quinta-feira, 30 de março de 2017

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 8

A tortura como arma dos ditadores de 1964/1985

Especial do Humanitas

As principais técnicas de tortura foram ensinadas por agentes franceses que vieram ao Brasil divulgar entre os nossos militares os métodos aprendidos e utilizados na Guerra da Argélia.
Muitos oficiais brasileiros foram alunos de aulas de tortura na Escola das Américas, criada pelo Departamento de Defesa dos EUA.
Depois desse aprendizado, os militares do Brasil ensinaram as técnicas de tortura para outros serviçais de ditadores de países da América Latina que também mantinham regimes ditatoriais.
De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, além dos civis mortos ou desaparecidos, mais de seis mil pessoas foram torturadas durante o regime ditatorial civil/militar de 1964/1985.
O choque elétrico foi um dos métodos de tortura mais cruel e largamente utilizado durante o regime militar.
Geralmente, o choque era dado através de um telefone de campanha do Exército que possuía dois fios longos que eram ligados ao cor­po nu do preso, normalmente nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos.
O acusado recebia descargas sucessivas até cair no chão.
Os torturadores brasileiros eram, em sua maioria, militares das Forças Armadas, em especial do Exército. Os principais centros de tortura no Brasil foram os Destacamentos de Operações de Informação – Centros de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI), órgãos militares. Um dos militares mais atuantes nesse setor foi o coronel de Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Mas existiam também torturadores civis, atuando sob ordens dos militares. Um dos mais famosos e cruéis foi Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP).
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Uma época que não deve jamais ser esquecida

A tortura do regime militar instalou-se no Brasil desde o primeiro dia do golpe: em 1º de abril de 1964. A primeira vítima de tortura foi o líder camponês Gregório Bezerra. No dia do golpe, o coronel do Exército, Darcy Ursmar Villocq Vianna - o coronel Villocq -, amarrou Gregório Bezerra com cordas, ordenando que soldados arrastassem o preso pelas ruas do Recife, humilhando-o com vitupérios verbais e espancando-o com uma vareta de ferro.
O coronel incitava o povo para ver o “enforcamento do comunista”. Gregório Bezerra levou coronhadas pelo corpo, além de ter os pés queimados com soda cáustica. O Recife foi um dos lugares que mais sofreu atrocidades, tendo civis agredidos e mortos em passeatas que protestavam a favor da democracia.
Torturadores escreveriam seus nomes nas páginas da História do Brasil.  Tais como o do delegado Sérgio Fleury, uma espécie de Torquemada da ditadura militar, bem como Carlos Alberto Brilhante Ustra, oficial de alta patente, que hoje é glorificado como herói por um deputado federal chamado Jair Bolsonaro.
Infelizmente, o governo instalado no dia 1º de abril de 1964 manteve-se, contrariando todos os princípios que regem os direitos humanos, traduzidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948.
Tais direitos foram negligenciados pelos EUA que, para manter a sua ideologia apoiou e financiou sangrentas ditaduras militares em toda a América Latina.
 Os que ousaram contestar a ditadura eram, na sua maioria, jovens idealistas, muitos politizados e engajados, outros em processo de politização, que se atiravam aos ideais, dispostos até mesmo a morrer por eles. A maioria dos torturados que morreram eram jovens.
 Findo o regime militar, a tortura foi justificada pelos ex-presidentes ditadores como um mal necessário, como arma de defesa diante de uma guerra que se vivia. Nenhum torturador foi preso ou punido por seus atos. Todos foram beneficiados pela lei da Anistia, que em 1979 anistiou os presos políticos, os exilados e os torturadores da ditadura militar.
O uso da tortura continua a ser a maior marca de desumanidade da recente História do Brasil.

