O Tiradentes de Lucas Figueiredo
Rafael
Rocha é jornalista e editor geral deste Humanitas - Atua no Recife/PE
Este mês de abril marca mais um aniversário de uma das
figuras mais célebres da nossa História.
Figura essa que ganhou status de mito, e que já foi
apropriada por diversos movimentos da política nacional, seja da esquerda ou da
direita. Essa figura é conhecida como o “mártir da Inconfidência Mineira”.
Seu nome: Joaquim José da Silva Xavier, o alferes. Seu apelido: Tiradentes.O
jornalista Lucas Figueiredo, vencedor de três prêmios Esso, dois Vladimir
Herzog e um Jabuti, tomou para si a tarefa de criar uma narrativa que
remontasse à trajetória do considerado “mártir”, historiando seus feitos
para muito mais longe da chamada Conjuração Mineira.
O autor deu um
grande mergulho em arquivos e documentos quase esquecidos, visando reconstruir
a vida do alferes, ainda que soubesse que o Tiradentes ficou meio século
esquecido, sendo resgatado nos meados do Século XIX pelo movimento republicano.
Esse movimento precisava de um herói para defender seu
projeto, e assim foi criado o misticismo exagerado, surgindo uma figura
fantasiosa de barbas e cabelos longos, parecida com o retrato imaginário do
suposto filho do deus cristão, o Jesus Cristo.
Na verdade, assinala Lucas Figueiredo em seu livro, a partir
da República até hoje, a história de Joaquim José da Silva Xavier foi
manipulada por movimentos dos mais diversos matizes, que colocavam o alferes
sempre no papel de libertador e de herói.
O livro também lança novo olhar sobre a figura histórica do
Tiradentes, hoje considerado símbolo imortal da cidadania indignada pelos
desmandos da opressão.
Delatado por um corrupto de nome Joaquim Silvério dos Reis,
e tendo ao seu lado corruptos e covardes interessados em salvar a própria pele,
o alferes de cavalaria foi executado no dia 21 de abril de 1792, num patíbulo
montado no Rio de Janeiro para aterrorizar os súditos coloniais da coroa
portuguesa, após um processo jurídico viciado como até hoje acontece em nosso
país.
Tais corruptos também foram colocados na cena histórica
como inconfidentes de alta nomeada, que o alferes decidiu não citar, não
delatar. Entre eles, ganharam destaque os poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio
Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, hoje inseridos no panteão de nossa
literatura.
Em seu livro de 520 páginas, Lucas Figueiredo mergulha em
centenas de fontes primárias, revolvendo uma extensa bibliografia para falar
sobre a figura humana de Joaquim José da Silva Xavier.
Muitas partes da vida pregressa do alferes são esmiuçadas
até alcançar o ápice: o instante em que a cabeça do inconfidente é decepada do
corpo e fincada na praça principal da cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto.
É um livro que busca a verdade a todo custo. É um livro a
merecer muito mais do que cinco estrelas como muitos críticos o fazem. Nele,
Lucas Figueiredo mostra todos os rumos que tomou a denominada Inconfidência
Mineira e os personagens com os quais Tiradentes conviveu durante os seus
poucos 44 anos de vida.
Ressalta a figura do alferes como um dos mais radicais membros
da conjuração, na busca da independência, não do Brasil, mas de Minas.
Ele queria a todo custo sair do pacto colonial que Minas
Gerais tinha para com a corte portuguesa, sempre, no entanto, levando em conta
o que todos os conjurados iriam lucrar com isso.
Um dos principais ganhos seria deixar de pagar o que todos
os inconfidentes deviam à Coroa, já que eles usufruíam de lucros advindos da
exploração das minas de ouro, e roubavam descaradamente os cofres reais
lisboetas.
A figura de Tiradentes dissecada por Lucas Figueiredo
também é mostrada como ambígua e falível como a de todos os demais. Retirando o
mito de herói e de libertador, o alferes é apresentado como alguém com
interesses pessoais bem claros e que tem neles o motivo de sua revolta contra o
domínio português.
E mais: a liberdade defendida pelos conspiradores mineiros
não abrangia os escravos, já que, todos eles, em maior ou em menor grau, eram
proprietários de negros africanos, Tiradentes inclusive.
A escrita ágil e envolvente de Lucas Figueiredo
faz de O Tiradentes uma excelente biografia à qual este Humanitas
aconselha para todos aqueles que gostam de mergulhar na História brasileira. É
uma leitura rápida e que traz aos leitores uma ampla gama de novos
conhecimentos.
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