domingo, 3 de novembro de 2019

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PRIMEIRA PÁGINA


O INQUIETO ARTISTA CÍCERO DIAS

O artista plástico Cícero Dias (1907/2003) viveu quase 96 anos. Tempo suficiente para ver o mundo que começava no Recife. Depois o seu mundo se transferiu para o Rio de Janeiro, Paris, Lisboa e novamente Paris. O painel Eu vi o mundo… Ele começava no Recife (1926 a 1929), pintado por ele, tornou-se a sua aclamada obra-prima. Era um artista inquieto. Foi o pioneiro da arte abstrata no continente e nunca seguiu convenções de escolas nem movimentos.
- LEIA MAIS NA PÁGINA 8 –
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Na PÁGINA 6, leia a continuação do artigo da escritora Divina de Jesus Scarpim  (São Paulo-SP)
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Na PÁGINA 5, o artigo do escritor Araken Vaz Galvão (Valença/BA)
- O despertar da África V -
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Na PÁGINA 4, veja o texto de Décio Schroeter (Porto Alegre/RS)
sobre os papas mais infames
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HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 2


EDITORIAL
Origem das espécies

O cientista Charles Darwin (1809/1882) destruiu a visão teleológica de mundo com o seu livro “A Origem das Espécies”, lançado no dia 24 de novembro de 1859.
O criacionismo era a teoria dominante na época e “A Origem das Espécies” chegou e rejeitou esse tipo de pensamento.
Segundo o criacionismo, o Universo e tudo que há nele foram criados por um deus - ou vários deuses, dependendo da religião. Mas essa para nós é uma visão fantasiosa.
Nós não acreditamos no criacionismo! Nós buscamos explicações cientificas sobre a origem da vida e a do universo, e não histórias de trancoso.
Para nós, o Universo nasceu (quem sabe?) de um Big-Bang e o surgimento do ser humano não tem nada a ver com o mito bíblico de Eva e Adão, mas sim, com a teoria da evolução.
Neste mês de novembro aproveitamos a ocasião para lembrar – ainda que de forma resumida – o grande cientista Charles Robert Darwin que com a sua teoria da Origem das Espécies trouxe novas luzes para o pensamento científico.
Ainda existem os que desacreditam dessa visão científica e defendem a falácia de que o Universo e tudo que há nele é obra de um ser divino.
A evolução por seleção natural continua sendo desacreditada em muitas comunidades religiosas, mas a obra científica de Charles Darwin é a base da biologia, pois explica de forma lógica e unificada a diversidade da vida.
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QUINZE PERGUNTAS DESCONCERTANTES PARA OS RELIGIOSOS

1. Se a homossexualidade é uma abominação, então por que os cristãos não ficam escandalizado com a relação homossexual entre Davi e Jonatas (I Samuel 20:41 e II Samuel 1: 26)?
2. Se Jesus é amor, então por que ele mandou que sejamos inimigos de nossos entes queridos (Mateus 10:34-36)?
3. Por que, quando questionados sobre atrocidades do antigo testamento, vocês argumentam que “isso era no tempo da lei (mosaica)” se Jesus disse que esse argumento do tempo da lei é balela (Mateus 5:17)?
4. Por que muitos cristãos, judeus e islâmicos, trabalham aos sábados se  Deus mandou que não trabalhassem aos sábados, sob pena de morte por apedrejamento (Êxodo 31:15 e Números 15:32-36)?
5. Se Deus proíbe o assassinato, por que ele decidiu assassinar os homens e animais do planeta (Gênesis 6:7)?
6. Sendo que a bíblia e o torá citam a existência de gigantes (Gênesis 6:4) e em momento algum citam a existência dos dinossauros, por que então existem tantos vestígios dos dinossauros e nenhum dos gigantes?
7. Deus diz ter se arrependido de criar o homem por causa da sua maldade (Gênesis 6:5-6). Mas se Deus é onisciente, como é que ele não sabia que o homem se tornaria maligno?
8. Por que Deus aprova guerras, matanças e o estupro de meninas virgens (Números 31:1-18)?
9. Por que Deus aprova a escravidão (Levítico 25:44-46)?
10. Se Deus é amor (I João 4:8), por que então ele criou o mal (Isaías 45:7)?
11. Se Deus proíbe que desejemos a mulher do próximo, por que então ele matou Omã por este ter se recusado a engravidar a mulher do próprio irmão (Gênesis 38:8-10)?
12. Se Deus nos ama e nos deu o livre arbítrio, por que ameaça com punições eternas todos os que não creem nele ou em Jesus (João 3:18)?
13. Por que Deus considera que chamar alguém de calvo é um crime tão grave ao ponto de ser punido com a morte, nas garras de animais selvagens (II Reis 2:23-24)?
14. Por que a religião é contra o incesto se Deus permitiu que Ló engravidasse as próprias filhas (Gênesis 19:31-36)?
15. Por que Deus quer causar os piores de todos os horrores aqui na Terra (Lucas 21:23)?

