A PIOR DAS
FOMES
Faz algum tempo...
Eu entrava
naquela agência de correios atendendo a uma convocação de entrega de um
telegrama, que o carteiro havia deixado em minha caixa de postagem residencial.
Então percebi a angústia de um senhor. Ele amassava inquieto um envelope entre
os dedos das mãos rudes e envelhecidas. Tinha talvez umas sete décadas de vida,
mas a expressão era de um envelhecimento marcado por muitas lutas de
sobrevivência. Transitava num ir e vir sem destino, entre o balcão e o caixa de
expedição, como se quisesse pedir ajuda e não tivesse coragem.
Não resisti e
me aproximei perguntando-lhe: “O senhor precisa de alguma ajuda?” Ele me fitou
meio embaraçado e respondeu: “Não... quer dizer, sim. Preciso colocar o nome da
minha filha neste envelope que acabei de comprar, para enviar esta carta, mas
estou sem caneta. A senhora me faz este favor?”
Claro que o
problema não era a falta de caneta. No balcão aonde ele chegara inúmeras vezes
havia caneta disponível, para uso dos clientes. Sem comentar o fato apressei-me
a ajudá-lo. “Perfeitamente. E como é o nome e endereço de sua filha?”,
perguntei tirando minha própria caneta fixada na lapela do blazer, para
subscritar o envelope, que apoiei sobre minha pasta. Para não constrangê-lo,
fiz de conta que eu também não vira a caneta do balcão.
Já com uma
expressão aliviada no rosto, ele tirou do bolso um pequeno papel amassado,
contendo os dados do destinatário. Dados naturalmente, que alguém anotara para
ele, pois o envelope ele acabara de adquirir.
Terminada a tarefa acompanhei-o até a postagem final, para garantir o
acerto da expedição.
Depois dos
agradecimentos emocionados ele se foi, trôpego, carregando o peso da cegueira
do analfabetismo. E eu ali, uma educadora, com o sentimento de que a ajuda que
eu prestara era muito pequena, diante da necessidade de resgatá-lo desta
escuridão. Deduzi que também a carta dentro do envelope, devia ter sido escrita
por outra pessoa. E me peguei sentindo os olhos úmidos e o coração apertado,
por um doloroso sentimento de que o débito social, para com grande parte da
nossa gente, tem efeitos mais perversos do que imaginamos.
Escrever uma
carta, ou pelo menos um bilhete a uma pessoa querida. Assinar o próprio nome,
não como um desenho, mas com a sonoridade que ecoa do entendimento de cada
letra e se orgulhar de criar uma rubrica especial. Ler jornais ou informar-se
das noticias, identificar as placas e sinais. Viajar nos livros, nos poemas e
nos textos. Poder fazer seus próprios versos e despejar suas emoções nas
linhas. Tudo, tudo isto e muito mais é vedado a milhões de brasileiros
. Não será esta a pior das fomes? A fome
biológica pode até levar à morte. Mas a fome do ler e escrever leva a uma vida
sem registros dos pensamentos e das emoções e aliena o homem de sua comunidade.
Torna-se assim um viver de sombras...
Aquele senhor
talvez tenha resolvido o problema daquele momento. Mas quando chegar a resposta
de sua carta, nem o direito à privacidade do conteúdo estará preservado, pois
precisará de alguém que a leia para ele. E novamente ao responder, terá de contar
a outro seus sentimentos, seus segredos, sua fala, mesmo aquela que gostaria de
deixar somente entre ele e a pessoa amada. Tudo porque talvez uma história de
luta, não lhe tenha dado a chance de se alfabetizar.
Fome zero,
sim. Mas não basta. É preciso lutar pelo analfabetismo zero. É preciso garantir
a cidadania a essa gente. Um homem não letrado, não tem condições de lutar
pelos seus direitos de cidadania. E não pode, nem mesmo escrever e ler a sua
própria historia...
O empresário consciente precisa
participar também da fome da extinção total da fome e da miséria, do
desenvolvimento humano para encontrar mão de obra qualificada para o trabalho.
Empresas precisam de “gente” e não são pessoas anuladas pela ignorância que podem fazer algo. Essas precisam ser salvas desta escuridão para se tornarem ativos, profissionais que se sustentam honestamente não dependentes do ganho pela marginalidade e pelas drogas. A escolha de pessoas inseridas nesta filosofia é um dos caminhos do cidadão empreendedor, que quer ver o país se tornar a grande nação que tem condições de ser. Que estejamos neste caminho...
Empresas precisam de “gente” e não são pessoas anuladas pela ignorância que podem fazer algo. Essas precisam ser salvas desta escuridão para se tornarem ativos, profissionais que se sustentam honestamente não dependentes do ganho pela marginalidade e pelas drogas. A escolha de pessoas inseridas nesta filosofia é um dos caminhos do cidadão empreendedor, que quer ver o país se tornar a grande nação que tem condições de ser. Que estejamos neste caminho...
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