Democracia é ilusão
Especial para o Humanitas
Rafael Rocha é
jornalista, poeta e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE
O que chamamos hoje de democracia nada tem a
ver com o sistema criado pelos gregos atenienses no que tange a governo do povo,
pois o crescimento populacional criou um obstáculo insuperável para a aplicação
desse modelo.
A
troca de poder através das revoluções ocorreu porque as populações do planeta
começaram a sentirem-se excluídas, devido ao poder autoritário de reis, monarcas
e ditadores, que não criavam limites aos seus atos. Esse fato acelerou o
processo e inspirou o movimento de troca do poder, gerando revoltas, revoluções
e guerras civis.
Dessa
maneira, a sociedade humana reivindicou para si o poder de organizar-se e exigiu,
de quem detinha o poder (reis, ministros, presidentes etc), mais cuidado ao
exercê-lo.
O
contrato inicial do que se pode chamar democracia fugiu então do seu propósito
inicial que era o de tornar livres os homens que tinham aderido a esse
contrato. Assim, as sociedades que se diziam livres criaram o atual modelo
democrático, trazendo à tona um sistema que não condiz de maneira alguma com a
realidade dos gregos atenienses.
Na
Antiga Grécia, particularmente na cidade grega de Atenas, o povo dirigia seus
assuntos de forma direta e, quando era preciso, escolhia através de sorteio
um grupo destacado de cidadãos para exercer atividade em algum setor ou para
representá-lo.
Essa
prática enaltecia a igualdade e a possibilidade justa de todos os cidadãos
participarem das deliberações governamentais.
Votar e
eleger representantes era um recurso utilizado em última instância, e apenas
quando havia a necessidade de escolha de uma minoria competente, especializada.
Hoje,
diferente do modelo grego/ateniense, a organização estatal é composta de
instituições que não têm a participação direta do cidadão. Nesse sentido, vemos
que o principal fundamento do governo do povo não é real.
Não existe,
ainda que possa mostrar uma roupagem democrática quando da escolha de quem deve
exercer o governo.
O que
chamamos hoje de democracia é uma ilusão.
Tal como
disse o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau a verdade popular não pode ser representada porque não há como se fazer
uma democracia que não seja direta.
De acordo
com o filósofo, todo e qualquer sistema
que não atenda diretamente à vontade do povo não é democrático e não possui
validade para impor-se como tal.
Assim, mesmo
com todos esses ensinamentos vindos do mestre francês, as revoluções que se lhe
seguiram resolveram insistir na utopia de dar ao povo o poder, criando
instrumentos e sistemas novos para aplicar o que denominavam de democracia.
Jean-Jacques
Rousseau e outros pensadores da época acreditavam que a vontade geral não podia
ser representada, pois se assim fosse a democracia acabava com o princípio
universal de que a vontade geral só pode ser realidade com a expressão coletiva
direta, ou seja, a criação de um sistema de identidade entre eleitor e eleito,
podendo os eleitores questionar, sugestionar e impor condutas ao eleito.
Assim, o
cidadão, ao fornecer poder a seu representante eleito, expunha seus interesses
e posições políticas que deviam ser defendidas por este, sob pena de revogação
e perda do mandato.
Na verdade,
de acordo com muitos cientistas políticos de hoje, nós saímos da democracia
direta para a indireta, chamada de representativa, e agora começam a surgir
elementos e movimentos de confronto, como os da democracia direta eletrônica e
a democracia participativa.
No contexto
realista não existe democracia a não ser aquela exercida diretamente pelo povo.
Portanto,
quando são criados sistemas de representação, o que chamamos de democracia
torna-se uma ficção apoiada através do voto do cidadão.
Mas a
vontade que governa não é a vontade popular. Isso torna o sistema ilegítimo.
Pior: uma farsa. O ritual de escolha pode ser democrático, a vontade do povo
pode ser democrática, mas o sistema não é.
A certeza é
que não vivemos em uma democracia quando abordamos o sentido direto da palavra
– governo do povo, pelo povo, para o
povo.
Sim, porque o governo pode ser do povo, visto
que é o povo que detém a faculdade de escolher quem deve exercer o poder, mas
as outras duas afirmações fogem da premissa.
Veja-se que
a expressão pelo povo não
é real, porque apenas uma parcela exerce o poder, e, ainda mais: a expressão para o povo é ilusória, porque
caso não seja o povo que governe, mas apenas uma parcela dele, essa parcela
certamente irá governar apenas para si mesma.
E é isso que
acontece. É isso que vemos. É essa a realidade que se apresenta hoje aos nossos
olhos.
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