sexta-feira, 30 de junho de 2017

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA OITO

A ARTE PLÁSTICA DEFININDO A DEPRESSÃO

Vincent van Gogh (1853-1890), neerlandês, foi contemporâneo de pintores representantes do impressionismo, tais como Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin, Edgar Degas e Emile Bernard, recebendo uma grande influência desses mestres, na França. Sua vida foi marcada por um caótico estado de depressão que o levou a se internar em uma clínica psiquiátrica no ano de 1889.
Em várias ocasiões teve ataques de violência e comportamento agressivo. Foi num desses ataques que chegou a cortar a própria orelha.
Seu estado psicológico chegou a se refletir em suas obras. Um ano antes de sua morte as curvas em espiral começaram a aparecer em suas telas  quando estava internado na clínica em Saint Remy, local onde pintou cerca de 150 telas, que depois se tornaram famosas. No mês de maio de 1890 deixou a clínica e voltou a morar em Paris, próximo de seu irmão, mas a situação depressiva não regrediu. No dia 27 de julho de 1890, atirou em seu próprio peito. Foi levado para um hospital, mas não resistiu, morrendo três dias depois. O tema principal de seus primeiros trabalhos é o camponês.
A explosão do amarelo dos seus girassóis mostra um retrato de seu turbulento universo pessoal. Van Gogh intensificou a marca do pincel como recurso expressivo e em seus últimos anos de vida chegou a empregar a tinta diretamente do tubo sobre a superfície da tela, o que ocasionava um espesso impaste de tinta. Aplicadas em cores puras, as pinceladas são justapostas lado a lado, em uma trama que, ao final de sua vida, ganha um ritmo alucinante. São telas expressivamente iluminadas como se ele estivesse a retratar a própria depressão. (Texto de Rafael Rocha)

