O DESPERTAR DA ÁFRICA V
Araken Vaz
Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em
Valença/BA
Ainda
que a ideologia do colonialismo tenha gasto toneladas de papel e tinta para
provar a inferioridade do homem negro, a história africana está repleta de
lutas que provam que a busca da liberdade é inerente a todos os povos de quaisquer
etnias. É verdade que os europeus souberam tirar o melhor partido do choque
cultural com sua chegada naquele continente. As divisões tribais, étnicas e
linguísticas jogaram também um importante papel favorável à dominação colonial.
A resistência do africano a dominação foi,
até começo do século XX, dura e constante. Porém a História da África moderna,
que é a que nos interessa nesse momento, não começa com Bob Marley e demais
cantores amantes da maconha e do reggae,
tampouco com a luta dos negros dos Estados Unidos por igualdade racial – como
pensam muitos –, aqueles movimentos, mais bem, foram consequências de uma longa
luta que teve início com o fim da II Grande Guerra.
Já foi dito, mas é preciso reafirmar, que a
infâmia nazista teve o mérito de mostrar – aos povos colonizados do mundo todo
– que o rei (colonizador) estava nu. Se me permitem o lugar-comum. Já vimos
também que a presença de soldados africanos (e de outros povos colonizados)
lutando ombro a ombro com os arrogantes, porém derrotados, europeus, nos campos
de batalha muito contribuiu para quebrar o temor à máquina repressora colonial.
Jogou importante papel nesse processo, isso em um campo mais ideológico, por
assim dizer, a façanha do Exército Vermelho na libertação da Europa, coisa que já
afirmei e volto a reafirmar.
A verdade é que, ao terminar aquele
conflito, uma onda de nacionalismo agitou o continente. E não foi mera
casualidade que as primeiras demonstrações de rebeldia apareceram nos
sindicatos.
Em 1945, várias greves na Argélia e na
Nigéria – respectivamente colônias da França e da Inglaterra – foram como um
rastilho de pólvora que teve continuação com uma greve geral dos ferroviários
em Madagascar, em 1947. Em 1950, agitações trabalhistas na Costa do Ouro (hoje
Gana) contribuíram para fortalecer as organizações dos trabalhadores.
Em 1945, Sekou Touré – mais tarde primeiro
presidente da Guiné – funda a Confederação Geral de Trabalhadores Africanos
(mais tarde União Geral dos Trabalhadores da África Negra, UGTAN),
desvinculando-se completamente do sindicalismo europeu. Porque, é preciso
esclarecer, os sindicatos africanos eram como filiais das centrais da Europa.
Não tardou para que esses movimentos sindicais se transformassem em Movimentos
de Libertação Nacional.
É preciso que se diga – em rápido parêntese
– que aqueles movimentos de libertação na África (e na Ásia) coincidiam, e
contavam com a solidariedade daqueles que lutavam contra a dominação a que os
Estados Unidos impunham na América Latina e no Caribe. E que foi essa solidariedade
uma das causas principais da série de golpes militares em nossos países –
inclusive no Brasil – patrocinados pelo imperialismo, do qual os Estados Unidos
era a expressão maior.
Naqueles tempos de sonhos libertários
existia uma máxima que dizia: Sem teoria revolucionária, não há prática
revolucionária. As massas africanas estavam maduras para a luta de libertação
do jugo colonial, faltavam apenas os homens que interpretassem esta maturidade.
Esse papel cabe historicamente aos intelectuais.
Em 1930, o poeta Ettienne Léro, da
Martinica, fundou um periódico, “Legítima Defesa”, onde analisa a opressão
sofrida pelos negros tanto na África como na América. Seu periódico teve grande
repercussão em todas as colônias, mormente as de língua francesa. Intelectuais
como Aimé Cesaire, Léopold Sénghor e David Diop, cada um do seu modo, também
passaram a escrever realçando e incentivando a valorização individual e a causa
de libertação desses povos
Revistas como “Presence Africaine”, fundada
por Alioune Diop, começou a publicar aquilo que seriam os princípios da
“negritude.. Kwame N’Krumah – que mais tarde seria o primeiro presidente de
Gana, antiga Costa do Ouro – que tinha fundado o CPP (Convention of the Peoples Party) lançou a palavra de ordem
Auto-Governo Agora. N’Krumah e seu CPP conseguem a independência de Gana em
1957, sendo o primeiro país – se excluirmos o caso especial da Libéria – a
conseguir sua independência do jugo colonial no século XX.
Mais tarde, outro intelectual de peso –
talvez o mais importante da África – Amílcar Cabral, fundou o PAIGC (Partido da
Independência de Guiné e Cabo Verde). Amílcar Cabral, não chegou a ver
concretizado seu sonho, foi assassinado pelo serviço secreto de Portugal (a
PIDE, de triste memória). Ademais, com a independência, depois da Revolução dos
Cravos, o seu sonho foi novamente frustrado, as ilhas de Cabo Verde se
separaram de Guiné Bissau, formando dois países diferentes, ambos muito pobres.
Há que diga que a separação das duas ex-colônias seria um fato inevitável, além
de desejável, pois seria inviável um país dividido por duas partes distantes
uma da outra por mais de 1800
Km.
Tive a oportunidade de conhecer e de
conviver com esse grande intelectual e mártir da libertação dos povos, quando
ele esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, por volta do ano de 1963, em busca de
apoio para sua causa, que era também a de todos os povos oprimidos do mundo.
Naquela ocasião tive a oportunidade de aquilatar o grau de conhecimento daquele
líder.
Para
concluir, só posso lembrar de como foram brilhantes os intelectuais que
iniciaram as lutas de libertação das colônias africanas, reafirmando que, sem
dúvida, Amílcar Cabral foi talvez o mais brilhante deles.
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