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 7

Abril faz história: Golpe agora é impeachment
Especial do Humanitas

Aconteceu em abril. No dia 17 de abril do ano de 2016. Outra data de triste memória para a democracia brasileira.
Outra data em que a Carta Magna foi estuprada até mesmo pelos que a deviam defender, no caso o Supremo Tribunal Federal.
O novo Golpe de Estado derruba uma mulher eleita para o cargo de presidente da República com mais de 54 milhões de votos.
E dão a isso o nome de impeachment. Tudo para fornecer cores de democracia ao ato.
Na ocasião, a Câmara dos Deputados tornou-se um circo.
Foram 367 votos a favor do Golpe, com os deputados golpistas agradecendo a Deus, aos seus cachorros, aos pais, filhos, esposas, aos gatos e até ao Papai Noel.
Depois, o Senado sancionou o Golpe, também votando a favor e passando o poder ao vice Michel Temer, acusado desde o final de 2015 de receber R$ 5 milhões do presidente da Câmara, o deputado Eduardo Consentino da Cunha, que também teria recebido R$ 52 milhões parcelados em 36 vezes, de acordo com uma das inúmeras delações.
O processo contra a presidente Dilma Rousseff foi eivado de falácias e de acusações descabidas. Nada ficou provado contra ela até hoje. Não houve enriquecimento ilícito. Utilizaram o termo “pedaladas fiscais” para enquadrá-la como criminosa. 
Tudo foi um Golpe de Estado muito bem orquestrado por juristas como Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, com o apoio da Grande Mídia e de setores retrógados da direita.
A história se repete novamente em um mês de abril. No dia da mentira, em 1º de abril de 1964, a democracia também foi estuprada por civis e militares, utilizando a mentira de salvaguardar as instituições brasileiras do perigo do comunismo.
Tanto que no dia 17 de abril de 2016, o deputado Jair Bolsonaro, ao dar seu voto a favor do golpe branco, chegou a defender como herói o torturador militar Brilhante Ustra, que colocou ratos na vagina de uma mulher em um processo de tortura ocorrido no regime ditatorial de 1964/1985.
A mentira retornou novamente. O ódio foi disseminado pela Grande Mídia na cabeça de uma parcela da população. Mesmo sem ter provas concretas e cabais, essa parcela da população acha que a presidente eleita por mais de 54 milhões de votos roubou os cofres públicos e devia perder o cargo.
Hoje, vemos encerrado o ciclo Lula/Dilma. Encerrado por meio de um golpe branco. E com o Partido dos Trabalhadores (PT) também tendo grande parcela de culpa, porque se distanciou do progressismo que caracterizou sua história e mergulhou em alianças espúrias com partidos traiçoeiros, como o PMDB, e com políticos nada confiáveis como Paulo Maluf, Collor de Mello e José Sarney.
No dia 31 de agosto de 2016 o plenário do Senado concretizou o golpe branco, afastando a presidente eleita.
Defendendo-se no Senado, a presidente Dilma Rousseff disse que não praticou irregularidades no exercício do cargo e que o dito impeachment é, na verdade, um Golpe de Estado por ser motivado por razões políticas e por não ter existido crime de responsabilidade em seu governo.
A ação movida contra a presidente e os discursos dos políticos na Câmara dos Deputados, em Brasília, tornaram-se piada e ganharam manchetes em jornais do mundo inteiro. Veículos internacionais da Mídia questionaram a legitimidade dos golpistas.
O jornal espanhol El Pais classificou o impeachment em editorial como um Golpe baixo no Brasil O britânico The Guardian publicou que A queda de Dilma não irá curar todos os problemas do Brasil”.
No mês de julho/2016, em Paris, o Senado francês também havia se manifestado em manifesto publicado pelo jornal Le Monde contra o iminente impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Assistimos à tomada de poder, sem legitimidade popular, por aqueles que perderam a disputa presidencial, com o intuito de colocar em prática seus programas rejeitados pelas urnas. 
No mesmo documento, os senadores franceses comentam que “estamos também preocupados com o envolvimento (no golpe de Estado) da grande mídia brasileira pertencente a grandes grupos financeiros, por uma campanha extremamente violenta a favor da destituição e criminalização da esquerda. Essas mesmas mídias brasileiras apoiaram o golpe de Estado Militar de 1964 a partir do qual construíram verdadeiros impérios midiáticos“.

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 6

O que é a semana santa?
Texto de Ivani Medina, artista plástico e pesquisador autodidata. Mora no Rio de Janeiro/RJ