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA SETE

OUTONO DA VIDA: APROVEITE ESTE BELO ENTARDECER...
Ana Leandro - colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Como a maior corrida do universo, valentes soldados disparam como nunca se viu em competições, para ganhar a grande corrida da vida. Esbarram-se uns aos outros na faina de chegar à frente e desconfio que alguns tentam abalroar o concorrente lateral, para conseguir chegar primeiro.
Sabe-se lá se esse ímpeto de vencer já não estará sinalizando a primeira tentativa do ser humano de “levar a melhor”.
Mas isto não interessa, nessa corrida ganha mesmo quem chegar primeiro. Nascer é a primeira grande vitória da vida.
Se aqui estamos é porque já vencemos a maior corrida da existência. Entre milhares de competidores um ou uns, chegam primeiro. Somos nós esses vencedores...
Passam-se nove meses, e cada minuto é uma transformação. Mas alguns se antecipam. Não tem importância: o esforço maior do ser é pela sobrevivência.
Soltamos o primeiro choro, uma primeira resistência de ter que se virar até para respirar sozinho e uma tapa inicial marca o “cheguei”.
Interessante: é na tapa que aprendemos a respirar. Outras tapas a vida dará, talvez para sairmos da tentativa de inércia às muito maiores exigências que virão.
Saímos da infância ainda sob os cuidados dos pais, mas passa-se pouco mais de uma década, e eis que entramos numa fase, como se montássemos num cavalo de fogo.
Quem está nele tira a paz de todo mundo. Quer descobrir o mundo, quer ter voz própria, quer poder mandar.
Mas como comandar o outro, se nem ao menos ainda aprendemos a nos comandar?
São as angústias da adolescência, quando nos parece termos forças muito acima do que os outros reconhecem.
Nesse impulso do cavalo de fogo alinham-se pensamentos como se a vida não tivesse um tempo definido: “a noite é uma criança”; “hoje eu não estou a fim”; o jovem acha que “todo dia tem amanhã” e pensa que “aprontar” umas aqui ou ali é permitido, porque amanhã é outro dia e “há tempo para mudar”. Aliás, a vida tem um “quê” de eterna...
Com a maturidade o cavalo está começando a reduzir o fogo. Cavalga com mais cuidado. Família para criar; problemas a resolver; trabalho e exigências que se acumulam. Aprendeu que a trilha tem armadilhas e precisa aprender a contorná-las.
Agora já “não se pode perder muito tempo”. Para “não dizer que não falei das flores”, há também o que comemorar: sucessos de herdeiros (são flores, não falemos aqui de espinhos); algumas conquistas difíceis vencidas, lazer, futebol, e comemorações com família e com amigos.
As esperanças continuam, pois os sonhos são necessários, e ai de quem não souber “sonhar” porque isto alimenta a sede de viver.
O futuro já chegou e a vida é mesmo um bumerangue: o que atiramos nos retorna. Independente de sucessos, ou fracassos, todos experimentamos sensações assim.
Importante mesmo é fazer valer aquela corrida inicial. Não fomos vencedores?!
Eis que mansamente, como se fosse um fim de tarde de outono, um sol luminoso desce lento no horizonte.
A caminhada, agora mais calma nos faz sentir como se “tempo não existisse”. Até apreciamos paisagens que antes nem víamos! Chamam de “terceira idade”.
Somos invadidos por uma nova sabedoria obtida na experiência do viver, que, não exibimos como troféu.
Pois aprendemos que o “troféu” é estar bem consigo mesmo e que a vaidade é tola. Os mais sábios sabem que muito pouco sabem, frente à infindável revelação do universo.
A vida de cada um tem um só tempo. É tempo de aproveitar a sensação de paz e harmonia, que antes o coração rebelde não permitia.
Perdem tempo os que vivem a lamentar a vida: ela passa e você é o único responsável pelos atos dessa peça, até que a cortina se feche definitivamente.
E antes que isto aconteça experimente a sensação de sermos autores da música “ando devagar/porque já tive pressa/ e levo esse sorriso/ porque já chorei demais” (Almir Sater e Renato Teixeira).
As saudades do “cavalo de fogo” fazem lembrar as emoções e “se sofri ou se chorei/o importante é que emoções eu vivi” (RC).
Não temos o controle sobre o que será o “depois”, mas o “agora” ainda está aqui e nós o definimos. E o mais importante é termos a competência de ainda apreciar o poente das tardes de outono...

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA SEIS

POR QUE COLOCAR CRISTO ACIMA DA ESPÉCIE HUMANA?
Décio Schroeter é escritor e colaborador do Humanitas . Mora e atua em Porto Alegre/RS

