FUJAMOS DO DEUS DA MISÉRIA E DA SERVIDÃO
Sébastien Faure (1858-1942)
Ativista libertário e
anticlericalista francês
Artigo extraído de www.ateus.net
Há quantos séculos a religião traz a humanidade
curvada sob a crença, espojada na superstição, prostrada resignadamente!
Não chegará jamais o
dia em que, deixando de crer na justiça eterna, nas suas sentenças imaginárias,
nas suas recompensas problemáticas, os seres humanos comecem a trabalhar com um
ardor infatigável pelo vento de uma justiça imediata, positiva e fraternal
sobre a Terra?
Não soará jamais a
hora em que, desiludidos das consolações e das esperanças falazes que lhes
sugere a crença de um paraíso compensador, os seres humanos comecem a fazer do
nosso planeta o Éden de abundância, de paz e de liberdade, cujas portas estejam
fraternalmente abertas para todos?
Há muito tempo que o
contrato social é inspirado num deus sem justiça, como há muito tempo que ele
se inspira numa justiça sem deus.
Há muito tempo que as
relações entre os países e os indivíduos dimanam num deus sem filosofia, como
há muito tempo que elas dimanam uma filosofia sem deus.
Há muitos séculos que
monarcas, governos, castas, padres, condutores do povo e diretores de
consciências, tratam a humanidade como um vil rebanho de cordeiros, para, em
último lugar, serem esfolados, devorados e atirados ao matadouro.
Há séculos que os
deserdados suportam passivamente a miséria e a servidão, graças ao milagre
procedente do Céu e à visão horrorosa do inferno.
É preciso acabar com
este odioso sortilégio, com esta burla abominável.
Tu, que me lês, abre
os olhos, examina, observa, compreende.
O Céu de que te falam
sem cessar; o Céu com a ajuda do qual procuram insensibilizar a tua miséria,
anestesiar os teus sofrimentos e afogar os gemidos que, apesar de tudo, saem do
teu peito, é um Céu irracional, um Céu deserto.
Só o seu inferno é que
é povoado, que é positivo.
Basta de lamentos: os
lamentos são vãos! Basta de prosternações: as prosternações são estéreis! Basta
de preces: as preces são impotentes!
Levanta-te homem! E,
direito, altivo, declara guerra implacável a esse deus que há tanto tempo impõe
aos teus irmãos e a ti próprio uma veneração embrutecedora!
Desembaraça-te deste
tirano imaginário e sacode o jugo dos indivíduos que pretendem ser os
representantes dele na Terra!
Mas, lembra-te bem,
que, com este gesto de libertação, não terás cumprido senão uma das tarefas que
te incumbe.
Não te esqueças de que
de nada servirá quebrar as cadeias que os deuses imaginários, celestes e
eternos, têm forjado contra ti, se não quebrares igualmente as cadeias que,
contra ti, têm forjado os deuses passageiros da Terra.
Esses deuses giram em
torno de ti, procurando envilecer-te e degradar-te. Esses deuses são homens
como tu.
Ricos e governantes,
esses deuses da Terra tem-na povoado de inúmeras vítimas, de tormentos
inexplicáveis.
Possam, enfim, um dia,
os condenados da Terra insurgirem-se contra os seus verdugos, para fundarem uma
cidade na qual não possa haver desses monstros.
Quando te tiveres
emancipado dos deuses do Céu e da Terra, quando te tiveres desembaraçado dos
chefes de cima e dos chefes de baixo, quando tiveres levado à prática este
duplo gesto de libertação, então, mas então somente, ó meu irmão, sairás do
Inferno em que te encontras para entrar no Céu que tu realizarás!
Deixarás as trevas da
tua ignorância, para abraçar as puras claridades da tua inteligência.
Desperta, já, das
influências letárgicas das religiões!
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