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO

A CANÇÃO DO ESTRANGEIRO
Edmondo Jabès (1912/1991)
Tradução de Caio Meira

Estou à procura
de um homem que não conheço,
que nunca foi tão eu mesmo
quanto desde que comecei a procurá-lo.
Teria ele meus olhos, minhas mãos
e todos esses pensamentos semelhantes
aos destroços deste tempo?
Estação de mil naufrágios,
o mar deixa de ser mar,
para tornar água gelada dos túmulos.
Mas, mais longe, quem sabe mais longe?
Uma menina canta a contragosto,
enquanto a noite reina sobre as árvores,
pastora em meio a seus carneiros.
Venham arrebatar do grão de sal a sede
que nenhuma bebida poderá mitigar.
Com as pedras, um mundo se devora
para ser, como eu, de parte alguma.
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EDMONDO JABÈS - nasceu no Cairo, Egito, em 1912. Deixou seu país e foi morar na França a partir de 1957, devido a suas origens judaicas. Em 1967, mudou sua nacionalidade e se tornou cidadão francês. Morreu em Paris no dia 2 de janeiro de 1991. Jabès é muito bem conceituado como poeta e escritor tanto na França, como no exterior.
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POEMA PARA O ATORMENTADO SILÊNCIO
Gláucia Lemos – Salvador/BA

Que rei me colherá deste silêncio
depois que escondi dentro dos meus cofres
as chagas que se pejam de mostrar?

Que sons comoverão os meus ouvidos
depois que cortei as falas aos pastores
e recuei minha melhor orquestra?

Que lábios semearão na minha boca
sementes mentirosas como as tuas
sabores de groselha e de absinto?

Que espinhos forrarão mais outra estrada
pra quem neste silêncio atormentado
não poderá jamais deixar de ir?

Ah.. quem guardará minhas respostas
depois que me neguei a procurá-las?...
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GLAUCIA LEMOS - Nasceu em Salvador, Bahia. É escritora. Publicou ensaios e críticas no jornal A Tarde e na Tribuna da Bahia. Estreou, em 1979, com um livro de contos ilustrado pela própria autora, seguindo-se 35 outros títulos, dos quais os 21 infanto-juvenis a projetaram como autora do gênero no território nacional com sucessivas reedições, ao lado de outros livros de contos, participações em antologias, ensaios, novelas, poesias infantis, poemas e quatro romances premiados. É filiada à União Brasileira de Escritores (UBE-SP), ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e à Academia de Letras da Bahia (ALB). Em 2013 publicou seu livro “Marce”.