Ele era mais gentil, piedoso e mais modesto do que Buda? Ele era mais sábio e enfrentou a morte com mais calma do que Sócrates? Ele foi mais paciente, mais caridoso, maior filósofo, mais profundo pensador do que Epicuro? De que maneira ele foi superior a Zoroastro? Ele foi mais universal do que Confúcio?
Suas ideias de direitos humanos e de deveres foram superiores às de Zenón, de Elea? Ele expressou maiores verdades do que Cícero? Sua mente era mais sutil do que a de Spinoza? Sua mente era igual à de Kepler ou Newton? Ele foi mais grandioso na morte, e mais sublime do que Giordano Bruno?
Ele foi em inteligência, em força e beleza de expressão, em profundidade de pensamentos, em riqueza de exemplos, em aptidão para a compaixão, em conhecimento da mente e coração do homem, de todas as paixões, esperanças e medos, igual a Shakespeare, o maior da espécie humana?
Se Cristo fosse de fato um deus, ele saberia todo o futuro. Diante dele um panorama surgiria da história por vir. Ele saberia como suas palavras seriam interpretadas. Ele saberia quais crimes, quais horrores, quais infâmias seriam cometidas em seu nome. Ele saberia que as chamas famintas da perseguição subiriam pelos membros de inúmeros mártires.
Ele saberia que “milhares e milhares de bravos homens e mulheres iriam perecer nas masmorras escuras, cheias de medo e dor”.
Ele saberia que sua igreja iria inventar e produzir os instrumentos de tortura; que seus seguidores iriam usar o chicote e a lenha, as correntes e a tortura. Ele veria o horizonte do futuro lúgubre com as chamas dos autos da fé. Ele saberia que seus ensinamentos se espalhariam como fungos venenosos de cada texto.
Ele veria as inúmeras ignorantes seitas brigando umas contra as outras. Veria milhares de homens, sob as ordens de padres, construindo prisões para seus semelhantes. Ele veria milhares de cadafalsos pingando o sangue dos mais nobres e bravos.
Ele veria seus seguidores usando os instrumentos de dor. Ouviria os gemidos dos torturados, veria suas faces pálidas na agonia. Ouviria todos os gritos, lamentos e choros de todos os que sofriam martírios.
Ele conheceria os comentários que seriam escritos em seu nome, com espadas, para serem lidos à luz das fogueiras. Ele saberia que a Inquisição seria instalada baseada em palavras atribuídas a ele.
Ele teria visto as interpolações, os acréscimos, às falsificações que a hipocrisia relataria e escreveria. Ele veria todas as guerras que se desencadeariam, e saberia que em cima desses campos de morte, além dessas masmorras, além desses instrumentos de tortura, além dessas execuções, além dessas fogueiras, por mais de mil anos tremularia a bandeira sangrenta da cruz.
Ele saberia que a hipocrisia vestiria batina e seria coroada, que a crueldade e credulidade mandariam no mundo; saberia que a liberdade seria banida do mundo; saberia que papas e reis, em seu nome, escravizariam almas e corpos dos homens; saberia que eles perseguiriam e destruiriam os descobridores, os pensadores, os inventores; saberia que a Igreja apagaria a santa luz da razão e deixaria o mundo sem uma estrela.
Veria seus discípulos cegando os olhos dos homens, esfolando-os vivos, amputando suas línguas, procurando por seus nervos mais doloridos.
Saberia que, em seu nome, seus seguidores comercializariam carne humana; que berços seriam vendidos e os seios das mulheres ficariam sem seus bebês, em troca de ouro.
E, no entanto, ele morreu com os lábios sem voz. Calado!
Por que ele não falou? Por que ele não disse a seus discípulos e ao mundo: "Não torturarás, não aprisionarás, não queimarás em meu nome. Não perseguirás teu semelhante."?
Por que ele não disse claramente: "Eu sou o filho de Deus." ou "Eu sou Deus"? Por que não explicou a Trindade?
Por que não explicou a forma de batismo que mais o agradava? Por que ele não escreveu suas regras? Por que não quebrou os grilhões dos escravos?
Por que nem mencionou se o Velho Testamento era ou não era um trabalho inspirado por Deus?
Por que ele não escreveu o Novo Testamento?
Por que deixou suas palavras entregues à ignorância, hipocrisia e acaso?
Por que não disse nada de positivo, definitivo ou satisfatório sobre o outro mundo?
Por que ele não transformou a esperança lacrimejante no céu, no conhecimento orgulhoso sobre outra vida?
Por que ele não nos falou nada sobre os direitos humanos, direito à liberdade de mãos e mentes?
Por que ele foi para a morte de maneira dúbia, deixando o mundo à mercê da miséria e da dúvida?
Eu direi a você. Ele era apenas um simples MITO sobrenatural. Nunca existiu!

