EDITORIAL
Crendices,
invenções e necessidades
A humanidade inventou as
crendices como recurso para se aliviar da ânsia por respostas aos mistérios da
vida.
O interessante é que cada grupo de seres
humanos compreende esses mistérios de acordo com as culturas de suas regiões.
Porque esses grupos humanos habitaram
espaços geográficos diferentes, desenvolvendo sistemas de crenças
diferentes.
Explica-se assim o motivo pelo qual temos
hoje as mais estranhas e diversas crendices espalhadas pelo mundo.
Desde a origem da humanidade, até os dias
atuais, muitas crenças desapareceram, assim como muitas outras superstições,
rituais e costumes.
Hoje é impossível classificar as
crenças. Todas as já praticadas partiram do princípio de diferentes sistemas
culturais.
As culturas que apareceram na história da
humanidade apresentam, desde seus primórdios, fortes vínculos com figuras
simbólicas representadas por deuses, astros, homens, animais que servissem
como representação concreta à imaginação.
Nos povoados pré-históricos, seus
habitantes, crendo na existência de fenômenos sobrenaturais, sentiam-se
ameaçados por essas forças e passaram a desenvolver práticas e rituais,
acreditando na possibilidade de contato entre o mundo dos homens e o mundo
sobrenatural.
Usando tais mecanismos acreditavam que estariam
par a par com esse mundo e deixariam de correr o risco de serem punidos por
explorar a natureza e viver de maneira errônea. Portanto, desenvolveram
símbolos, significados e valores místicos institucionalizando, a partir
disso, sistemas de crenças e rituais.
No processo evolutivo desses sistemas para
adoração do sobrenatural, ou melhor, dos deuses da natureza, os homens
primitivos institucionalizaram o que conhecemos hoje como religião.
Tudo envolvia a incerteza quanto ao que
aconteceria em vida, inclusive o que é mais inerente à espécie humana: o medo de morrer.
Dessa forma, as crenças conseguem acalmar
o ego humano de forma que ele possa se esquivar da dor do existir.
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Convicção
- Friedrich Nietzsche
Convicção é a crença de estar, em algum
ponto do conhecimento, de posse da verdade absoluta.
Esta crença pressupõe, então, que existam
verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos perfeitos
para alcançá-las. Por fim, que todo aquele que tem convicções se utilize desses
métodos perfeitos.
Todas as três asserções demonstram de
imediato que o homem das convicções não é o do pensamento científico. Ele se
encontra na idade da inocência teórica e é uma criança, por mais adulto que
seja em outros aspectos.
Milênios inteiros, no entanto, viveram com
essas pressuposições pueris, e delas brotaram as mais poderosas fontes de
energia da humanidade.
Os homens inumeráveis que se sacrificaram
por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade absoluta. Nisso estavam
todos errados: provavelmente nenhum homem se sacrificou jamais pela verdade; ao
menos a expressão dogmática de sua crença terá sido não científica ou
semicientífica.
Mas realmente queriam ter razão, porque
achavam que deviam ter razão.
Permitir que lhes fosse arrancada a sua
crença talvez significasse pôr em dúvida a sua própria beatitude eterna.
A pressuposição de todo crente de qualquer
tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos
se mostrassem muito fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar
a razão e até mesmo levantar o credo
quia absurdum est (creio
porque é absurdo) como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de
opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões,
ou seja, das convicções.
Se todos aqueles que tiveram em conta a
sua convicção, que lhe fizeram sacrifícios de todo não pouparam honra, corpo e
vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar
com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham
a ela chegado: como se mostraria pacífica a história da humanidade! Quanto mais
conhecimento não haveria!
Todas as cruéis cenas, na perseguição aos
hereges de toda espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro,
porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si mesmos
superando a pretensão de defender a verdade absoluta. Porque os próprios
hereges não teriam demonstrado maior interesse por teses tão mal fundamentadas
como as dos sectários e ortodoxos
religiosos, após tê-las examinado.
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