segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

HUMANITAS Nº 56 – FEVEREIRO DE 2017 – PÁGINA 4

A ordem sequencial das tragédias
Especial para o Humanitas

Ana Maria Leandro - uma das principais colaboradoras do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Sobre os horrores acontecidos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaq), em Manaus, as “autoridades” conseguiram definir rapidamente a causa, para resposta à sociedade: “a revolta foi motivada por briga entre facções”.
Pronto, pivô detectado, a responsabilidade é dos prisioneiros mesmo, (que, aliás, são mesmo um problema para a nação) e podemos ir deitar sossegados que não temos culpa nenhuma!
É impressionante como as instituições governamentais (algumas vezes também privadas e “propinadas”), insistem em achar “causas” das quais não precisem assumir culpas, pois isso sim, é o que é preocupante...
Esse processo me faz lembrar a frase: “fuja de seus erros e não se livrará deles...”
Há pouco tempo, na tragédia da queda do avião do time de futebol do Chapecoence, atribuíram a culpa à moça que “bate carimbo” de aprovação do vôo.
Se lhe fosse outorgado o poder de dizer “não baterei o carimbo, pois há problemas neste plano de vôo” o carimbo não bateria sozinho. Mas este problema não é analisado.
Considerar que a “causa verdadeira” antecede ao ato e que tem fundamentos muito mais longilíneos e exigentes de providências, é difícil e desestabiliza o “status quo”. Dá trabalho, gasta-se dinheiro e nada sobra para se fazer corrupção.
E assim vamos neste pobre país (pobreza de alicerces é a pior pobreza), apontando as falhas de ponta, e manipulando o esclarecimento das de fundamento.
Quem não sabe que a superlotação de presos nos presídios públicos (e já alguns privados) é absurda, e significa um fantástico caminho para a união e consequente estouro de tragédias promovidas pela marginalidade?! Briga de facções!? Mas como? Havia facções rivais juntas? Isto é jogar combustível no fogo!
Já se sabe que ao fato antecedeu-se barulhenta festa e música alucinante. Naturalmente que não era uma festa regada a água e refrigerante! E os “ingredientes” (melhor nem citar a diversificação do cardápio) da festança? Como entraram? Será que acharam alguma “moça do carimbo” que autorizou?
Aliás, essas pobres moças são “grandes autoridades” quando os problemas acontecem. Quando não há problemas são apenas “carimbadoras” mesmo... E naturalmente dirão que o que vou citar a seguir tem origens na formação também pedagógica que possuo.
Mas se traçarmos uma linha entre o que se aplica em educação e sistema carcerário veremos um grande equilíbrio.
As escolas públicas também têm salas superlotadas para professores mal pagos. Nos sertões do país então nem se fala nas condições das salas de aula. E mais: assassinatos já aconteceram até em salas de aulas de grandes centros urbanos.
Por outro lado, o sistema carcerário trabalha com seguranças de celas superlotadas, também com salários mínimos; e o agravante até de provocar os problemas de concessões ilegais para presos, em troca de ganhos adicionais.
Na Educação o governo vem com a eterna solução de superfície: “vamos mudar o sistema educacional. Tiramos disciplinas, colocamos outras mais atraentes (vão ficar mais atraentes só se forem aplicadas por extraterrestres, pois os professores aqui da Terra, nem ao menos recebem treinamentos para essas mudanças); convencemos os alunos que eles é que terão o livre arbítrio de escolher o que querem (o marketing é sensacional!) e assim acabamos com a invasão de escolas por alunos descontentes. Melhorias de condições salariais para o professor (psiiiuu... silêncio).
E pelo que está sendo analisado nas reformas da Previdência, corre-se o risco de um professor ter de trabalhar além dos setenta anos, lidando com crianças e adolescentes!
Lançam pretensas “inovações” como se estivessem descobrindo a roda.
Qualquer pessoa em torno de sessenta anos, recebeu na antiga escola secundária orientações vocacionais, como parte do programa em atividades aplicadas: marcenaria; economia doméstica; etc.
Quem nesta faixa etária não se lembra das antigas “oficinas”, para que o aluno pudesse receber orientações de atividades práticas, que lhes servissem de base para futuras escolhas profissionais?
Com o tempo, foram tirando este programa aplicativo e caiu-se no programa comum para o Ensino básico (que inclui da 1ª à 8ª série).
Agora, lançam a proposta como se fosse inédita!
Está bem, retomar caminhos que se demora a descobrir que eram melhores é saudável. Mas não me venham com bordões de “Inovação no Ensino”.
Por favor, entendam de uma vez, que a evolução da vida é sequencial, e que o que deixamos de fazer de necessário no hoje, fará falta amanhã...

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