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA CINCO


PRIMEIRA GREVE GERAL NO BRASIL FAZ 100 ANOS
Rafael Rocha, jornalista e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

Nos primeiros tempos da organização dos trabalhadores brasileiros aconteceu uma greve por aumento salarial e liberdade no estado de São Paulo, em julho de 1917. Várias categorias participaram desse nosso primeiro grande movimento paredista.
A História ainda não trouxe ao conhecimento das pessoas como se desenrolou esse movimento, os motivos, e como a greve deu suporte ao futuro, com a mobilização dos trabalhadores, até o fim da chamada República Velha, no começo dos anos 1930.
O movimento teve forte influência anarquista ainda que os socialistas da época tivessem participado com força total. Essa greve durou três dias e paralisou inteiramente a capital paulista, mas seu participantes sofrem duras represálias por parte das autoridades policiais e do governo.
Durante protesto diante da Tecelagem Mariângela, empresa do grupo Matarazzo, inaugurada em 1904 na Rua Monsenhor Andrade, no bairro operário do Brás, centro paulistano, e tombada em 1992, a cavalaria avançou sobre os operários. No ataque, o jovem José Martinez, 21 anos, espanhol, sapateiro e anarquista, foi morto com um tiro no peito.
Após o enterro de Martinez, o Comitê de Defesa Proletária e dezenas de organizações se reúnem no dia 11 de julho e aprovam uma pauta com 15 itens, exigindo a libertação dos que foram presos durante a greve, garantia de não punição a quem participou do movimento, reajuste salarial, jornada de oito horas diárias, e o fim de exploração de mão de obra de menores e de mulheres no período noturno.
Também foram incluídas reivindicações como redução no preço dos aluguéis e garantia de que inquilinos não fossem despejados. No dia seguinte, 12 de julho, entraram em greve os padeiros, leiteiros, trabalhadores dos serviços de gás e luz.
"A cidade amanheceu sem pão, sem leite, sem gás, sem luz e sem transporte. A atividade industrial foi paralisada. O comércio fechou as portas. Teatros, cinemas e casas de diversão adiaram as programações. O tráfego de bondes foi interrompido. (...) Os paulistanos jamais tinham presenciado um movimento de tal envergadura", narra Christina Lopreato.
Vários confrontos entre grevistas e a polícia foram registrados na cidade. Com a greve deflagrada muitas pessoas morreram em conflitos naqueles dias.
De acordo com o relato de Edgard Leuenroth, tipógrafo e jornalista, condenado naquele ano como um dos articuladores da greve geral, a primeira de que se tem registro no Brasil, o movimento teria atingido 50 mil pessoas, quando a cidade tinha 500 mil habitantes e foi uma "das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo".
Edgard Leuenroth (1881-1968) foi o criador do jornal A Plebe, sob orientação anarquista, que exercia forte influência entre os trabalhadores.
Até hoje existem dúvidas sobre as origens da greve de 1917. Ela foi espontânea ou organizada? Alguns pesquisadores apontam a primeira opção, mas historiadores como Christina Lopreato e Luigi Biondi destacam que já havia uma organização em curso no Brasil.
O mundo sofria novas influências.
Os patrões acataram em parte as propostas que incluíam libertação de presos, direito à associação, esforços contra as altas de preços e falsificação de produtos alimentícios e medidas para evitar trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos. Depois de três comícios realizados na segunda-feira, 16 de julho, no Largo da Concórdia, na Lapa e no Ipiranga, o acordo foi aprovado.
Foi "a primeira grande batalha do trabalho no Brasil", disse o Comitê de Defesa Proletária em manifesto. Se não conseguiram todas as reivindicações (desideratuns, no termo em latim), "ficará como exemplo para todos aqueles que contra o direito à vida da classe trabalhadora até hoje se têm oposto com brutal resistência e violência".
Neste ano de 2017, a luta volta a ser retomada contra o governo golpista, a mídia elitista e o patronato, os quais querem de toda maneira fazer com que o Brasil volte ao tempo do atraso de antes de 1917.

