portuguesa, sempre, no entanto, levando em conta o que todos os conjurados iriam lucrar com isso.
Um dos principais ganhos seria deixar de pagar o que todos os inconfidentes deviam à Coroa, já que eles usufruíam de lucros advindos da exploração das minas de ouro, e roubavam descaradamente os cofres reais lisboetas.
A figura de Tiradentes dissecada por Lucas Figueiredo também é mostrada como ambígua e falível como a de todos os demais. Retirando o mito de herói e de libertador, o alferes é apresentado como alguém com interesses pessoais bem claros e que tem neles o motivo de sua revolta contra o domínio português.
E mais: a liberdade defendida pelos conspiradores mineiros não abrangia os escravos, já que, todos eles, em maior ou em menor grau, eram proprietários de negros africanos, Tiradentes inclusive.
A escrita ágil e envolvente de Lucas Figueiredo faz de O Tiradentes uma excelente biografia à qual este Humanitas aconselha para todos aqueles que gostam de mergulhar na História brasileira. É uma leitura rápida e que traz aos leitores uma ampla gama de novos conhecimentos.
 
 

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