Oficialmente, a semana santa é a celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Mas qual seria a explicação para sua origem real e motivacional? A semana santa funciona como um abanador que mantém vivo o fogo das brasas da crença cristã.
Crenças não dialogam com a razão. Estão voltadas diretamente ao emocional, para as necessidades inconscientes do indivíduo, para a qual outro tipo de linguagem há de ser dirigida. Para tanto, é preciso que a paixão de Cristo arda como uma fogueira. No crepitar dos sentimentos fortes, sob o calor intenso de planejada emoção, os olhos instintivamente se fecham à realidade.
Por um período mais longo do que as comemorações religiosas que pontuam o ano inteiro, a dura realidade da vida pessoal vai para segundo plano e dá lugar a um intenso sentimento coletivo que mistura uma dor maior (a dor do deus salvador), gratidão (pela salvação dos pecados) e esperança (numa feliz vida eterna). Daí a importância de se reviver a “história sagrada” em meio à multidão. Evidentemente, não foi o cristianismo que inventou essa técnica para a perpetuação da sua crença. Inventou outra coisa. O fato é que isso existe desde muito antes da propagação do monoteísmo judaico.
Sempre que recuamos no tempo na observação desse assunto, nos deparamos com outra história mais cabeluda ainda.
Uma história de poucas abstrações, sem apelo a espiritualidade, na qual, como no jogo do bicho: “vale o que está escrito”.
O acadêmico judeu e teólogo, Richard Elliot Friedman, titular de hebraico e literatura comparada, ocupante da Katzin Chair na Universidade da Califórnia, diz:
“Deus desaparece na Bíblia. Leitores religiosos e não-religiosos por certo irão achar tal afirmação surpreendente e intrigante, cada qual por suas próprias razões. Confesso, de minha parte, que a acho estarrecedora. A Bíblia se inicia, como todo mundo sabe, num mundo em que Deus está ativamente e visívelmente envolvido, mas não é assim que termina”. (FRIEDMAN, 1977, p. 19, O Desaparecimento de Deus: um mistério divino, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1997.)
Durante a Idade Média, para proteger o judeu medievo do assédio cristão, um filósofo judeu, chamado Moisés de Leon, no século XIII, desenvolveu um novo guia de interpretação da Torah, mais abstrato, místico ou espiritual e muitíssimo inteligente - o Zohar. Atualmente, o judaísmo se entende assim, distanciado da antiga realidade literal mesopotâmica.
Claro que os judeus ortodoxos não aceitam a existência desse momento de transformação, pois para eles, segundo a tradição, o primeiro cabalista foi Abraão e tudo sempre foi assim, como é entendido hoje.
É bom registrar também que essa onda de “espiritualidade”, igualmente envolveu outras crenças religiosas no período medieval, e não somente o judaísmo.
Segundo um dos mais conhecidos estudiosos de religião, Mircea Eliade em O Sagrado e o Profano; tradução Rogério Fernandes - São Paulo: Martins Fontes, 1992 (Versão digital), “Participar religiosamente de uma festa implica a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no Tempo mítico. Por consequência, o Tempo sagrado é indefinidamente recuperável, indefinidamente repetível. De certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que o Tempo sagrado não “flui”, não constitui uma “duração” irreversível (qual o tempo histórico)”. (ELIADE, 1992, p. 38)
Cristo estaria bem mais seguro no tempo mítico. Como bem disse Tom Harpur em O Cristo dos Pagãos: a sabedoria antiga e o significado espiritual da Biblia e da história de Jesus. São Paulo - Pensamento, 2008.
"O mito é um meio de expressar a estrutura essencial ou o significado oculto de toda história. Analisando os mitos gregos mais conhecidos, por exemplo, você verá que cada um carrega em si uma verdade profunda da condição humana que continua eterna muito embora o acontecimento nunca tenha se realizado." (HARPUR, 2008).
O cristianismo mais parece um antídoto religioso, cuja criação se deve à crescente propagação do judaísmo nos primeiros séculos. Setores influentes da sociedade greco-romana não aceitavam isso.
A Semana Santa revive na ficção um drama nada parecido com esse que muito se conhece. Este é assunto proibido que não aparece nas escrituras. Se pesquisar religião fosse estudar as escrituras, discorrer sobre a vida do Walt Disney seria versar-se no Pato Donald.

