sexta-feira, 26 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Crendices, invenções e necessidades

A humanidade inventou as crendices como recurso para se aliviar da ânsia por respostas aos mistérios da vida.
O interessante é que cada grupo de seres humanos compreende esses mistérios de acordo com as culturas de suas regiões.
Porque esses grupos humanos habitaram espaços geográficos diferentes, desenvolvendo sistemas de crenças diferentes.
Explica-se assim o motivo pelo qual temos hoje as mais estranhas e diversas crendices espalhadas pelo mundo.
Desde a origem da humanidade, até os dias atuais, muitas crenças desapareceram, assim como muitas outras superstições, rituais e costumes.
Hoje é impossível classificar as crenças. Todas as já praticadas partiram do princípio de diferentes sistemas culturais.
As culturas que apareceram na história da humanidade apresentam, desde seus primórdios, fortes vínculos com figuras simbólicas representadas por deuses, astros, homens, animais que servissem como representação concreta à imaginação.
Nos povoados pré-históricos, seus habitantes, crendo na existência de fenômenos sobrenaturais, sentiam-se ameaçados por essas forças e passaram a desenvolver práticas e rituais, acreditando na possibilidade de contato entre o mundo dos homens e o mundo sobrenatural.
Usando tais mecanismos acreditavam que estariam par a par com esse mundo e deixariam de correr o risco de serem punidos por explorar a natureza e viver de maneira errônea. Portanto, desenvolveram símbolos, significados e valores místicos institucionalizando, a partir disso, sistemas de crenças e rituais.
No processo evolutivo desses sistemas para adoração do sobrenatural, ou melhor, dos deuses da natureza, os homens primitivos institucionalizaram o que conhecemos hoje como religião.
Tudo envolvia a incerteza quanto ao que aconteceria em vida, inclusive o que é mais inerente à espécie humana: o medo de morrer.
Dessa forma, as crenças conseguem acalmar o ego humano de forma que ele possa se esquivar da dor do existir.
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Convicção - Friedrich Nietzsche

Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, de posse da verdade absoluta.
Esta crença pressupõe, então, que existam verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos perfeitos para alcançá-las. Por fim, que todo aquele que tem convicções se utilize desses métodos perfeitos.
Todas as três asserções demonstram de imediato que o homem das convicções não é o do pensamento científico. Ele se encontra na idade da inocência teórica e é uma criança, por mais adulto que seja em outros aspectos.
Milênios inteiros, no entanto, viveram com essas pressuposições pueris, e delas brotaram as mais poderosas fontes de energia da humanidade.
Os homens inumeráveis que se sacrificaram por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade absoluta. Nisso estavam todos errados: provavelmente nenhum homem se sacrificou jamais pela verdade; ao menos a expressão dogmática de sua crença terá sido não científica ou semicientífica.
Mas realmente queriam ter razão, porque achavam que deviam ter razão.
Permitir que lhes fosse arrancada a sua crença talvez significasse pôr em dúvida a sua própria beatitude eterna.
A pressuposição de todo crente de qualquer tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos se mostrassem muito fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar a razão e até mesmo levantar o credo quia absurdum est (creio porque é absurdo) como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções.
Se todos aqueles que tiveram em conta a sua convicção, que lhe fizeram sacrifícios de todo não pouparam honra, corpo e vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham a ela chegado: como se mostraria pacífica a história da humanidade! Quanto mais conhecimento não haveria!
  Todas as cruéis cenas, na perseguição aos hereges de toda espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro, porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si mesmos superando a pretensão de defender a verdade absoluta. Porque os próprios hereges não teriam demonstrado maior interesse por teses tão mal fundamentadas como as dos sectários e ortodoxos religiosos, após tê-las examinado. 

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