sábado, 27 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 4

As obras de deus
Jorge Oliveira de Almeida - Rio de Janeiro/RJ

Deus descansou, descansou e descansou. Claro, estava no seu direito. Ele, que tudo sabe e tudo vê, e que não tinha que dar satisfações a ninguém porque era único, assim ficou: paradão a eternidade inteira, até o dia em que de saco cheio por não fazer nada resolveu criar alguma coisa para se divertir.
Começou por criar o planeta Terra. Bastou um estalar de dedos e zás! A Terra foi criada. A seguir criou o resto do Universo, mas teve o grande cuidado de situar a Terra não só no centro do sistema solar, mas também no centro do Universo. Claro que ele podia fazer como bem quisesse, mas considerando que deveria fazer o melhor possível, assim o fez.
Muito tempo depois apareceram uns caras querendo contestar suas obras. Onde já se viu tamanho desplante? Deus então viu-se na obrigação de dar-lhes uma mostra de seu poder e imediatamente determinou que seus asseclas mandassem-nos todos para a fogueira.
Foi uma poluição geral! Todo dia havia churrasquinho de gente, com aquele cheirinho característico de carne assada. E a fumaça? Naquela época, aqueles que ainda conseguiam permanecer vivos, deviam ter muita dificuldade para dormir, devido à quantidade de fumaça no ambiente!
Voltando para onde estávamos, o Homem ainda não havia sido criado e era preciso fazê-lo! Nada mais simples para quem não precisava deparar-se com dificuldades que seriam comuns a qualquer mortal para fazer o que quisesse. Então juntou um pouquinho de barro e zapt! Eis o Homem criado!
Entretanto, seria necessário criar também a mulher, porque Deus estava ciente que sozinho não poderia criar tantos bonequinhos para diverti-lo. Já imaginaram, cada vez que ele julgasse necessário criar mais um habitante, ele é que teria que fazê-lo? Não haveria tanto espermatozóide divino assim disponível (ou melhor, tanto barro!).
Então, com sua sábia justeza e sabedoria, tirou uma costela do Adão (aquele homem que ele criou) e, num passe de mágica, criou também a mulher! Agora poderia descansar satisfeito. 
Os homens e as mulheres foram ao longo dos tempos fazendo aquilo que fazem todos os animais, até que um dia ele se questionou: por que não ter um filho, não feito de barro, mas de minha própria carne e à minha imagem e semelhança? 
Não deveria ser tão difícil. Bastaria agitar a sua varinha de condão. Mas ele quis ser mais sofisticado. Assim, resolveu deixar a sua marca registrada. Sabedor da vida de todos os seres da Terra determinou que Maria, uma pobre trabalhadora rural, analfabeta, que vivia lá no Oriente Médio com os seus boizinhos, com os seus cabritinhos e com os seus burrinhos (e havia muitos!) e que era casada com um cara que não gostava muito da fruta, seria a escolhida para aquela relação inusitada entre um ser humano e uma divindade. Mas se ela nunca havia comido um peru (porque só havia as festas saturninas e ainda não existia o Natal), como cativá-la para prová-lo? Na mente divina tudo é fácil de resolver: se travestiu o Divino na forma de um pombo (e olha que era um baita pombo!) para seduzir a jovem moçoila. 
Assim como quem dá um tiro dá dois e três, certamente o tal pombo deve lá ter voltado muitas outras vezes à casa da Maria, agora que a porteira estava aberta! O disse-me-disse levou os vizinhos do Zé (esse era o nome do chifrudo) a agredi-lo com insinuações e palavras maldosas, mas ele não se sentia prejudicado porque já fora avisado por asseclas do pombo-correio que a sua mulher (aquela que ele não queria comer) teria um filho divino! Até ficava orgulhoso disso.
Todos riam dessa situação, mas ele, como corno manso, não se preocupava com os mal-dizeres. Como não poderia deixar de acontecer, um dia nasceu o fruto daquela união: Jesus Cristinho veio ao mundo!
Acontece que a partir daí aqueles que caçoavam passaram a ficar em dúvida quanto à não santidade do cara, pois nunca se vira até então tantos milagres acontecerem! Era um atrás do outro! Todos aqueles truques que os mágicos fazem hoje ele já os fazia desde pequenino: transformar água em vinho, multiplicar os pães...
Chegou até a ressuscitar os mortos. Naturalmente aqueles que lhe convinham.
O tempo passou e os milagres foram rareando. Mas, pudera! Deus resolvera descansar e assim deu uma banana para todos os que se multiplicaram na Terra. Foi-se o tempo dos festivais de milagres.
Agora é preciso trabalhar, suar e estudar bastante para ser alguma coisa na vida. Agora a Humanidade deixou de ser um objeto de lazer e de prazer para o Divino e os seres humanos passaram a lutar pelas suas vidas. Não estão mais esperando que os pães se multipliquem. Eles mesmos fabricam os seus pães!

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