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 5

Intervenção militar: sim ou não?
Especial para o Humanitas
(CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 4)

ESTRADAS SOMBRIAS

Ainda de acordo com Agassiz Almeida “a fenomenologia militarista ocorrida no Brasil, em determinado momento histórico, tem ampla extensão e profundidade, desde quando o marechal Hermes da Fonseca esteve na Alemanha,  e o Barão do Rio Branco foi embaixador naquele país por três anos.
O Governo de Afonso Pena usou todo o apoio político e financeiro para a formação e ida de dezenas de oficiais a fim de estagiarem no exército e nas escolas alemães, sobretudo na Real Academia.
Da Alemanha voltavam dominados de intenso entusiasmo pela organização, poderio, técnica e estratégia militares do exército alemão. Em 11 de junho de 1940, o general Góis Monteiro, pronuncia a bordo do encouraçado Minas Gerais, discurso de elogio a Hitler e à sua capacidade de conduzir o grande povo alemão.
Foi com esses seguidores inebriados da doutrina militar alemã que se erigiu o poder nacional lastreado no despotismo de Hermes da Fonseca, Bertoldo Kingler, Leitão de Carvalho, Góis Monteiro, Felinto Müller, Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Orlando Geisel, Garrastazu Médici, Aurélio Lira Tavares, D’Ávila Melo, Justino Alves Bastos, Silvio Frota, entre outros.
Diante desse quadro pergunta-se: que regime e que forma de conduzir o Estado poderia surgir?Militarismo doentio e, posteriormente, o nazimilitarismo (1969-1979). (Agassiz Almeida)
Aqueles que enxovalharam um exército que se engrandeceu ao se tornar guardião da integridade nacional; esteio, artífice e consolidador da República; combatente do oligarquismo rural na Revolução de 30; herói nos campos da Itália na Segunda Guerra Mundial, com os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e tantas outras missões dignas e engrandecedoras, perderam o fio da história.
Enveredaram pelas estradas sombrias e nebulosas do depotismo e do terrorismo político, admitindo a tortura e a morte como armas políticas, e, pior do que o nazismo, negaram aos parentes das vítimas os seus corpos, violando covardemente o direito natural de um ser humano.  
Como diferenciar o espírito militar e a formação militarizada?, pergunta Agassiz Almeida na página 78 de sua obra aqui já citada.
É muito difícil para um formando militar assimilar que a máxima de uma democracia e a coluna que sustenta um estado de direito são as famosas palavras de um político americano: Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.
“Pelo sistema curricular adotado e pela pedagogia direcionada a uma educação espartana, plasmada em rígidas doutrinas castrenses, cujos ensinamentos forjam uma mentalidade dogmatizada e embrutecida, em que a ordem do superior se torna uma sentença, e, daí, garroteia-se a capacidade de formular e pensar do cadete de hoje, como do oficial de amanhã.”
Nas academias militares domina uma atmosfera claustral, diferenciando-se dos mosteiros por tais aspectos: enquanto nos templos religiosos a reza conduz, com a constância das horas, o aprendiz e futuro semeador de fé ao mundo transcendental, nas escolas belicistas o cadete e o oficial fazem do treinamento marcial o relicário de sua formação, acima e muito além da sociedade civil.
  Todos, a toda hora obedecem a um ritual espartano. Até para se deslocarem ao rancho, os cadetes entram em formação e obedecem, sob passos ordinários e cadenciados, às ordens de um superior. Uma vez dentro do refeitório cada um tomará o seu lugar já previamente determinado e ouvirá uma voz: “descansar!”
Millis analisa esta formação rígida nas academias militares:
 É essa tentativa de romper a sensibilidade adquirida a ‘domesticação’ do recruta. Ele perde grande parte de sua identidade anterior e se torna consciente de sua nova personalidade em termos de seu papel como militar. (Millis, Charles Wright. A Elite no Poder, Rio de Janeiro; Zahar, 1975)
Sob esse prisma o que se conclui é que o cadete é isolado do mundo, ou seja, da sociedade civil, e, assim, ele vai identificando-se com uma outra visão e erigindo sua autoconcepção.
Esse aspecto central foi identificado por Eving Goffman, cientista social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense:  
A instituição militar pode ser descrita como barreira que separa esta instituição da sociedade, por estes elementos. Todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Todas as atividades são rigorosamente estabelecidas em horários impostos por um sistema de regras formais explícitas para atender aos objetivos oficiais da instituição.
Quando o jovem ingressa nesses centros de estudos (academias militares ou seminários religiosos), é levado a uma estufa, como experimento natural, para mudar a sua individualidade e fazê-lo compreender o mundo por outra visão, sob o império da fé ou o poder das armas.  
É tão rígido e fechado o corporativismo entre os integrantes das instituições militares que, decorridos mais de 40 anos das monstruosidades perpetradas por ditadores sanguinários, e já agora, cessados os embates ideológicos entre capitalismo e comunismo, mesmo assim paira um silêncio cúmplice de vozes que não falam e de mentes que não acusam, numa solidariedade comprometedora, mesmo por parte dos militares que renegam as atrocidades praticadas por seus camaradas.  
Em 1972 no auge das mortes e torturas nas masmorras militares, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, de São Paulo é recebido pelo ditador Médici, numa tarde morna de Brasília. Descortina-se entre um e outro o permanente choque entre os homens pelos turbilhões dos tempos. A força brutalizada e a fé de um justo. Antes que o cardeal começasse a relatar as mortes e torturas, o ditador pronuncia palavras guturais entre os dentes trincados e uiva: “Vá cuidar, senhor cardeal da sua Igreja, que eu cuido do governo”. (Agassiz Almeida). 
Estas são as razões pelas quais não acredito que a intervenção das Forças Armadas no governo político-administrativo do Brasil seja de bom alvitre.

