sábado, 27 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 5

Independência e vida
Especial para o Humanitas

Ana Maria Leandro - uma das principais colaboradoras do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua
em Belo Horizonte/MG

Conta a história, que em 7 de setembro de 1822, um rei enfurecido com abusos (interessante, reis ficam mais enfurecidos com abusos que outros lideres) tirou da cinta a espada e gritou: Independência ou Morte. Ocorre que independência não se faz num grito, nem se troca pela morte.
A morte é o fim e é preciso buscar a independência em vida.
E mais, independência não se obtém como um troféu que se guarda para mostrar.
Não! Independência é conquista diária e uma conquista de quase dois séculos atrás, não é troféu de hoje, a não ser que tivesse mostras de que a estamos gozando plenamente.
Este nosso Brasil, exibe hoje um ufanismo contrário à sua realidade atual, por um evento ocorrido há séculos.
Competência exibicionista é o que não nos falta. Temos fama mundial dos melhores artistas e compositores, que conseguem fazer até da nossa miséria hinos de louvores.
Até os nossos defeitos são cantados em versos e provas. Dizem que este é um dos dons brasileiros.
Escuto, por exemplo, na impecável música de Ary Barroso o verso meu mulato inzoneiro / vou cantar-te nos meus versos...
Não sei por que, me dói (me incomoda sentir que há uma ponta de orgulho numa metáfora de que sabemos levar a melhor na manha)? Pois inzoneiro no dicionário da Língua Portuguesa significa: afetado, enredador, intrigante, mexeriqueiro e sonso.
Este sonso foi ótimo, mas ao pé da letra parece um assumir de que somos espertinhos sonsos. Sei não; creio que temos levado a pior nesta sonseira.
Entretanto, a capacidade artística talvez tenha sido a forma de nos ajustarmos à nossa carência humana. Não há como negar, a música é linda, o autor acertou no alvo na sua análise da expressão caricatural de nossa gente e de forma amorosa. Coisa mesmo de grande poeta.
Então falávamos de independência. A liberdade de expressar a criatividade em nossos artistas é inegável, um viés de independência, embora tenham tentado podar isto na ditadura. Mas poesia e criatividade são iguais a uma planta, não adianta podá-la que volta mais forte.
Bem que podíamos usar tanta criatividade no que mais precisamos: equilíbrio social. Pois, sinceramente, acho que nossos abismos sociais não são nada comemoráveis.
Talvez daí temos que usar de extrema tecnologia e criatividade, para mostramos aos estrangeiros como somos felizes, na nossa miséria. Por que não realizamos uma Olimpíada da Educação? Sei que existem arremedos, como a Olimpíada da Matemática
Mas convenhamos, não com o espetáculo da abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro.
A gente podia imitar a ideia e promover o desfile de alunos e professores, que receberiam honra ao mérito por seus resultados brilhantes. Isto com todo o aparato cênico de 5 de Agosto passado. Aí me dirão: não daria Ibope, e além do mais, Esporte é Educação. É verdade, mas não pode ser apenas esta seção da Educação que dê Ibope, se queremos ser independentes.
Pelo menos nós, simples brasileiros, queremos. Porque para uns outros das elites pouco importa. Se o Brasil não é independente e tem economia pobre, resolvem o assunto mandando o meu e o seu dinheiro, para um país de primeiro mundo independente e sólido.
A Justiça diz que não pode, mas ele dá uma de sonso e diz que não tem dinheiro no estrangeiro e sim truste. Além do mais, uma Olimpíada de todas as escolas (públicas e privadas), acho que não daria mesmo certo.
Existem escolas públicas em que os alunos não recebem merenda, pois essas foram roubadas pelos líderes políticos da região. Com fome, o teto da escola caindo, assentados em caixotes, porque as cadeiras foram roubadas, ou quebradas, obter méritos de resultados como?!
Corre-se ainda o risco da professorinha não conseguir chegar até a casinha feita escola pois, claro, não tem carro, não conseguiu carona de caminhoneiro, salário não dá para pagar ônibus, e com chuva a estrada esburacada dificulta a travessia.
Quem achar que estou exagerando, vá conhecer os grotões das áreas longínquas das capitais e verá isto de perto.
Apesar de tudo vou comemorar o fato histórico do Grito da Independência.
Faça-me o favor, posso ser um pouco sonsa, mas nem tanto! Gostaria de pelo menos ouvir algum eco...

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