segunda-feira, 29 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 8

Democracia é ilusão
Especial para o Humanitas
Rafael Rocha é jornalista, poeta e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

O que chamamos hoje de democracia nada tem a ver com o sistema criado pelos gregos atenienses no que tange a governo do povo, pois o crescimento populacional criou um obstáculo insuperável para a aplicação desse modelo.
A troca de poder através das revoluções ocorreu porque as populações do planeta começaram a sentirem-se excluídas, devido ao poder autoritário de reis, monarcas e ditadores, que não criavam limites aos seus atos. Esse fato acelerou o processo e inspirou o movimento de troca do poder, gerando revoltas, revoluções e guerras civis.
Dessa maneira, a sociedade humana reivindicou para si o poder de organizar-se e exigiu, de quem detinha o poder (reis, ministros, presidentes etc), mais cuidado ao exercê-lo.
O contrato inicial do que se pode chamar democracia fugiu então do seu propósito inicial que era o de tornar livres os homens que tinham aderido a esse contrato. Assim, as sociedades que se diziam livres criaram o atual modelo democrático, trazendo à tona um sistema que não condiz de maneira alguma com a realidade dos gregos atenienses.
Na Antiga Grécia, particularmente na cidade grega de Atenas, o povo dirigia seus assuntos de forma direta e, quando era preciso, escolhia através de sorteio um grupo destacado de cidadãos para exercer atividade em algum setor ou para representá-lo.
Essa prática enaltecia a igualdade e a possibilidade justa de todos os cidadãos participarem das deliberações governamentais.
Votar e eleger representantes era um recurso utilizado em última instância, e apenas quando havia a necessidade de escolha de uma minoria competente, especializada.
Hoje, diferente do modelo grego/ateniense, a organização estatal é composta de instituições que não têm a participação direta do cidadão. Nesse sentido, vemos que o principal fundamento do governo do povo não é real.
Não existe, ainda que possa mostrar uma roupagem democrática quando da escolha de quem deve exercer o governo.
O que chamamos hoje de democracia é uma ilusão.
Tal como disse o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau a verdade popular não pode ser representada porque não há como se fazer uma democracia que não seja direta.
De acordo com o filósofo, todo e qualquer sistema que não atenda diretamente à vontade do povo não é democrático e não possui validade para impor-se como tal.
Assim, mesmo com todos esses ensinamentos vindos do mestre francês, as revoluções que se lhe seguiram resolveram insistir na utopia de dar ao povo o poder, criando instrumentos e sistemas novos para aplicar o que denominavam de democracia.
Jean-Jacques Rousseau e outros pensadores da época acreditavam que a vontade geral não podia ser representada, pois se assim fosse a democracia acabava com o princípio universal de que a vontade geral só pode ser realidade com a expressão coletiva direta, ou seja, a criação de um sistema de identidade entre eleitor e eleito, podendo os eleitores questionar, sugestionar e impor condutas ao eleito.
Assim, o cidadão, ao fornecer poder a seu representante eleito, expunha seus interesses e posições políticas que deviam ser defendidas por este, sob pena de revogação e perda do mandato.
Na verdade, de acordo com muitos cientistas políticos de hoje, nós saímos da democracia direta para a indireta, chamada de representativa, e agora começam a surgir elementos e movimentos de confronto, como os da democracia direta eletrônica e a democracia participativa.
No contexto realista não existe democracia a não ser aquela exercida diretamente pelo povo.
Portanto, quando são criados sistemas de representação, o que chamamos de democracia torna-se uma ficção apoiada através do voto do cidadão.
Mas a vontade que governa não é a vontade popular. Isso torna o sistema ilegítimo. Pior: uma farsa. O ritual de escolha pode ser democrático, a vontade do povo pode ser democrática, mas o sistema não é.
A certeza é que não vivemos em uma democracia quando abordamos o sentido direto da palavra – governo do povo, pelo povo, para o povo.
Sim, porque o governo pode ser do povo, visto que é o povo que detém a faculdade de escolher quem deve exercer o poder, mas as outras duas afirmações fogem da premissa.
Veja-se que a expressão pelo povo não é real, porque apenas uma parcela exerce o poder, e, ainda mais: a expressão para o povo é ilusória, porque caso não seja o povo que governe, mas apenas uma parcela dele, essa parcela certamente irá governar apenas para si mesma.
E é isso que acontece. É isso que vemos. É essa a realidade que se apresenta hoje aos nossos olhos.

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