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 4

Intervenção militar:  sim ou não?
Especial para o Humanitas
(CONTINUA NA PÁGINA 5)

A dificuldade de o atual governo federal fazer voltar a crescer a economia nacional, junto com a possibilidade do envolvimento de políticos da base aliada com a corrupção, segundo a Operação Lava-Jato, tem levado um segmento da sociedade brasileira a desejar a intervenção das Forças Armadas.
Tal possibilidade surge como uma solução em face de um Congresso desacreditado, um Judiciário suspeito, e, principalmente, a volta ao poder dos representantes das forças populares, amparados pelas conquistas sociais alcançadas no governo do PT. A questão que preocupa não é a intervenção em si, porém, a dúvida: estaria o militar atual preparado para tal missão?
Tal assunto nos remete para o que aconteceu em 1964, quando os militares, amparados por segmentos da sociedade manipulados pela mídia, pela Igreja Católica e as forças conservadoras tomaram o poder, instalando no país uma ditadura militar que durou 21 anos.
Segundo Agassiz Almeida (A Ditadura dos Generais: Estado Militar na America Latina: O Calvário Militar na Prisão Editora 2ª Edição Rio de Janeiro - Bertrand Brasil, 207) “fomos logrados ao pensar que o Golpe Militar de 64, no Brasil como nos outros países latino-americanos, desfechou-se por imediatas e superficiais motivações políticas de grupos econômicos ou militares; de discurso do Presidente da República em concentração popular, de quebra de hierarquia, de mobilizações políticas como a que se realizou em 13 de março de 1964 na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Ou ainda, de deflagração de greves, como a CGT, na Argentina; de ato de desapropriação, como os das minas de cobre, no Chile, por Allende; ou, afinal, da decisão de um presidente, como a de João Goulart apoiando os marinheiros em greve.
Não. Absolutamente! (Grifo nosso) Os oficiais integrantes da corrente totalitária, inspirados em Carl Von Clausewitz, adeptos da doutrina nazista, aguardavam apenas pretextos para desferir petardos mortais nas instituições democráticas do país, ação consumada, afinal, com o desenlace militar de 64.”
Ainda de acordo com a obra citada, os militares, há algum tempo atrás, já vinham desejando tomar as rédeas do poder, e implantar no Brasil um sistema de governo inspirado na eficiência e organização do Exército Alemão.  
Em 1954, o Presidente Getúlio Vargas fora levado ao suicídio por uma conspiração militar semelhante à que sofreu João Goulart. Vargas que anteriormente governara o Brasil de 1930 a 1945 (os últimos oito anos como ditador), havia voltado à presidência pelo voto popular em 1951.
A atribulada presidência de Vargas no período 1951-54 foi marcada pelo aprofundamento da polarização política. Seu principal apoio político provinha do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado sob a égide do próprio em 1945. Getúlio Vargas lançou um ambicioso programa de investimentos públicos, frustrado pelo insucesso econômico provocado pela vertiginosa queda dos preços do café no mercado internacional e pelo aumento da inflação internamente.
Determinado a executar seu programa econômico nacionalista (como a criação do monopólio nacional do petróleo) e ao mesmo tempo melhorar a situação dos trabalhadores, Vargas, agora um populista, viu-se forçado, em 1953 a adotar um programa antiinflacionário altamente impopular.
No início de 1954, o presidente fez uma proposta de um elevado aumento para o salário mínimo, deixando de fora aumento para os militares.
O Ministro do Trabalho que recomendara o aumento de salário fora João Goulart, um jovem político do PTB, protegido de Vargas, natural dos mesmos pampas gaúchos.
Sob intensa pressão política Vargas demitiu Goulart, porém o problema piorou. Vinte e sete generais lançaram um manifesto exigindo a renúncia do presidente.
Na obra Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985; de Thomas E. Skidmore; Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1988, na parte referente ao Golpe de 1964 (procurando passar neutralidade, o autor prefere citar “Revolução de 1964”) o autor cita os fatos históricos sem nenhuma preocupação com aspectos psicológicos.
Entretanto, ao analisar o processo da passagem de um estado legal para a consolidação de uma nova situação sem amparo constitucional, e a preocupação determinada do marechal Castelo Branco de não consentir no surgimento de caudilhos vindos das Forças Armadas ele registra o antagonismo entre o seu pensamento e os chamados “Generais da Linha Dura”, entre eles o general Costa e Silva, que viria a tornar-se o seu sucessor, endurecendo o regime.
Foram esses generais da linha dura os integrantes da corrente totalitária, adeptos da doutrina nazista inspirada na obra do filósofo alemão Carl Von Clausewitz, o filósofo da Guerra.
Antes de citarmos os nomes desses militares que jogaram o Brasil em uma longa noite negra, cujo amanhecer ainda não nos trouxe o sol da liberdade, vejamos alguns tópicos da doutrina do pensador alemão: 
“A guerra é, pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade.” “Como o uso da força física, na sua integralidade, não exclui de modo nenhum a colaboração da inteligência, aquele que se utiliza desta força e não recua perante nenhuma efusão de sangue ganhará vantagem sobre o seu adversário.”  “Introduzir um elemento moderador na própria filosofia da guerra é cometer um absurdo.” “Conduzir prisioneiros à morte é utilizar a força dum modo mais eficaz.”“A guerra é o ato mais alto da existência humana. Para alcançar a vitória total sobre o inimigo, todos os meios são corretos. Contra o inimigo em guerra, desaparecem os sentimentos da bondade, da compreensão, da justiça e dor.” “Os prisioneiros devem ser mortos como ato de violência necessária.”

