sexta-feira, 23 de outubro de 2015

HUMANITAS Nº 41 – NOVEMBRO DE 2015 – PÁGINA 6

O “deus” que os homens criaram para dominar

Especial para o Humanitas

Thomas Henrique de Toledo Stella é professor e historiador pela FFLCH/USP. Mora em São Paulo/SP

Não gosto da palavra Deus por que ela é incapaz de expressar o que entendo por espiritual. Ao contrário, este substantivo carrega o peso de estar associado a um personagem ficcional, psicologicamente transtornado e que ao servir como exemplo à humanidade acaba por corrompê-la no que ela tem de mais natural. Pior, por ser supostamente único, este Deus abre caminho para que os maiores crimes sejam cometidos em seu nome por aqueles que dizem serem seus representantes.
Deus, no sentido que a humanidade lhe atribuiu na tradição judaico-cristã, seria um Ser revestido de personalidade que formulou um código de conduta (10 mandamentos) e que pune severamente aqueles que não o obedecem. Este Deus é ciumento porque seu primeiro mandamento exige que não se cultue outro Deus que não seja ele.
Também é impiedoso com aqueles que ousam contrariá-lo: destrói cidades, transforma pessoas em estátuas de sal e chega a obrigar um fiel a matar o próprio filho para provar que o ama. Exige que seus seguidores façam guerras para acabar com o culto a outros Deuses e que sejam cortadas cabeças de homens, mulheres ou crianças que adorem bezerros de ouro.
Esse Deus apresenta, portanto, traços de personalidade de uma pessoa carente, psicótica e fraca, o que o faz com que o tempo todo precise se auto-afirmar como todo poderoso. Apesar disso, seus criadores dizem que ele é um Deus de amor. Mas, além de seus mandamentos, ele ordenou que se criasse um conjunto de normas morais rígidas, chamado Levíticos e Deuteronômio, que proíbe coisas como comer frutos do mar, fazer a barba, trabalhar aos sábados e, pasmem: obriga seus fiéis a negar o desprezível desejo sexual e o prazer, pois são ações supostamente sujas e imorais.
Assim, todos que nascem de uma relação sexual são impuros e corrompidos por um tal pecado original. A única exceção é aquele que é descrito como o seu único filho que, diferente do resto da humanidade, nasceu por um milagre do Espírito Santo e não por algo tão pecaminoso e aberrante como o sexo. Este curioso personagem chamado Deus é solteiro e ao contrário de outros Deuses não possui uma Deusa como consorte.
Além disto, este super-herói machão relega às mulheres a uma condição de submissão, pede que seus profetas, santos e pregadores execrem a mulher como símbolo da tentação e da queda, pois foi por causa da mulher que o homem se corrompeu e comeu do fruto do conhecimento (melhor seria permanecer no paraíso da ignorância do que descobrir que estava nu, na vergonhosa e condenável condição de nudez).
Deus exige, portanto, que nenhum direito seja dado às mulheres e que caso cometam adultério sejam apedrejadas até a morte. A única mulher que Deus confere uma pequena importância sagrada é castrada de seu direito sexual e relegada eternamente à condição de virgem.
Deus é bom, dizem seus criadores. Mas um de seus anjos se rebelou contra a infinita bondade do pai e construiu um poderoso império chamado inferno, que fica num lugar quente e imundo.
Deste modo, o sentido da vida humana se resume a não cair em tentação para que depois da morte não seja condenado a permanecer eternamente abrasando neste temível antro, aonde ardem as almas das pessoas mais horrendas que habitaram o planeta.
Para se evitar isto, Deus pede que seus fiéis rezem para livrá-los de todo o mal, amém.
Como seria então o paraíso? Se o paraíso é a negação do que é condenável, não deve existir prazer porque o prazer é pecado.
Não deve existir sexo porque o sexo é sujo. Não deve existir mulher por que a mulher é impura. Não deve existir natureza porque a Terra é um lugar desprezível.
Também não deve existir alegria porque a alegria desvia o homem de seu objetivo principal: o trabalho, ao qual os humanos foram condenados após sua expulsão do paraíso.
Não por outro motivo que tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, está afirmado repetidamente o consentimento com a escravidão e a exploração do trabalho.
Mas para que serve o trabalho? Quem trabalha não tem tempo de pensar, estudar e refletir, até porque pensar leva a questionar dogmas e dogmas jamais podem ser questionados. Quem questiona ameaça a ordem social, política e religiosa dominante e assim desafia poderes estabelecidos.
Se esta pessoa exerce livremente sua sexualidade, ela é uma pessoa que conhece a si mesma e respeita seus desejos, ainda mais se faz isto sem sentimento de culpa por padrões externos de moralidade. Se ainda não tiver medo do inferno, instituição alguma será capaz de prender esta pessoa em sua teia de dominações.
Portanto, a estes não há nada que lhes reste que não seja a tortura das masmorras, seguida da fogueira do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.
E, assim, um personagem chamado Deus, Pai, Todo Poderoso, Onipotente, Onipresente e Onisciente, mostra-se não ser tão poderoso como ensinado nos catecismos, pois ele precisa que humanos matem humanos para provar que ele é único.
Por seu santo nome, todo o tipo de guerra, saque, massacre e destruição pode ser justificado, pois essa é a vontade suprema de Deus e se uma instituição o representa, esta é a sua missão divina.
E foi assim que o homem criou Deus à sua imagem e semelhança.
Eis o verdadeiro mistério da fé!

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