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 4

OS 10 PAPAS MAIS INFAMES DA HISTÓRIA
Décio Schroeter colaborador deste HUMANITAS é escritor. Atua em Porto Alegre/RS

Alexandre VI (1492-1503): Membro da família Bórgia, comprou o título, subornando os cardeais. Foi um investimento: por todo seu papado – no qual, aliás, gerou 7 filhos bastardos – desviou dinheiro para a família, vendeu posições eclesiásticas, e mandou matar “hereges” para confiscar sua propriedade. Na imaginação popular, ainda hoje "Bórgia" é sinônimo de libertinagem - a lenda mais picante é que teria cometido incesto com a própria filha. Mas foi também um grande patrono das artes e aceitou em Roma os judeus expulsos da Espanha em 1492.
Urbano VI (1378-1389): Seu problema era a falta de diplomacia. Austero e propenso a ataques de fúria, era tão detestado que os cardeais elegeram um segundo papa em seu mandato. Isso deu início ao Cisma do Ocidente, quando o catolicismo teve dois líderes rivais, entre 1378 e 1417 - causando até mesmo uma guerra civil em Portugal, entre facções que apoiavam papas rivais. Sua "solução" foi mandar torturar os cardeais que o rejeitaram, reclamando que não ouvia gritos o suficiente.
Leão X (1513-1521): Na inauguração de seu mandato, este papa mandou pintar um menino em ouro e fazê-lo desfilar em Roma, anunciando uma nova "Era Dourada". A criança morreu, mas a festa continuou. Esse seria seu crime: a ostentação. Da família Médici, foi criado desde criança para a carreira religiosa, e não parece ter passado por escândalos sexuais. Ele arruinou os cofres da Igreja com sua gastança em arte e arquitetura.
O que levou à ideia de cobrar indulgências, pedir dinheiro para absolver os pecados, revoltando certo monge alemão chamado Martinho Lutero. O papa finório nem se incomodou em defender a Igreja do ataque, e o cristianismo seria dividido até hoje.
Bonifácio VIII (1294-1303): Ele queria dominar o mundo - Séculos antes, um papa tinha o complexo que seria chamado "de Napoleão". Declarou o poder absoluto do pontífice sobre todos os outros governantes. Com seu exército, saqueou e queimou a cidade de Palestrina em 1298, fazendo 6 mil mortos. Foi deposto militarmente pelos franceses.
Clemente VII (1523-1534): Outro com tara por guerra. Membro da família Médici, suas maquinações políticas levaram à Guerra da Liga de Cognac, em que franceses e italianos enfrentaram espanhóis e alemães. Em 1527, uma tropa alemã-espanhola se amotinou com a falta de pagamento e rumou para Roma, que foi saqueada e arruinada. Com isso, Clemente seria o maior responsável pelo fim da Renascença italiana.
Inocêncio IV (1243-1254): Este papa não foi condenado por seus contemporâneos. Ele não se envolveu em nenhum escândalo e o que fez era considerado perfeitamente sensato. Mandou confiscar e queimar todos os talmudes, o livro sagrado extra-bíblico dos judeus - mas tentou evitar que eles fossem linchados pelo populacho e exigiu que os cruzados não os massacrassem. A parte mais influente de seu legado seria a bula Ad Extirpanda, de 1252. Essa bula papal autorizava e regulamentava o uso de tortura pela Inquisição. A regra principal era a de que não podia haver mortes ou amputações, e que as execuções seriam feitas por autoridades.
João XII (955-964): Num sínodo, em 963, foi acusado de: inúmeros atos de fornicação, incluindo com sua sobrinha; ter estuprado peregrinas; castrado um padre e cegado outro. Enfim, vivia como um astro de heavy metal. Convocou um sínodo para declarar a si mesmo inocente e mandou mutilar ou matar seus acusadores. Acabou morto por um marido ciumento .
Estêvão VI (896-897): Para agradar aliados políticos, mandou escavar o corpo putrefato do seu pré-antecessor, o papa Formoso, e o pôs num trono para que fosse julgado, no que ficou conhecido como Sínodo do Cadáver. Condenado, o corpo teve os dedos cortados, para que todas suas bênçãos se tornassem inválidas. Foi enterrado, desenterrado outra vez e atirado ao rio Tibre. O julgamento causou escândalo e o papa foi preso e estrangulado meses depois.
Sérgio III (904-911): Julgar cadáveres não era suficiente para Sérgio, que mandou executar seus dois antecessores. Seu papado deu início à “pornocracia”, o domínio das prostitutas com que os papas se cercavam. Com uma delas, Sérgio teve um filho, que se tornaria o papa João XI. 
Benedito IX (1032/1044; 1045; 1047/1048): A razão da pilha de números acima é que o Benedito vendeu seu papado e depois se arrependeu. O trono papal foi um presente de seu pai, que os cardeais a colocarem ele "na fila". Assumiu pela primeira vez aos 20 anos. Acumulando escândalos e decidido a casar, ofereceu a cadeira a seu padrinho, o padre Giovanni Gratian - ao custo de suas "despesas" com a eleição. Como o casamento não deu certo, voltou à Roma e conquistou a cidade militarmente. Foi acusado de assassinatos, estupros etc, enfim, a ficha-corrida média dos piores papas de seu tempo.

