segunda-feira, 29 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 7

Soteropolitano
Especial para o Humanitas
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo, Mora em Valença/BA

Baiano de nascimento e coração – até um pouco fanático, ainda que fanatismo seja perigoso, mas no bom sentido ou como força de expressão, imagino que, tudo bem – sempre tive curiosidade em saber por que aqueles nascidos na cidade do Salvador são chamados de soteropolitanos, mas, inexplicavelmente, um preguiça macunaímica – se me permitem o canhestro neologismo – impediam-mo.
Talvez a preguiça tivesse seu epicentro no diabinho que todos temos (acho!) no inconsciente, que estava sempre a dizer-me: Não tens nada com isso. Nasceste em Jequié. És, pois, jequieense. Mas eu sabia que essa era uma informação errada ou equívoca. Nascera, em 1936, no município de Jequié, era verdade. Como também era verdade que aquele meu nascimento dera-se no então distrito de Aiquara, mais precisamente na fazenda Santa Maria, que ficava situada próxima ao povoado de Pulga do Campo.
Se toda essa complicação para se saber onde um cidadão brasileiro/baiano nascera fosse pouco, Aiquara emancipara-se durante a ditadura, época em que criava-se municípios – exclusivamente para dar mando a apadrinhados – cujo destino era viver de uma única arrecadação: aquela que vinha de um fundo federal criado para sustentar municípios que não se sustentavam. Ao dizer isso, não estou denegrindo Aiquara, onde estive anos depois de ter saído de lá, e constatei que continua praticamente a mesma de quando eu tinha dez, doze anos.
Não mudara nada. Pacata, população escassa de boa gente trabalhadora. O mais era marasmo e silêncio, em suas ruas planas, muitas sem calçamento, ou seja, iguais a quando eu era criança. Na época daquela visita, já sabia o significado da palavra Aiquara:
Vinha do tupi – como sói ocorrer com muitos logradouros brasileiros – AI, que significava preguiça, o animal; QUARA, significava buraco, morada, o refúgio da preguiça. Macunaíma poderia ter nascido lá.
Quanto a Jequié, que eu também já sabia o significado, cuja forma correta seria Tikí-é, significava o covo de forma diversa, podia ser ainda uma palavra da língua dos Camacãs (que não eram tupis),Yaquié, para exprimir onça, cachorro, isto na concepção de Sampaio.
Já Falcão afirmava que a palavra se formou pela junção de Jequi (covo) mais  (arrastar), significando covo de arrasto (armadilha de arrasto?) ou rio do covo. Podendo ser, ainda, covo diferente, que não é como os demais.
Tudo isso é dito em uma tentativa de explicar minha resistência em averiguar o significado de soteropolitano, uma vez que era oficialmente jequieense, embora a fazenda onde nascera ficasse no distrito de Aiquara, próxima ao povoado de Pulga do Campo, o que me fazia um cidadão pulgacampense (ou algo similar), mais precisamente nascido em um município que não existia em 1936.
O pior de tudo era que também o minúsculo povoado de Pulga do Campo tampouco existia. Já estava pensando que era um cidadão fantasma – temendo que a terrível, e temível, (com os mais pobres) Receita  Federal, descobrisse essa situação e visse nela dolosas intenções minhas.
Estava vivendo esse crucial dilema, quando, participando de uma reunião da Secção Baiana da União Brasileira dos Escritores (UBE/BA), conheci a brilhante escritora patrícia, Miriam de Sales.   
Uma mulher muito simpática, que fala pelos cotovelos, porém, não cansa porque fala bem e sabe o que fala e do que fala.
Ouvia-a, hipnotizado, como de resto toda a plateia, quando ela disse que sabia o significado de soteropolitano.
Na ocasião, ainda extasiado com a magia da fala de Miriam, senti inibição em perguntar o significado. Justifiquei, em pensamento, que não o sabia por pura preguiça (afinal estava relacionado com aquele tipo de animal e de sua casa), porque soteropolitano só podia vir do grego ou do latim – disse-me.
Voltei para Valença, onde moro, magnetizado com o feitiço de Miriam e com o bendito soteropolitano na cabeça.
O tempo passou e em 29/6/2011, dia de São Pedro e das Viúvas, como realçava Miriam em seu livro A Bahia de Outrora, tomei coragem e perguntei diretamente.
E ela, que é adepta da Internet, passou-me algo que chamo gancho (mas ela chama link: http://abahiadeoutrora.blogspot.com/2010/07/ficha-tecnica-do-livro.html), onde li o que se segue:
Nós baianos somos xingados de soteropolitanos como dizia o irreverente Jorge Amado. E, muitos baianos desconhecem porque somos chamados assim.
Graças à bibliotecária Genilda, da ABL, Academia Baiana de Letras, estudiosa das coisas da Bahia, descobrimos.
Soteropolitano vem de SOTERO: Salvador; POLI: Cidade; TANO: Natural. Entendeu? Natural da cidade do Salvador, com muito orgulho.
Como nós, baianos, somos ‘diferentes’ e reverenciamos a cultura clássica, nosso gentílico tinha que vir do grego, pois Soterópolis é Cidade do Salvador, nesta língua.
Soterópolis era uma cidade grega, erigida em honra de Sotero, imperador, cuja palavra, em grego, significa Salvador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário