quinta-feira, 21 de abril de 2016

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA SEIS

A necessidade da morte
Arthur Schopenhauer
Especial para o Humanitas

Nascimento e morte são condições da vida. Ambos se equilibram, formando os dois polos, as duas extremidades da existência, e ao seu redor giram todas as suas manifestações.
Um símbolo da mitologia hindu, a mais sábia de todas, dá como atributo a Siva, o Deus da morte e da destruição, um colar de caveiras e o “lingam”, órgão e símbolo da geração, pois o amor é a compensação da morte, e um ao outro se neutralizam.
Para tornar mais evidente o contraste da morte do homem com a vida imortal da natureza, os gregos e os romanos adornavam os seus sarcófagos com baixos relevos figurando danças, caças, lutas entre animais, bacanais e, numa palavra, todos os espetáculos de uma vida mais forte, mais agradável e alegre, e até mesmo sátiros unidos a cabras.
A morte é uma necessidade. A individualidade do homem tem tão pouco valor que nada perde com a morte; há alguma importância nos característicos gerais da humanidade, que são indestrutíveis. 
Se concedessem ao homem uma vida eterna, sentiria tanta repugnância por ela que acabaria desejando a morte, farto da imutabilidade de seu caráter e de seu ilimitado entendimento. 
Se exigíssemos a imortalidade perpetuaríamos um erro porque a individualidade não deveria existir, e o verdadeiro fim da vida é livrar-nos dela.
Se não houvesse penas e trabalhos, acabaria o homem por enfastiar-se, e voltaria a sofrer as dores do mundo em tudo o que se encontrasse ao seu alcance.
Num mundo melhor o homem não se sentiria feliz, o essencial seria fazer com que ele seja o que não é, isto é, transformá-lo completamente.
A morte realiza a principal condição; deixar de ser o que é; tendo isto em conta, concebe-se-lhe a necessidade moral. Ser colocado noutro mundo, e mudar inteiramente de ser, é no fundo uma só e mesma coisa.
Seria conveniente que a morte, que destruiu uma consciência individual, a reanimasse de novo dando-lhe uma vida eterna? Qual o conteúdo, quase invariável desta consciência? Uma torrente de ideias e preocupações mesquinhas, acanhadas, terrenas. Melhor seria deixá-la repousar eternamente.
Contemplando a expressão de suave serenidade refletida no rosto da maioria dos mortos, parece que o fim de toda a atividade da vida seja um consolo para a força que a mantém.
A vida e a morte, o nascer e o morrer, são o maior jogo de dados que conhecemos; ansiosos, interessados, agitados assistimos a cada partida, porque a nossos olhos tudo se resume nisso.
A natureza, pelo contrário, que é sempre sincera e nunca mente, contempla a partida com ar indiferente, não se preocupa com a morte ou a vida do indivíduo, entregando a vida do animal e também a do homem a todos os acasos, não fazendo o mínimo esforço para os salvar.
A natureza mostra que lhe é indiferente a destruição de seus seres, não podendo ser por eles prejudicada, e que em casos semelhantes tão indiferente é o efeito como a causa.
Por isso abandona sem defesa esses organismos, obras de uma arte eterna, à vontade do mais forte, aos caprichos da sorte.
A natureza, mãe soberana e universal de todo o criado, sabe que quando seus filhos sucumbem, voltam ao seu seio, onde os conserva ocultos, expondo-os a mil perigos sem temor algum; a sua morte é para ela um divertimento, um jogo.
A natureza é indiferente no que se relaciona ao homem ou ao animal; não se deixa impressionar conosco durante a vida ou na morte.
Tampouco devíamos nos comover porque fazemos parte dela.
Se considerarmos a vida objetivamente, é duvidoso que ela seja preferível ao nada. Atrever-me-ia até a dizer que se a reflexão e a experiência pudessem fazer um acordo, elevariam a voz em favor do nada.
Se batêssemos nas pedras dos sepulcros e perguntássemos aos mortos se querem ressuscitar, moveriam negativamente a cabeça. É esta a opinião de Sócrates na Apologia de Platão
 O alegre e feliz Voltaire dizia: “Amamos a vida, porém o nada não deixa de ter o seu lado bom”. Em outra parte salientava: “Ignoro o que seja a vida eterna, mas esta é um pesado gracejo”.

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