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 3

POETA DO MÊS

RAFAEL ROCHA – Jornalista, escritor e poeta. Natural do Recife/PE. Tem sete livros publicados: Meio a Meio (poesias); A Última Dama da Noite (romance); O Espelho da Alma Janela (contos); Marcos do Tempo (poesias); Olhos Abertos para a Morte (romance); Poetas da Idade Urbana (poemas em parceria com os poetas Genésio Linhares e Valdeci Ferraz) e Felizes na Dor – Tributo ao poeta Charles Bukowski (poesias). Foi agraciado pela Academia Pernambucana de Letras, em 1989 e em 2011 pelos livros O Espelho da Alma Janela (Prêmio Leda Carvalho) e Olhos Abertos para a Morte (Menção Honrosa – Prêmio Vânia Carvalho), e, em 1986, pela Academia de Letras e Artes de Araguari/MG com Menção Honrosa pelo seu conto “Grãos de Terra Sobre”.
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Fiar
Jussara Salazar - Curitiba/PR

Remanso de rio esquecido
vens tecer tuas pedras?

Venho fiar minhas águas
Na semeadura da relva

Remanso de rio esquecido
Vens tecer tua brisa?

Venho fiar palavras
No dorso escuro da terra

Remanso do rio esquecido
Vens tecer tuas guerras?

Contra quem hei de guerrear?

Vim pra parir meus filhos
Fiar meus frutos perdidos
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Jeito feminino
Antonio Carlos Gomes - Guarujá/SP

Se muda o mundo
mudando formas
novos contornos
vem destacar.

Como poeta
a velha forma
venho louvar.

Quero mulher
de tom feminino
com graça e beicinho
fingindo chorar.

Que se acomode nos braços
flutue nos abraços
que dou sem parar.

