Independência e vida
Especial para o Humanitas
Ana Maria Leandro - uma das principais
colaboradoras do Humanitas - é
escritora e jornalista. Atua
em Belo Horizonte/MG
Conta a
história, que em 7 de setembro de 1822, um rei enfurecido com abusos
(interessante, reis ficam mais enfurecidos com abusos que outros lideres) tirou da
cinta a espada e gritou: Independência ou Morte. Ocorre que
independência não se faz num grito, nem se troca pela morte.
A morte é o
fim e é preciso buscar a independência em vida.
E mais,
independência não se obtém como um troféu que se guarda para mostrar.
Não!
Independência é conquista diária e uma conquista de quase dois séculos atrás,
não é troféu de hoje, a não ser que tivesse mostras de que a estamos gozando
plenamente.
Este nosso
Brasil, exibe hoje um ufanismo contrário à sua realidade atual, por um evento
ocorrido há séculos.
Competência
exibicionista é o que não nos falta. Temos fama mundial dos melhores artistas e
compositores, que conseguem fazer até da nossa miséria hinos de louvores.
Até os
nossos defeitos são cantados em versos e provas. Dizem que este é um dos dons
brasileiros.
Escuto, por
exemplo, na impecável música de Ary Barroso o verso meu mulato
inzoneiro / vou cantar-te nos meus versos...
Não sei por
que, me dói (me incomoda sentir que há uma ponta de orgulho numa metáfora
de que sabemos levar a melhor na manha)? Pois inzoneiro no
dicionário da Língua Portuguesa significa: afetado, enredador, intrigante,
mexeriqueiro e sonso.
Este sonso foi ótimo,
mas ao pé da letra parece um assumir de que somos espertinhos sonsos. Sei não;
creio que temos levado a pior nesta sonseira.
Entretanto,
a capacidade artística talvez tenha sido a forma de nos ajustarmos à nossa
carência humana. Não há como negar, a música é linda, o autor acertou no alvo
na sua análise da expressão caricatural de nossa gente e de forma amorosa.
Coisa mesmo de grande poeta.
Então
falávamos de independência. A liberdade de expressar a criatividade em nossos
artistas é inegável, um viés de independência, embora tenham tentado podar isto
na ditadura. Mas poesia e criatividade são iguais a uma planta, não adianta
podá-la que volta mais forte.
Bem que
podíamos usar tanta criatividade no que mais precisamos: equilíbrio social.
Pois, sinceramente, acho que nossos abismos sociais não são nada comemoráveis.
Talvez daí
temos que usar de extrema tecnologia e criatividade, para mostramos aos
estrangeiros como somos felizes, na nossa miséria. Por que não realizamos
uma Olimpíada da Educação? Sei que existem arremedos, como a Olimpíada da Matemática.
Mas
convenhamos, não com o espetáculo da abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro.
A gente
podia imitar a ideia e promover o desfile de alunos e professores, que
receberiam honra ao mérito por seus resultados brilhantes. Isto com todo o
aparato cênico de 5 de Agosto passado. Aí me dirão: não daria
Ibope, e além do mais, Esporte é Educação. É
verdade, mas não pode ser apenas esta seção da Educação que dê Ibope, se
queremos ser independentes.
Pelo menos
nós, simples brasileiros, queremos. Porque para uns outros das elites
pouco importa. Se o Brasil não é independente e tem economia pobre, resolvem o
assunto mandando o meu e o seu dinheiro, para um país de primeiro mundo
independente e sólido.
A Justiça
diz que não pode, mas ele dá uma de sonso e diz que
não tem dinheiro no estrangeiro e sim truste. Além do
mais, uma Olimpíada de todas as escolas (públicas e privadas), acho que não
daria mesmo certo.
Existem
escolas públicas em que os alunos não recebem merenda, pois essas foram
roubadas pelos líderes políticos da região. Com fome, o teto da escola caindo,
assentados em caixotes, porque as cadeiras foram roubadas, ou quebradas, obter
méritos de resultados como?!
Corre-se
ainda o risco da professorinha não conseguir chegar até a casinha feita escola pois, claro, não tem carro, não
conseguiu carona de caminhoneiro, salário não dá para pagar ônibus, e com chuva
a estrada esburacada dificulta a travessia.
Quem achar
que estou exagerando, vá conhecer os grotões das áreas longínquas das capitais
e verá isto de perto.
Apesar de
tudo vou comemorar o fato histórico do Grito da Independência.
Faça-me o
favor, posso ser um pouco sonsa,
mas nem tanto! Gostaria de pelo menos ouvir algum eco...
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