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 5

O DESPERTAR DA ÁFRICA V
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

Ainda que a ideologia do colonialismo tenha gasto toneladas de papel e tinta para provar a inferioridade do homem negro, a história africana está repleta de lutas que provam que a busca da liberdade é inerente a todos os povos de quaisquer etnias. É verdade que os europeus souberam tirar o melhor partido do choque cultural com sua chegada naquele continente. As divisões tribais, étnicas e linguísticas jogaram também um importante papel favorável à dominação colonial.
A resistência do africano a dominação foi, até começo do século XX, dura e constante. Porém a História da África moderna, que é a que nos interessa nesse momento, não começa com Bob Marley e demais cantores amantes da maconha e do reggae, tampouco com a luta dos negros dos Estados Unidos por igualdade racial – como pensam muitos –, aqueles movimentos, mais bem, foram consequências de uma longa luta que teve início com o fim da II Grande Guerra.
Já foi dito, mas é preciso reafirmar, que a infâmia nazista teve o mérito de mostrar – aos povos colonizados do mundo todo – que o rei (colonizador) estava nu. Se me permitem o lugar-comum. Já vimos também que a presença de soldados africanos (e de outros povos colonizados) lutando ombro a ombro com os arrogantes, porém derrotados, europeus, nos campos de batalha muito contribuiu para quebrar o temor à máquina repressora colonial. Jogou importante papel nesse processo, isso em um campo mais ideológico, por assim dizer, a façanha do Exército Vermelho na libertação da Europa, coisa que já afirmei e volto a reafirmar.
A verdade é que, ao terminar aquele conflito, uma onda de nacionalismo agitou o continente. E não foi mera casualidade que as primeiras demonstrações de rebeldia apareceram nos sindicatos.
Em 1945, várias greves na Argélia e na Nigéria – respectivamente colônias da França e da Inglaterra – foram como um rastilho de pólvora que teve continuação com uma greve geral dos ferroviários em Madagascar, em 1947. Em 1950, agitações trabalhistas na Costa do Ouro (hoje Gana) contribuíram para fortalecer as organizações dos trabalhadores.
Em 1945, Sekou Touré – mais tarde primeiro presidente da Guiné – funda a Confederação Geral de Trabalhadores Africanos (mais tarde União Geral dos Trabalhadores da África Negra, UGTAN), desvinculando-se completamente do sindicalismo europeu. Porque, é preciso esclarecer, os sindicatos africanos eram como filiais das centrais da Europa. Não tardou para que esses movimentos sindicais se transformassem em Movimentos de Libertação Nacional.
É preciso que se diga – em rápido parêntese – que aqueles movimentos de libertação na África (e na Ásia) coincidiam, e contavam com a solidariedade daqueles que lutavam contra a dominação a que os Estados Unidos impunham na América Latina e no Caribe. E que foi essa solidariedade uma das causas principais da série de golpes militares em nossos países – inclusive no Brasil – patrocinados pelo imperialismo, do qual os Estados Unidos era a expressão maior.
Naqueles tempos de sonhos libertários existia uma máxima que dizia: Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária. As massas africanas estavam maduras para a luta de libertação do jugo colonial, faltavam apenas os homens que interpretassem esta maturidade. Esse papel cabe historicamente aos intelectuais.
Em 1930, o poeta Ettienne Léro, da Martinica, fundou um periódico, “Legítima Defesa”, onde analisa a opressão sofrida pelos negros tanto na África como na América. Seu periódico teve grande repercussão em todas as colônias, mormente as de língua francesa. Intelectuais como Aimé Cesaire, Léopold Sénghor e David Diop, cada um do seu modo, também passaram a escrever realçando e incentivando a valorização individual e a causa de libertação desses povos
Revistas como “Presence Africaine”, fundada por Alioune Diop, começou a publicar aquilo que seriam os princípios da “negritude.. Kwame N’Krumah – que mais tarde seria o primeiro presidente de Gana, antiga Costa do Ouro – que tinha fundado o CPP (Convention of the Peoples Party) lançou a palavra de ordem Auto-Governo Agora. N’Krumah e seu CPP conseguem a independência de Gana em 1957, sendo o primeiro país – se excluirmos o caso especial da Libéria – a conseguir sua independência do jugo colonial no século XX.
Mais tarde, outro intelectual de peso – talvez o mais importante da África – Amílcar Cabral, fundou o PAIGC (Partido da Independência de Guiné e Cabo Verde). Amílcar Cabral, não chegou a ver concretizado seu sonho, foi assassinado pelo serviço secreto de Portugal (a PIDE, de triste memória). Ademais, com a independência, depois da Revolução dos Cravos, o seu sonho foi novamente frustrado, as ilhas de Cabo Verde se separaram de Guiné Bissau, formando dois países diferentes, ambos muito pobres. Há que diga que a separação das duas ex-colônias seria um fato inevitável, além de desejável, pois seria inviável um país dividido por duas partes distantes uma da outra por mais de 1800 Km.
Tive a oportunidade de conhecer e de conviver com esse grande intelectual e mártir da libertação dos povos, quando ele esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, por volta do ano de 1963, em busca de apoio para sua causa, que era também a de todos os povos oprimidos do mundo. Naquela ocasião tive a oportunidade de aquilatar o grau de conhecimento daquele líder. 
Para concluir, só posso lembrar de como foram brilhantes os intelectuais que iniciaram as lutas de libertação das colônias africanas, reafirmando que, sem dúvida, Amílcar Cabral foi talvez o mais brilhante deles.