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA QUATRO



O MITO DE ARIADNE

Artigo completo em www.arakenvaz.blogspot.com.br
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Mora em Valença/BA

Sei que o conceito de mito, mesmo sendo muito elástico, é do conhecimento geral. E, embora, um dos papéis do jornalista seja o de educar, além de bem informar, longe deste cronista desejar pousar de professor para os leitores do jornal, pois sou apenas, como disse o compositor popular, um eterno aprendiz”.
No entanto é mister falar que os mitos são elementos subjetivos básicos na formação de quaisquer sociedades. Alguns são belos, frutos da instigante imaginação de muitas gerações; outros são a consequência da superstição e até da pouca escolaridade. (...)
Agora, depois de ter falado de mitos nascidos da ignorância, vamos a outro, nascido de uma bela imaginação. O Mito de Ariadne
Este instigante mito interessa-me sobremodo, particularmente agora, devido ao fio – poderia mesmo dizer que “o liga a uma situação peculiar, senão única” –, uma vez que estamos sempre ligados, desde o cordão umbilical, a algo. Há sempre um fio que nos liga a alguém ou a alguma coisa.
Embora existam várias versões, algumas com desfechos diferentes, não raros com detalhes contraditórios, o fundamental do Mito de Ariadne” (Ariane ou Ariadna, segundo algumas grafias), diz que ela era filha de Minos, rei de Creta.
Ela teria se apaixonado por Teseu, cujo nome significa “homem forte por excelência” – que foi um herói proto-histórico, já que não existem provas que ele teria realmente existido, ainda que alguns historiadores opinem que ele teria governado Atenas, entre 1234 a 1204 a C. –, segundo se vê na Wikipédia. (Internet).
Seria longo reproduzir aqui as peripécias vividas por Teseu, basta-nos, porém, saber que ele seguiu para Creta, disposto a entrar no labirinto onde vivia o Minotauro e matá-lo.
Tendo tido sucesso nesta empreitada devido à ajuda de Ariadne, a qual encontrou uma solução simples para que ele saísse do Labirinto – uma vez que era notório que se entrando lá, nunca se saía –, exigindo apenas, para ajudá-lo que ele se casasse com ela.
A solução consistiu em dar a Teseu um novelo de lã (o fio de Ariadne, até hoje falado, ainda que pouco conhecido em pormenores).
Ele iria desenrolando ao entrar, bastando acompanhar o fio ao voltar, onde ela se encontrava pronta para exigir o pagamento pelo serviço prestado.
Sabendo que irá, uma vez por ele desposada, prestar outros serviços bem mais interessantes e saborosos.  
Ao escrever, usando uma forma até de certa forma jocosa, sobre Ariadne esperando Teseu sair do labirinto, lembro-me de um texto de um escritor espanhol Jorge Semprun (1923-2011), sobre uma situação similar, só que vista do ponto de vista masculino: “Dezessete anos antes, em Roma, ele atravessara o espaço que o separava de Franca. Mas é sempre a mesma coisa. Atravessa-se sempre um espaço: uma rua, um salão, uma galeria de arte, uma floresta, o oceano: a vida, para ir em direção às mulheres. Caminha-se sempre do mesmo modo, com uma idêntica esperança, uma perturbação idêntica: a mesma.”  
Teseu entrou no Labirinto, matou o Minotauro, voltou seguindo o fio, e partiu levando Ariadne.
Poder-se-ia agora dizer, usando do verso da música popular – e voltando, não seguindo o fio de Ariadne, mas a pisar o chão firme da nossa terra, e da nossa narrativa hoje em dia –, que a notícia carece de exatidão.
Não pelas razões contidas na letra da referida música, mas por existir – como já foi dito acima – várias versões sobre o que ocorreu na continuação.
Mas essas versões, para nós, neste momento, carecem de utilidade, porque o que nos interessa é a simbologia contida na alusão ao fio.
Embora já tenha feito alusão ao cordão umbilical – este fio que, ao nos ter protegido e ligado à vida enclausurada do ventre materno, ao ser cortado, ligar-nos-á para sempre a uma família, a qual passará a ser, de forma inexorável, o elo que nos mantém preso a outra forma de vida –, por isso sou tentado a fazer agora uma analogia com outro importante mito grego, no caso o de Odisseu.
Melhor, o de Penélope, posto que esta, esperando a volta do marido, não se sabe por ter apenas esperança de que ele não estivesse morto ou tão-somente o desejo de que ele surgisse assim, do nada, tece uma manta durante o dia, e à noite ela desmancha todo o trabalho realizado.
Até parecia que, sentada em sua casa, tecendo durante o dia, mas desfazendo, durante a noite, o trabalho realizado, no simples gesto de puxar o fio, para desmanchar a urdidura que, uma vez concluída, a uniria fatalmente a outro homem.
Simbolicamente, seria como se Penélope estivesse, não apenas ganhando tempo, como se diz popularmente, para não ter que optar por nenhum dos pretendentes, mas puxando de volta, por aquele tênue fio, o seu marido de volta. Ou seja, fazendo o tempo correr até que ele voltasse.

