sexta-feira, 24 de junho de 2016

HUMANITAS Nº 49 – JULHO DE 2016 – PÁGINA DOIS

EDITORIAL
EROTISMO E POLIAMOR

Neste mês de julho, resolvemos pousar os olhos sobre temas um tanto polêmicos na sociedade de ontem e de hoje: o “erotismo” e as “uniões poliafetivas”.
No tocante ao erotismo, esse tema é inquietante desde o Século XVIII, mas as mudanças de rumo socioculturais ocorridas do fim do Século XX até o início deste Século XXI trouxeram novos rumos.
Estamos, na verdade, a viver uma época ávida por sexo. E muitas vezes ficamos desconcertados quando tomamos conhecimento sobre como o sexo era marginalizado de maneira hipócrita em épocas passadas.
O erótico, na verdade, ocupa um espaço muito importante em todas as sociedades, sendo um componente fundamental da vida e do prazer da vida.
Se os hipócritas não têm lugar no cérebro para aceitar o erótico, então não são pessoas normais.
As pessoas normais não desaprovam o erotismo, muito pelo contrário, utilizam e são utilizadas eroticamente em suas vidas comuns.
No outro lado da moeda, temos a união decorrente de dois homens e uma mulher, duas mulheres e um homem, ou seja, a união poliafetiva, também conhecida como relação múltipla, conjunta ou “poliamor”.
São muitas as divergências sobre esse tema polêmico, ainda que já tenham sido feitas lavraturas em cartório legalizando esse tipo de união.
Uma pergunta não quer calar: pode mesmo o Estado impedir que pessoas convivam em união familiar e adquiram direitos decorrentes dessa convivência, só por desejarem formar uma família diferente da tradicional?
Tanto para o erotismo e para a união poliafetiva existem fortes barreiras a serem vencidas.
Sabemos, isso sim, que a energia sexual é a força mais poderosa que o ser humano possui e responsável por toda a vida existente no planeta.
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Ato de fé – Simone de Beauvoir (*)

Desejei ardentemente ser a garota que comunga na missa da manhã e tem uma certeza serena... No entanto, não quero acreditar: “um ato de fé é o ato mais desesperado que existe”.
Quero que meu desespero pelo menos conserve sua lucidez. Não quero mentir para mim mesma.
Era-me mais fácil imaginar um mundo sem criador do que um criador carregado com todas as contradições do mundo.
Para que minha vida me bastasse, precisava dar seu lugar à literatura. Em minha adolescência e minha primeira juventude, minha vocação fora sincera, mas vazia; limitava-me a declarar: “Quero ser uma escritora”.
Tratava-se agora de encontrar o que desejava escrever e ver em que medida o poderia fazer: tratava-se de escrever.
Isso me tomou tempo. Eu jurara a mim mesma, outrora, terminar com vinte e dois anos a grande obra em que diria tudo; e tinha já trinta anos quando iniciei o meu primeiro romance publicado: A Convidada”.
Na minha família e entre minhas amigas de infância, murmurava-se que eu daria em nada. Meu pai agastava-se: Se tem alguma coisa dentro de si, que o ponha para fora”..
Eu não me impacientava.
Tirar do nada e de si mesma um primeiro livro que, custe o que custar, fique em pé, era empresa, bem o sabia, exigente de numerosíssimas experiências, erros, trabalho e tempo, a não ser em virtude de um conjunto excepcional de circunstâncias favoráveis.
Escrever é um ofício, dizia-me, que se aprende escrevendo. Assim mesmo, dez anos é muito e durante esse período rabisquei muito papel. Não creio que minha inexperiência baste para explicar um malogro tão perseverante.
Não era muito mais esperta quando iniciei A Convidada”. Cumpre admitir que encontrei então um assunto” quando antes nada tinha a dizer? Mas há sempre o mundo em derredor. O que significa esse nada? Em que circunstâncias, por que, como as coisas se revelam como devendo serem ditas?
A literatura aparece quando alguma coisa na vida se desregra. Para escrever - bem o mostrou Blanchot no paradoxo de Aytré - a primeira condição está em que a realidade deixe de ser natural; somente então a gente é capaz de vê-la e de mostrá-la.
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(*) Simone de Beauvoir – filósofa existencialista, escritora e ativista política francesa. (1908-1986)

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