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 6

PESSIMISMO E REALIDADE (PARTE 6)
Divina Scarpim colaboradora deste HUMANITAS é professora e escritora. Atua em São Paulo/SP

O argumento fundamental que estou defendendo aqui é que, dentro do espectro daquilo que nós, animais humanos, costumamos denominar fazendo uso das palavras “maldade” e “egoísmo”, somos maus e egoístas, eu, você e cada um de nós.
Acontece que esses conceitos têm nuances como as cores, há aqueles que têm em si essas características mais acentuadas e outros que as têm pouco menos intensas, mas todos nós as temos.
O que acontece é que nós tendemos a praticar atos de maldade em diversos níveis de moto próprio ou influenciadas por outras pessoas que de alguma forma têm mais poder.
E essa tendência a pensar, instigar, aceitar e praticar o mal parece ser mais forte quanto mais forte é o egoísmo.
Ou seja, os mais egoístas são mais danosos aos outros e, ao mesmo tempo, tendem a obter maior sucesso.
Quando penso no significado das palavras, concluo que estou chamando de egoísmo uma faceta do nosso instinto de preservação, a parte que faz com que a gente procure - e ache - justificativas para nos preservar e fazer com que nos preocupemos acima de tudo com nosso corpo, nosso bem-estar, nossa vida e a qualidade dela.
Vendo por esse ângulo, a maldade humana é um subproduto do egoísmo e é inerente a ele porque é também uma faceta do instinto de conservação e preservação que temos como animais que somos.
Criamos outras versões e eufemismos para o que é basicamente egoísmo. Amor próprio é só o mais óbvio deles.
Voltando ao livro Sapiens, na página 17, temos que “No Homo sapiens, o cérebro equivale a 3% do peso corporal, mas consome 25% da energia do corpo quando este está em repouso”.
Acrescento ainda o livro Cérebro e Crença, de Michael Shermer que, na página 78, afirma que “Sempre que o custo de acreditar que um falso padrão real for menor do que o custo de não acreditar em um padrão real, a seleção natural favorecerá a padronicidade”.
Então, fico pensando em quanta energia é necessário para procurar fontes, pesquisar a validade das fontes, analisar conhecimentos obtidos e processar tudo isso relacionando conhecimentos novos e antigos entre si até tomar uma decisão, aderir a qualquer linha de pensamento, comportamento, crença ou postura.
E, paralelo a isso, quanto de energia um cérebro consome para aceitar como verdade, sem um mínimo de análise, qualquer tipo de informação, opinião ou crença que lhe seja apresentada.
Tenho certeza de que há uma diferença consideravelmente grande entre uma e outra situação.
Pelo que já vi e li em várias fontes, a economia de energia é característica recorrente no mundo animal, por que seria diferente com o Homo sapiens?
Daí que, entre a economia de energia, o egoísmo e o instinto de preservação, não parece muito difícil ser uma pessoa que, no mínimo, não se esforça muito para adquirir conhecimentos não práticos.
E que em lugar de perceber e analisar contradições e mentiras procura negar a existência de tais contradições, de preferência de forma indireta.
Ou seja, usando argumentos de terceiros sempre e todas as vezes que essas contradições e mentiras nos favoreçam de alguma forma.
Na verdade, arriscaria a dizer que, como indivíduos, os mais egoístas de nós estamos sempre cada vez mais dispostos a gastar mais energia para justificar contradições e criar mentiras que nos favoreçam do que gastaríamos para desvendar essas mentiras e perceber e descartar essas contradições.
A economia de energia e o instinto de preservação levam pessoas a se tornarem seguidoras de manada, a não pensarem e não se importarem em saber os danos que causam ou que não se dão ao trabalho de evitar. 
