quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

HUMANITAS Nº 43 – JANEIRO DE 2016 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Em defesa da tolerância

O economista inglês John Stuart Mill disse em sua obra Sobre a Liberdade, que a humanidade terá muito a ganhar deixando que cada um viva como lhe parece bem, e não forçando cada um a viver como parece bem aos restantes.
Com isso ele quis dizer que o ser humano é beneficiado em seus vários espaços comuns quando permite o florescimento de vários estilos de vida e de ideias, pois estes representam experiências com as quais muito se poderá aprender sobre como lidar com a raça humana.
Na verdade, ninguém tem o direito de dizer a outro como viver ou como agir, desde que esse viver e esse agir não prejudiquem a terceiros.
Vale para todos os alienados fundamentalistas religiosos e fascistas que pretendem impor à sociedade um controle rígido sobre os pensamentos para salvar o homem de demônios inexistentes.
Nasce assim a pergunta: “o tolerante deve tolerar o intolerante?”. A resposta é: NUNCA! Para sermos tolerantes devemos proteger a tolerância de tal modo que todos possam expor um ponto de vista, mas sem forçar os demais a aceitá-lo.
O raciocínio honesto e a argumentação devem dar as caras na defesa da tolerância. Devem se tornar as principais leis a seu favor. Sim, porque a tolerância é uma virtude rara e importante. Já a intolerância é um fenômeno psicologicamente interessante porque é sintomático da insegurança e do medo. O medo gera a intolerância e a intolerância gera o medo: o ciclo é vicioso.
Neste início de ano devemos entrar na luta pela tolerância visto que os intolerantes estão nas ruas vestidos com as fardas do fascismo radical e do fundamentalismo evangélico, buscando fazer com que vivamos e atuemos de acordo com o modo de pensar deles.
Devemos levar em consideração a máxima de que é possível tolerar uma crença ou uma prática sem a aceitar, pois o mundo é suficientemente vasto para permitir a coexistência de várias alternativas.
O raciocínio imparcial de um espírito informado favorecerá o bem e a verdade. Toleramos melhor os outros quando sabemos como tolerar a nós mesmos; aprender a fazê-lo é o objetivo da vida civilizada.
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O enigma da descrença – Morton Hunt (*)

Por que descrentes são diferentes da grande maioria de seus semelhantes? Eles não são, entretanto, únicos, pois ao longo da história civilizada uma pequena minoria não necessitou de explicações sobrenaturais religiosas para seus próprios pensamentos ou para os mistérios, tragédias e glórias do dia-a-dia da vida.
Não me refiro somente aos ateus ferrenhos, mas àquela minoria maior que manteve ou mantém um conceito deístico de Deus ou que considera as leis inerentemente consistentes da natureza - que governam o comportamento de galáxias, genes e quarks - com a reverência e o respeito que outros conferem a um deus mais tradicional.
O melhor exemplo de tal pessoa de fato precede a ciência moderna. É Spinoza, para quem Deus era co-término com o Universo, nem exterior nem acima, mas idêntico a ele e a todas suas leis naturais.
Para ele, Deus não era nada mais nada menos que o corpus total dessas leis.
Talvez descrentes não rejeitem as necessidades e impulsos religiosos da raça humana ao adaptá-los em termos realísticos e humanísticos, trocando os contos de fada das religiões convencionais por contos mais intelectuais, proporcionados pela ciência moderna - leis naturais e evidências demonstráveis e reproduzíveis de relações de causa e efeito.
Talvez os descrentes satisfaçam a necessidade humana básica por ordem e integração social dentro da sub-sociedade da própria ciência e sua estrutura hierárquica. Talvez para os descrentes o humanismo científico ofereça respostas satisfatórias a todos os profundos e problemáticos mistérios que a religião propõe-se a responder, e os descrentes estão confortáveis com tais respostas. apesar de serem incompletas e apesar de que, independentemente de quanto nosso conhecimento cresça, permanecerão assim, com novas descobertas sempre levantando novas e mais complexas questões sobre a realidade.
Finalmente, talvez os descrentes divirjam da grande maioria de seres humanos de um outro modo; talvez sejam psicologicamente adultos, não necessitando da invisível figura de um pai, capazes de encarar a realidade da vida e morte humanas sem medo (ou ao menos de conviver com tal medo) e sensatos demais para acreditar em qualquer coisa sem comprovação, em qualquer explicação do mundo que seja impossível ou absurda.
Todavia, isso é somente uma conjetura; talvez eu esteja lisonjeando os descrentes sem motivo; talvez eles não sejam tão especiais e maravilhosos. Mas espero que sejam.

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(*) Morton Hunt - psicólogo e historiador norte-americano

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