sexta-feira, 24 de junho de 2016

HUMANITAS Nº 49 – JULHO DE 2016 – PÁGINA SETE

CULTURA DO ESTUPRO CONDENA AS MULHERES AO MEDO

Camila Moraes – Jornalista/SP


A garota carioca cujas imagens de agressão sexual foram compartilhadas na Internet no fim do mês de maio de 2016 recebeu solidariedade nas redes sociais, mas não só isso. Perfis falsos dela foram criados com postagens a realçar seu suposto mal comportamento” como circunstâncias e atenuantes que tornam quase inevitável” o desfecho trágico.
Enquanto as investigações do que ocorreu estão em curso, especialistas alertam que a prática não é isolada. Faz parte da cultura do estupro que faz com que as mulheres agredidas se sintam culpadas e deixem de denunciar os crimes, o que contribui para que os responsáveis por atos violentos permaneçam impunes.
O problema não é trivial porque, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um dos fatores para a alta a taxa de subnotificação do estupro. A entidade estima que apenas 30% a 35% dos casos são registrados. Contabilizando só os episódios denunciados, o crime acontece a cada 11 minutos no Brasil.
O Fórum realizou, no ano passado, em parceria com o Datafolha, pesquisa em que 90% das mulheres e 42% dos homens diziam temer uma agressão sexual. No Rio de Janeiro – que agora investiga o caso da jovem de 16 anos graças ao fato dele ter sido compartilhado em redes sociais – cerca de 4 mil casos aconteceram no último ano, e quase a metade deles foi com meninas menores de 13 anos, segundo um estudo da secretaria de segurança do Estado, o Dossiê Mulher.
Em 2009, a lei 12.015 do Código Penal Brasileiro foi alterada e passou a considerar, além da conjunção carnal, atos libidinosos como crime de estupro.
Circunscrever um crime de estupro é um processo frequentemente degradante para a mulher.
Em 2015, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que dificulta o acesso ao atendimento médico de vítimas de estupro.
O PL 5069 de 2013, exige que, para serem atendidas, as vítimas de estupro terão que passar primeiro por uma delegacia.
Depois, deverão fazer um exame de corpo de delito para, só então, seguirem para o hospital, com os devidos documentos que comprovem que elas, de fato, foram estupradas.
Para ser válido, o projeto ainda precisa ser votado no Plenário da Câmara.
Contra essa realidade, as mulheres brasileiras saíram as ruas no ano passado, em diversos protestos pelo país que “disseram basta” e ficaram conhecidos como a Primavera Feminista.
O termo cultura do estupro deriva de “rap culture” e que foi cunhado por feministas nos EUA na década de 1970.
Dela faz parte a culpabilização por parte da sociedade das vítimas – mulheres que fazem por merecer”  os ataques que sofrem usando roupas curtas e decotadas, andando em más companhias” e consumindo bebidas em festas que não deveriam frequentar  se fossem moças de família”.
Ao jornal “O Globo”, a defensora pública Arlanza Rebello lembrou, citando Jair Bolsonaro (PSC) que até os políticos brasileiros reproduzem o discurso de que muitas mulheres pediram para serem estupradas: É um contexto muito sério de conservadorismo e banalização”.
O presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil no Rio de Janeiro, afirmou ao jornal que meninos acabam cometendo o crime por saberem que outros o praticaram impunemente, por uma questão de autoafirmação’.
E a socióloga Andréia Soares Pinto, coordenadora do Dossiê Mulher, fez um apelo à sociedade durante a entrevista que concedeu ao canal Globonews:
“É preciso encorajar as mulheres a reduzir a subnotificação dos casos de estupro. Esses números nos ajudam a fazer pressão e nos permitem argumentar em prol de políticas públicas para combater o problema”.

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