CULTURA DO ESTUPRO CONDENA AS MULHERES AO MEDO
Camila Moraes – Jornalista/SP
Extraído de http://brasil.elpais.com/
A garota carioca cujas imagens de agressão
sexual foram compartilhadas na Internet no fim do mês de maio de 2016 recebeu
solidariedade nas redes sociais, mas não só isso. Perfis falsos dela foram criados com postagens a realçar
seu suposto “mal comportamento” como
circunstâncias e atenuantes que tornam quase “inevitável” o
desfecho trágico.
Enquanto as
investigações do que ocorreu estão em curso, especialistas alertam que a
prática não é isolada. Faz parte da cultura do estupro que faz com que as
mulheres agredidas se sintam culpadas e deixem de denunciar os crimes, o que
contribui para que os responsáveis por atos violentos permaneçam impunes.
O problema não
é trivial porque, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um
dos fatores para a alta a taxa de subnotificação do estupro. A entidade estima
que apenas 30% a 35% dos casos são registrados. Contabilizando só os episódios
denunciados, o crime acontece a cada 11 minutos no Brasil.
O Fórum
realizou, no ano passado, em parceria com o Datafolha,
pesquisa em que 90% das mulheres e 42% dos homens diziam temer uma agressão
sexual. No Rio de Janeiro – que agora investiga o caso da jovem de 16 anos
graças ao fato dele ter sido compartilhado em redes sociais – cerca de 4 mil
casos aconteceram no último ano, e quase a metade deles foi com meninas menores
de 13 anos, segundo um estudo da secretaria de segurança do Estado, o Dossiê
Mulher.
Em 2009, a lei 12.015 do Código
Penal Brasileiro foi alterada e passou a considerar, além da conjunção carnal,
atos libidinosos como crime de estupro.
Circunscrever
um crime de estupro é um processo frequentemente degradante para a mulher.
Em 2015, a Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou um
projeto de lei que dificulta o acesso ao atendimento médico de vítimas de
estupro.
O PL 5069 de
2013, exige que, para serem atendidas, as vítimas de estupro terão que passar
primeiro por uma delegacia.
Depois, deverão
fazer um exame de corpo de delito para, só então, seguirem para o hospital, com
os devidos documentos que comprovem que elas, de fato, foram estupradas.
Para ser
válido, o projeto ainda precisa ser votado no Plenário da Câmara.
Contra essa
realidade, as mulheres brasileiras saíram as ruas no ano passado, em diversos
protestos pelo país que “disseram basta” e ficaram conhecidos como a Primavera
Feminista.
O termo cultura
do estupro deriva de “rap culture” e
que foi cunhado por feministas nos EUA na década de 1970.
Dela faz parte
a culpabilização por parte da sociedade das vítimas – mulheres que “fazem por merecer”
os ataques que sofrem usando roupas curtas e decotadas, andando em “más companhias” e
consumindo bebidas em festas que “não deveriam frequentar se fossem moças de família”.
Ao jornal “O Globo”, a defensora pública Arlanza Rebello lembrou,
citando Jair Bolsonaro (PSC) que até os políticos brasileiros reproduzem o
discurso de que muitas mulheres pediram para serem estupradas: “É um contexto muito sério de
conservadorismo e banalização”.
O presidente da
Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil no Rio de Janeiro,
afirmou ao jornal que “meninos acabam
cometendo o crime por saberem que outros o praticaram impunemente, por uma
questão de autoafirmação’.
E a socióloga
Andréia Soares Pinto, coordenadora do Dossiê Mulher, fez um apelo à sociedade
durante a entrevista que concedeu ao canal Globonews:
“É preciso encorajar as mulheres a
reduzir a subnotificação dos casos de estupro. Esses números nos ajudam a fazer
pressão e nos permitem argumentar em prol de políticas públicas para combater o
problema”.
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