Quero mulher menina
ingênua e vilã
que me beije em carinhos
na flor da manhã
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CARTAS DOS LEITORES

Recomendo o Humanitas para despertar a consciência das pessoas acerca das doutrinas das religiões no mundo. A publicação é um convite para viver uma vida livre de verdade. Repensar, compreender, criticar, questionar dogmas, conscientizar e opinar. O jornal Humanitas conclama em muitos bons artigos um novo Humanismo, Racionalismo, Ceticismo e Iluminismo! Tudo para que as pessoas leiam mais, pesquisem, sejam curiosas e formem a sua própria opinião. Divulguemos este jornal e não ignoremos a sua mensagem como livres pensadores! Décio Schroeter – Porto Alegre/RS

HUMANITAS Nº 58 – ABRIL DE 2017 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Anos tenebrosos - 1964/1985

Nos dois maiores períodos ditatoriais em que o Brasil viveu (Estado Novo-1937/1945) e a ditadura civil/militar (1964/1985), as maiores atrocidades foram cometidas contra os opositores desses regimes.
Com o clichê de proteger a família brasileira da ameaça comunista, a ditadura civil/militar de 1964/1985 torturou e matou sem constrangimento milhares de brasileiros.
O Ato Institucional nº 1, editado em 9 de abril de 1964, legitimou a ilegalidade do golpe e o novo regime ganhou poder para cassar mandatos e abolir de vez a democracia que ainda engatinhava no país.
Ocorreu um grande expurgo com a suspensão dos direitos políticos do presidente eleito João Goulart, de Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Leonel Brizola e outros parlamentares de esquerda que atingiu, ainda, governadores, 50 deputados, 49 juízes, 1.200 militares e 1.400 civis.
A história merece ser lembrada aos jovens de hoje e até àqueles recalcitrantes que acreditam na propaganda tendenciosa da atual Grande Mídia.
Estenderam os tentáculos de uma poderosa máquina de repressão e tortura para além das fronteiras do país, infiltrando-se no Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina, através do DOI-CODI, órgão que recebia grandes recursos financeiros do governo ditatorial.
Este Humanitas, como sempre ligado à verdade dos fatos e à linha de apoio à raça humana e contra todas as formas de desumanidade apresenta, agora, neste mês, páginas dedicadas à lembrança daqueles 21 anos de trevas.
Esperemos que essa calamitosa história não mais se repita para o bem do Brasil e dos seus habitantes, ainda que no dia 17 de abril de 2016, tenha ocorrido outro golpe contra a democracia, agora com o apoio do Congresso Nacional, derrubando uma presidente eleita pela maioria do povo brasileiro e instalando um títere no poder.
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A mentira não tem dia
Ana Maria Leandro – Jornalista – Belo Horizonte/MG

Certa vez, numa enquete jornalística sobre “por que as pessoas mentem?”, uma menina de seis anos me respondeu: “ora... A gente mente porque senão o outro vê como a gente é mal e não vai gostar da gente”. Soube depois pela mãe, que a menina indagada porque dissera isto, respondeu: “mãe, para jornalista a gente não pode mentir”.
Quiséramos nós, jornalistas, que todos pensassem assim.
Todos os acusados negam atos ilícitos. Até marginais em flagrante delito distorcem os fatos, orientados pelos advogados. Um recente mandante de crime já em liberdade, disse que não foi “mandante”, mas sim “conivente”.  Outros acham formas de distorcer a verdade assim: foram fatos alternativos. Aliás essa expressão logo será modelo, para desfazer o dito pelo não dito. Mas, eis a etmologia da palavra mentira.
A palavra *mentionica, vem  do latim do século XI, e teria vindo do baixo latim mentire, remetendo ao latim clássico mendacium, termo ligado à palavra “mens”. A palavra “mens” está na raiz da mentira e significa mente”, “inteligência”,cabeça.(hridiomas.com.br)
Etimologicamente a inteligência faz o indivíduo “criar” mentiras.  Mas já há estudos, de que não é um ato só de pessoas.
Num treinamento, uma fêmea gorila acuada com medo do castigo por ter quebrado uma pia, apontou para um gato, culpando-o. Não houve confissão expressa, claro. Mas ele apontava para o gato.
A vida ensina que a mentira é perigosa e sempre ouvimos que tem pernas curtas.
Por outro lado a sociedade cria armadilhas com preconceitos como homofobismo, gerando medo e mentira sobre a natureza humana.
O projeto de lei 7582/2014 em tramitação na CCJ tipifica crimes desse tipo e outros.
Será, pois, necessário se recorrer à lei para garantir ao indivíduo o “direito de ser o que é”. Enfim, a mentira não é, de maneira geral, uma boa forma de conduzir a vida.
A verdade precisa ser exercida pela própria consciência ética do indivíduo.
A mentira que prejudica o próximo é abominável. A mentira da traição amorosa é uma mentira sobre os próprios sentimentos. Melhor seriam as relações autênticas, com as pessoas livres para encontrarem a verdadeira felicidade.