Da verdade absoluta à insignificância
histórica
Especial para o Humanitas
Texto extraído de www.thomasdetoledo.blogspot.com.br
Thomas Henrique de Toledo Stella é professor
e Historiador pela FFLCH/USP. Mora em São Paulo/SP
Toda realidade é histórica, seja
ela material, moral ou espiritual:
O cristianismo tem pouco mais de um milênio
e meio. Jesus não era cristão, era judeu, e a religião que o reivindica foi
criada alguns séculos depois dele.
Por fatores políticos e de guerra, o
cristianismo chegou à dimensão que tem hoje.
Talvez se o Imperador romano Constantino
não tivesse se convertido ao cristianismo, a Basílica de Aparecida fosse feita
em louvor à deusa Diana ou à deusa Vênus.
Talvez se os espanhóis não tivessem
derrotado os mouros na Península Ibérica, hoje o Brasil poderia ser um país
islâmico e poucos teriam coragem de beber uma cerveja estupidamente gelada sob a égide da xaria.
Valores morais como a noção de família
nuclear patriarcal monogâmica são puramente históricos.
Existiram e existem famílias poligâmicas
(homens com várias mulheres), poliândricas (mulheres com vários homens),
coletivas (todos se relacionam com todos e os filhos são de toda a tribo),
dentre tantas outras.
Para os gregos antigos, homossexualidade
masculina e feminina era o padrão social.
Para alguns
indianos atuais, as filhas devem se casar antes dos dez anos. Para os esquimós,
bons costumes recomendam oferecer a esposa para passar uma noite com os
visitantes. Pederastia? Pedofilia? Promiscuidade? Não... apenas valores
geográficos e históricos.
O capitalismo não
tem mais do que três séculos. Antes dele houve outros sistemas econômicos e
depois dele seguirão havendo novos.
Como qualquer
outro, possui suas contradições e por isto, crer em sua eternidade não condiz
com a experiência histórica.
Até mesmo porque como no escravismo e no
feudalismo, o capitalismo foi incapaz de dar a liberdade e a igualdade
prometida sob as guilhotinas da Revolução Francesa.
O capitalismo
possui produção social e ao mesmo tempo uma acumulação privada, resultando numa
insolúvel contradição original: muitos trabalham e poucos ficam ricos à custa
da exploração dos primeiros.
Portanto, muito
do que se defende como verdades absolutas não passa de valores históricos
datados e circunscritos temporal e espacialmente.
Verdades tão
passageiras quanto a existência de um pequeno planeta com alguns bilhões de
anos em um universo com alguns trilhões de anos.
Um planeta no
qual séculos ou milênios são insignificantes, e no qual uma vida humana longeva
de 7 ou 8 décadas é tão curta quanto a de um cogumelo que nasce na aurora e
antes do meio-dia já se pulverizou para no dia seguinte dar a vida a novos
cogumelos.
Por tudo isso, a arrogância humana não
passa de outra insignificância histórica perante a imensidão do cosmos.
Grande não são seres humanos iluminados que
criaram religiões, dogmas e doutrinas, ou magníficos pensadores, filósofos ou
pesquisadores que descobriram alguma lei científica.
Grande é o Sol, de onde toda a vida se
origina e para onde toda vida retorna. Porém, mesmo o Sol é insignificante
perante o eterno ciclo de expansão e contração do universo.
Um ciclo de nascimento, vida, morte e
renascimento que se reproduz no macro e no microcosmo, e no qual tudo está
inserido. Tanto em cima quanto embaixo.
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