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA TRÈS



REFÚGIO POÉTICO
Poeta do Mês
Tristan Corbière - chamado Édouard-Joachim Corbière - foi um poeta francês que nasceu em 18 de julho de 1845 na localidade francesa Morlaix (Finiterre) e faleceu no dia 1 de março de 1875 em Morlaix. Foi considerado pelo poeta Verlaine um dos mestres do Simbolismo francês. Teve apenas uma obra publicada, Les amours jaunes, em 1873, livro de poemas em que o lirismo descritivo se une a originais traços presididos pelo sarcasmo, crítica irônica e espírito de rebelião. Sua poética é considerada precursora do Surrealismo. 
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QUANDO FORES VELHA William Butler Yeats 
Irlanda (1865)/Menton, França (1939) 

Quando já fores velha, e grisalha, e com sono,
pega este livro: junto ao fogo, a cabecear, 
lê com calma; e com os olhos de profundas sombras
sonha, sonha com o teu antigo e suave olhar. 

Muitos amaram-te horas de alegria e graça,
com amor sincero ou falso amaram-te a beleza;
só um, amando-te a alma peregrina em ti,
de teu rosto a mudar amou cada tristeza.

E curvando-te junto à grade incandescente,
murmura com amargura como o amor fugiu
e caminhou montanha acima, a subir sempre,
e o rosto em multidão de estrelas encobriu.

CANTOCHÃO 
Rafael Rocha – Recife/PE
 Do livro “Poemas Escolhidos” 

Estou a te olhar
não sendo olhado. 
Estou a te amar
não sendo amado.
 Estou a te sentir
 não sendo sentido.
 Estou a te encantar
 não sendo encantado. 

Meu amor está vivo
em teus outros amores.
Beijarei teu rosto lindo
como a beijar as flores.
Sou um sonho atrevido
amaciando tua dor
até escutar comovido:
- Eu te amo! És meu amor!
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CARTAS DOS LEITORES 
Lendo o HUMANITAS fico a pensar: será o novo Typhis Pernambucano em roupagem de século XXI? Parece uma reencarnação! Luiza Carmelita de Carvalho – Recife/PE
***** 
Pérola rara o HUMANITAS! Maria Lígia de Almeida – Santos/SP
***** 
Após terminar cada leitura deste jornal sinto o quanto faz bem descobrir as mentiras impostas pelos religiosos.  Marina Cintra – Olinda/PE
***** 
Algum articulista poderia escrever algo sobre o que ocorreu de verdade na Guerra do Paraguai? Pedro Ricardo da Silva – Porto Alegre/RS