Não estou pensando apenas em extremos mais do que danosos, mas no fenômeno em si, que como tal comporta também o mais brando dos egoísmos, do qual um bom exemplo talvez seja a pessoa que passa toda a vida em autoprivação praticando “o bem sem olhar a quem” e que talvez faça isso com o objetivo principal de se tornar uma pessoa santa e, quem sabe até, merecer destaque em um livro de história dedicado às pessoas vistas como “iluminadas”.

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 7

FIM DA VISÃO TELEOLÓGICA DE MUNDO
Rafael Rocha é jornalista e editor deste HUMANITAS. Atua na cidade do Recife/PE

O cientista Charles Darwin (1809/1882) destruiu a visão teleológica de mundo com o seu livro “A Origem das Espécies”, no dia 24 de novembro de 1859, ao assinalar que as formas de vida se originaram de um processo de seleção natural.
Isso foi de encontro à crença predominante na época - de cunho religioso e filosófico - que afirmava que a vida de todos os seres vivos caminha em direção ao aperfeiçoamento, ou seja, que há um “sentido”.
De acordo com Darwin, não existe finalidade na natureza. Tudo é somente uma história iniciada há muitos milhões de anos quando a evolução do mundo foi sendo adequada de ambiente em ambiente de acordo com as possibilidades de cada um deles.
“A Origem das Espécies”, ou “Da origem das espécies por meio da seleção natural, ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida”, chegou às livrarias em 24 de novembro de 1859.
A obra, na época em que foi lançada, suscitou variados debates cheios de ironias e agressividades. Teve até religioso que teria perguntado a Darwin se o cientista descenderia dos símios pelo lado paterno, ou materno.
Ele terminou sendo mostrado nos jornais em caricaturas como sendo um primata.
O cientista resistiu e rebateu com veemência as críticas.
O criacionismo era a teoria dominante na ocasião e “A Origem das Espécies” rejeitava esse tipo de pensamento.
Darwin definiu evolução como "descender com modificações". De acordo com ele, as espécies mudam ao longo do tempo, dão origem a novas espécies e compartilham um ancestral comum.
A seleção natural é o mecanismo proposto por Darwin para a sua teoria da evolução. Devido aos recursos limitados, os organismos com características hereditárias que favoreçam a sobrevivência e a reprodução tendem a deixar mais descendentes do que os demais, o que faz com que essas características aumentem em frequência ao longo das gerações.
Darwin propôs que as espécies podem mudar ao longo do tempo, que novas espécies surgem de espécies pré-existentes, e que todas compartilham um ancestral comum. Assim, cada espécie tem um conjunto único de diferenças genéticas comparadas ao ancestral comum, que se acumularam gradualmente ao longo do tempo.
Eventos repetidos de diferenciação, nos quais espécies novas divergem a partir de seu ancestral comum, produzem uma "árvore" que conecta todos os seres vivos. Em uma população, alguns indivíduos vão herdar características que os ajudam a sobreviver e reproduzir (dadas as condições ambientais, como predadores e fonte de nutrientes disponíveis).
Os indivíduos com essas características benéficas vão deixar uma prole maior na próxima geração quando comparados aos demais, já que tais características os tornam mais aptos a sobreviver e reproduzir.
Como as características úteis são herdáveis, e os organismos com essas vantagens deixam uma prole maior, elas se tornarão mais comuns (presentes em uma fração maior da população) na próxima geração.
A evolução por seleção natural foi amplamente desacreditada nas comunidades religiosas, mas até hoje a obra científica de Darwin continua sendo a base da biologia, pois explica de forma lógica e unificada a diversidade da vida. 
Atualmente, a teoria darwiniana é amplamente aceita. Assim, ao longo das gerações, a população se tornará adaptada ao seu ambiente, visto que indivíduos com características úteis a este ambiente têm, consistentemente, maior sucesso reprodutivo que os seus contemporâneos.

