domingo, 24 de janeiro de 2016

HUMANITAS Nº 44 – FEVEREIRO DE 2016 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Carnaval é a vida em festa

O mundo mágico do Carnaval renasce outra vez nas ruas e na maioria dos lares brasileiros neste começo de fevereiro. As fantasias saem dos guarda-roupas, bem como as camisetas coloridas, as máscaras, os adereços e as lantejoulas.
Os inimigos da festa podem reclamar à vontade. São livres para isso. As religiões cristãs fundamentalistas e outras podem dizer que essa é a festa do diabo e da orgia pagã, com mulheres despidas nas ruas e a liberação total do prazer.
Fiquem à vontade para reclamar, afinal de contas estamos em um país livre e cada um faz suas escolhas.
 O que interessa mesmo ao cidadão comum, aquele que trabalha o ano inteiro, é aproveitar os três dias de Momo, cair na folia, dançar, frevar, sambar, deixar a imaginação flutuar e ele, o cidadão, se transformar em um personagem qualquer de um reinado utópico.
Sonhemos, porque por mais ilusório que seja este sonho, por mais difícil que ele possa ser realizado, ajuda o ser humano a ganhar mais esperanças na vida e a continuar sua luta por um lugar ao sol.
Que os trabalhadores, as donas de casa, os jovens e as crianças saiam às ruas com sorrisos no rosto, desfilando com suas incríveis e divertidas fantasias.
Carnaval é a única festa do mundo que irmana e congraça as pessoas. É a única festa onde os sonhos se tornam realidade, mesmo que seja por alguns poucos dias.
No Recife, a população vai desfilar e dançar no Galo da Madrugada.
No Rio de Janeiro, as escolas de samba preparam seus coloridos para encher a vista dos foliões no Sambódromo.
Em Salvador, os trios elétricos e os afoxês explodem de alegria.
O Carnaval de clubes não existe mais, porém, as festas das ruas e o colorido das fantasias, os frevos, os sambas, os afoxês e os maracatus dão seus toques folclóricos como a dizer que a vida sem festa e sem música não é vida.
O ser humano comum precisa do Carnaval - essa fantástica máquina de fabricar sonhos - para que possa relaxar um pouco das agruras do cotidiano.
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Celebração da amizadeEduardo Galeano (*)

Juan Gelman me contou que uma senhora brigou a guarda-chuvadas, numa avenida de Paris, contra uma brigada inteira de funcionários municipais. Os funcionários estavam caçando pombos quando ela emergiu de um incrível Ford bigode, um carro de museu, daqueles que funcionavam a manivela; e brandindo seu guarda-chuva, lançou-se ao ataque.
Agitando os braços abriu caminho, e seu guarda-chuva justiceiro arrebentou as redes onde os pombos tinham sido aprisionados. Então, enquanto os pombos fugiam em alvoroço branco, a senhora avançou a guarda-chuvadas contra os funcionários.
Os funcionários só atinaram em se proteger, como puderam, com os braços, e balbuciavam protestos que ela não ouvia: mais respeito, minha senhora, faça-me o favor, estamos trabalhando, são ordens superiores, senhora, por que não vai bater no prefeito?; Senhora, que bicho picou a senhora?; esta mulher endoidou...
Quando a indignada senhora cansou o braço, e apoiou-se numa parede para tomar fôlego, os funcionários exigiram uma explicação.
Depois de um longo silencio, ela disse:
- Meu filho morreu!
Os funcionários disseram que lamentavam muito, mas que eles não tinham culpa. Também disseram que naquela manhã tinham muito o que fazer, a senhora compreende?...
- Meu filho morreu! - repetiu ela.
E os funcionários: sim, claro, mas que eles estavam ganhando a vida, que existem milhões de pombos soltos por Paris, que os pombos são a ruína desta cidade...
- Cretinos! - fulminou a senhora.
E longe dos funcionários, longe de tudo, disse:
- Meu filho morreu e se transformou em pombo!
Os funcionários calaram e ficaram pensando um tempão. Finalmente, apontando os pombos que andavam pelos céus e telhados e calçadas, propuseram:
- Senhora: por que não leva seu filho embora e deixa a gente trabalhar?
Ela ajeitou o chapéu preto:
- Ah! Não! De jeito nenhum!
Olhou através dos funcionários, como se fossem de vidro, e disse muito serena:
- Eu não sei qual dos pombos é meu filho. E se soubesse, também não ia levá-lo embora. Que direito tenho eu de separá-lo de seus amigos?
*****

 (*) O Livro dos Abraços; Galeano, Eduardo.

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