Soteropolitano
Especial para o Humanitas
Araken Vaz Galvão é escritor e
membro da Academia de Artes do Recôncavo, Mora em Valença/BA
Baiano de
nascimento e coração – até um pouco fanático, ainda que fanatismo seja
perigoso, mas no bom sentido ou como força de expressão, imagino que, tudo bem
– sempre tive curiosidade em saber por que aqueles nascidos na cidade do
Salvador são chamados de soteropolitanos, mas, inexplicavelmente, um preguiça
macunaímica – se me permitem o canhestro neologismo – impediam-mo.
Talvez a preguiça tivesse seu epicentro no diabinho que todos
temos (acho!) no inconsciente, que estava sempre a dizer-me: Não tens nada com
isso. Nasceste em Jequié. És, pois, jequieense. Mas eu sabia que essa era uma
informação errada ou equívoca. Nascera, em 1936, no município de Jequié, era
verdade. Como também era verdade que aquele meu nascimento dera-se no então
distrito de Aiquara, mais precisamente na fazenda Santa Maria, que ficava
situada próxima ao povoado de Pulga do Campo.
Se toda essa complicação para se saber onde um cidadão
brasileiro/baiano nascera fosse pouco, Aiquara emancipara-se durante a
ditadura, época em que criava-se municípios – exclusivamente para dar mando a
apadrinhados – cujo destino era viver de uma única arrecadação: aquela que
vinha de um fundo federal criado para sustentar municípios que não se
sustentavam. Ao dizer isso, não estou denegrindo Aiquara, onde estive anos
depois de ter saído de lá, e constatei que continua praticamente a mesma de
quando eu tinha dez, doze anos.
Não mudara nada. Pacata, população escassa de boa gente
trabalhadora. O mais era marasmo e silêncio, em suas ruas planas, muitas sem
calçamento, ou seja, iguais a quando eu era criança. Na época daquela visita,
já sabia o significado da palavra Aiquara:
Vinha do tupi – como sói ocorrer com muitos logradouros
brasileiros – AI, que significava preguiça, o animal; QUARA, significava
buraco, morada, o refúgio da preguiça. Macunaíma poderia ter nascido lá.
Quanto a Jequié, que eu também já sabia o significado, cuja
forma correta seria Tikí-é, significava o covo de forma
diversa, podia ser ainda uma palavra da língua dos Camacãs (que não eram
tupis),Yaquié, para exprimir
onça, cachorro, isto na concepção de
Sampaio.
Já Falcão afirmava que a palavra se formou pela junção de Jequi (covo) mais eé (arrastar),
significando covo de arrasto
(armadilha de arrasto?) ou rio do covo.
Podendo ser, ainda, covo diferente,
que não é como os demais.
Tudo isso é dito em uma tentativa de explicar minha
resistência em averiguar o significado de soteropolitano, uma vez que era
oficialmente jequieense, embora a fazenda onde nascera ficasse no distrito de
Aiquara, próxima ao povoado de Pulga do Campo, o que me fazia um cidadão
pulgacampense (ou algo similar), mais precisamente nascido em um município que
não existia em 1936.
O pior de tudo era que também o minúsculo povoado de Pulga
do Campo tampouco existia. Já estava pensando que era um cidadão fantasma –
temendo que a terrível, e temível, (com os mais pobres) Receita Federal, descobrisse essa situação e visse
nela dolosas intenções minhas.
Estava vivendo esse crucial dilema, quando, participando de
uma reunião da Secção Baiana da União Brasileira dos Escritores (UBE/BA),
conheci a brilhante escritora patrícia, Miriam de Sales.
Uma mulher muito simpática, que fala pelos cotovelos, porém,
não cansa porque fala bem e sabe o que fala e do que fala.
Ouvia-a, hipnotizado, como de resto toda a plateia, quando
ela disse que sabia o significado de soteropolitano.
Na ocasião, ainda extasiado com a magia da fala de Miriam,
senti inibição em perguntar o significado. Justifiquei, em pensamento, que não
o sabia por pura preguiça (afinal estava relacionado com aquele tipo de animal
e de sua casa), porque soteropolitano só podia vir do grego ou do latim –
disse-me.
Voltei para Valença, onde moro, magnetizado com o feitiço
de Miriam e com o bendito soteropolitano na cabeça.
O tempo passou e em 29/6/2011, dia de São Pedro e das
Viúvas, como realçava Miriam em seu livro A
Bahia de Outrora, tomei coragem e perguntei diretamente.
E ela, que é adepta da Internet, passou-me algo que chamo
gancho (mas ela chama link: http://abahiadeoutrora.blogspot.com/2010/07/ficha-tecnica-do-livro.html),
onde li o que se segue:
Nós baianos somos
xingados de soteropolitanos como dizia o irreverente Jorge Amado. E, muitos
baianos desconhecem porque somos chamados assim.
Graças à bibliotecária Genilda, da ABL, Academia Baiana de
Letras, estudiosa das coisas da Bahia, descobrimos.
Soteropolitano vem de SOTERO:
Salvador; POLI: Cidade; TANO: Natural. Entendeu? Natural da cidade do Salvador,
com muito orgulho.
Como nós, baianos,
somos ‘diferentes’ e reverenciamos a cultura clássica, nosso gentílico tinha
que vir do grego, pois Soterópolis é Cidade do Salvador, nesta língua.
Soterópolis era
uma cidade grega, erigida em honra de Sotero, imperador, cuja palavra, em
grego, significa Salvador.
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