quinta-feira, 21 de abril de 2016

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA SETE

Da verdade absoluta à insignificância histórica

Especial para o Humanitas
Texto extraído de  www.thomasdetoledo.blogspot.com.br
Thomas Henrique de Toledo Stella é professor e  Historiador pela FFLCH/USP. Mora em  São Paulo/SP

Toda realidade é histórica, seja ela material, moral ou espiritual:
O cristianismo tem pouco mais de um milênio e meio. Jesus não era cristão, era judeu, e a religião que o reivindica foi criada alguns séculos depois dele.
Por fatores políticos e de guerra, o cristianismo chegou à dimensão que tem hoje.
Talvez se o Imperador romano Constantino não tivesse se convertido ao cristianismo, a Basílica de Aparecida fosse feita em louvor à deusa Diana ou à deusa Vênus.
Talvez se os espanhóis não tivessem derrotado os mouros na Península Ibérica, hoje o Brasil poderia ser um país islâmico e poucos teriam coragem de beber uma cerveja estupidamente gelada sob a égide da xaria.
Valores morais como a noção de família nuclear patriarcal monogâmica são puramente históricos.
Existiram e existem famílias poligâmicas (homens com várias mulheres), poliândricas (mulheres com vários homens), coletivas (todos se relacionam com todos e os filhos são de toda a tribo), dentre tantas outras.
Para os gregos antigos, homossexualidade masculina e feminina era o padrão social.
Para alguns indianos atuais, as filhas devem se casar antes dos dez anos. Para os esquimós, bons costumes recomendam oferecer a esposa para passar uma noite com os visitantes. Pederastia? Pedofilia? Promiscuidade? Não... apenas valores geográficos e históricos.
O capitalismo não tem mais do que três séculos. Antes dele houve outros sistemas econômicos e depois dele seguirão havendo novos.
Como qualquer outro, possui suas contradições e por isto, crer em sua eternidade não condiz com a experiência histórica.
 Até mesmo porque como no escravismo e no feudalismo, o capitalismo foi incapaz de dar a liberdade e a igualdade prometida sob as guilhotinas da Revolução Francesa.
O capitalismo possui produção social e ao mesmo tempo uma acumulação privada, resultando numa insolúvel contradição original: muitos trabalham e poucos ficam ricos à custa da exploração dos primeiros.
Portanto, muito do que se defende como verdades absolutas não passa de valores históricos datados e circunscritos temporal e espacialmente.
Verdades tão passageiras quanto a existência de um pequeno planeta com alguns bilhões de anos em um universo com alguns trilhões de anos.
Um planeta no qual séculos ou milênios são insignificantes, e no qual uma vida humana longeva de 7 ou 8 décadas é tão curta quanto a de um cogumelo que nasce na aurora e antes do meio-dia já se pulverizou para no dia seguinte dar a vida a novos cogumelos.
Por tudo isso, a arrogância humana não passa de outra insignificância histórica perante a imensidão do cosmos.
Grande não são seres humanos iluminados que criaram religiões, dogmas e doutrinas, ou magníficos pensadores, filósofos ou pesquisadores que descobriram alguma lei científica.
Grande é o Sol, de onde toda a vida se origina e para onde toda vida retorna. Porém, mesmo o Sol é insignificante perante o eterno ciclo de expansão e contração do universo.
Um ciclo de nascimento, vida, morte e renascimento que se reproduz no macro e no microcosmo, e no qual tudo está inserido. Tanto em cima quanto embaixo.

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