HUMANITAS Nº 89 – NOVEMBRO DE 2019 – PÁGINA 8

CÍCERO DIAS FOI LUZ, COR, LIBERDADE E FANTASIA
Especial do HUMANITAS

Cícero Dias nasceu no dia 5 de março de 1907, no Engenho Jundiá, no município de Escada, em Pernambuco.
Como as galerias de arte do Brasil e em particular no Rio de Janeiro nos distantes anos de 1920 não se interessavam por arte moderna, sua primeira exposição aconteceu em um hospício, único espaço disponível que ele conseguiu em 1928 para mostra seu painel de 15 metros de largura: Eu vi o mundo, ele começava no Recife. A convite do pintor Di Cavalcanti, três anos depois ele faria uma exposição no Salão de Belas Artes.
Cícero rompeu com o de pintar da escola clássica e as suas exposições geravam debates e escândalos, porque muita pouca gente conseguia entender o que ele mostrava em suas obras. Houve até o caso de um homem que destruir um dos seus trabalhos utilizando uma navalha.
Quando da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o pintor foi perseguido, em 1937 e várias vezes o seu atelier foi invadido por policiais. Por esse motivo, ele decidiu se mudar para Paris.
Cícero Dias é considerado um dos pioneiros do modernismo no Brasil. Ele foi amigo de Heitor Villa-Lobos, do artista plástico Ismael Nery e do poeta Murilo Mendes.
Ele também fez outras amizades ilustres como com os poetas André Breton e Paul Eluard, e com o pintor Pablo Picasso.
Picasso se tornou padrinho de sua filha e, junto a ele, Cícero acompanharia a elaboração do quadro Guernica, o famoso épico sobre a guerra civil espanhola.
Em seus 93 anos de idade e inspirado na sua obra Eu vi o mundo ele começava no Recife, Cícero Dias criaria um trabalho relevante para a capital de Pernambuco: o piso da Praça do Marco Zero, uma bela e enorme rosa dos ventos plantada no bairro do Recife Antigo.
O artista conservou-se lúcido, e produtivo até o fim da vida.
No dia 28 de janeiro de 2003, quase perto de fazer 96 anos, ele faleceu em sua casa, na Rue Long Champ, em Paris, onde residia há quarenta anos. Junto ao pintor, estavam presentes a esposa, Raymonde, a única filha, Sylvia, e seus dois netos.
Cícero Dias foi sepultado no cemitério de Montparnasse, na capital francesa.