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PÁGINA DOIS

EDITORIAL

UMA GREVE HISTÓRICA

Julho possui história própria no Brasil para o trabalhador. Tudo porque nesse mês e no ano de 1917 aconteceu a primeira greve geral em nosso país.
Um movimento espontâneo do proletariado paulista que se alastrou por toda a Nação sem interferência direta ou indireta de outros setores da sociedade.
Esse movimento paredista, ainda muito pouco conhecido pelas pessoas e até pelos trabalhadores atuais, começou em duas fábricas têxteis do Cotonifício Rodolfo Crespi, em São Paulo.
Após ganhar a adesão dos servidores públicos, a greve rapidamente se espalhou por toda a cidade, e depois por quase todo o país.
Estamos, neste Humanitas, dando um espaço para esse evento. Para que os trabalhadores de hoje saibam que a luta por melhores condições de vida começou há 100 anos e que, hoje, a classe proletária deve se unir, antes que seja tarde demais.
A Greve Geral de 1917 é o nome pela qual ficou conhecida a paralisação geral da indústria e do comércio do Brasil, em julho de 1917, como resultado da constituição de organizações operárias de inspiração anarcossindicalista aliadas à imprensa libertária.  Essa mobilização operária foi uma das mais abrangentes e longas que ocorreram no Brasil.
O contexto geral da greve nos remete ao período internacional de revoltas e motins que varreram o mundo na segunda parte do ano de 1917, particularmente crítico devido à estagnação causada pela Primeira Guerra Mundial.
No caso do Brasil, o movimento foi a reação operária a um período de aumento das horas de trabalho, da subida repentina dos preços e diminuição drástica dos salários, ou seja, de uma fortíssima piora do poder de compra e das condições de vida.
Como nos tempos atuais, o governo, controlado pelas elites, prendeu e humilhou os brasileiros que aderiram à greve, extraditou muitos estrangeiros, acusando-os de ideologia anarquista.
Hoje, como vemos, a história se repete. Um governo ilegítimo ataca a classe trabalhadora em todos os setores, retirando direitos conquistados a duras penas, com o apoio de parlamentares corruptos, fascistas e entreguistas.
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AFINIDADE
 Antônio Carlos Gomes Guarujá/SP

Afinidade é uma linguagem muda que conecta as pessoas, uma linguagem não presencial, sutil, totalmente sutil, que une os seres.
Se o amor gera a prole e a continuidade da espécie, a afinidade a mantém unida e coesa. O que une uma população independente de sexo é a afinidade. Afinidade prescinde de presença.
É uma linguagem puramente virtual, posso ter amizade com uma pessoa sem conhecê-la, só dos amigos me falarem dela, e ela agir do mesmo modo, ser um amigo desconhecido.
Quando num momento de aborrecimento uma frase proferida, dependendo da referência que tomamos e citada por estes contatos comuns, vai trazer calma e esclarecer o pensar. Não implica obrigatoriamente em conhecimento pessoal.
Ao ler os filósofos mesmo que não tenhamos conhecimento, a palavra deles nos consola, ainda que tenham morrido há séculos. Nossa sociedade muitas vezes confunde afinidade com amor. Afinidade é um amor sim, mas sem desejos sexuais, eróticos, de contato ou de reprodução.
É a forma de amor entre criaturas para que possam viver bem amparando-se mutuamente.
Afinidade é uma linguagem de outro amor.
Muitas vezes pessoas se afastam por não entenderem que a afinidade não tem sexo e o prazer do sexo.
O prazer dela é em outro nível, e também necessário para todos os viventes.
Afinidade não tem raciocínio, lógica, valores, sexo e nem espécie. A afinidade do agricultor com seu cão ou seu burrico; a calma que sente na presença do animal fala uma outra língua.
A afinidade une espécies. Vemos continuamente fotos postadas na internet de animais amamentando crias de outras raças, às vezes inimigas.
Isto é afinidade, o relacionamento da sociedade civilizada ou não, dando coesão a seus elementos para que a continuidade do amor se mantenha após o nascimento.
Amamos sim, nossos amigos e afins, conhecendo-os real, virtual ou só de ouvir falar. Isso é bom, pois aqueles que amamos também nos amam, e esta troca permite que a natureza continue jorrando vida.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

HUMANITAS Nº 61 – JULHO DE 2017 – PRIMEIRA PÁGINA



A ARTE ILUMINADA DE VINCENT VAN GOGH

No mês de julho de 1890, o mundo perdeu o artista das cores em turbilhão. Vincent van Gogh dava, no dia 27, um tiro no peito e morria três dias depois. Autorretratou-se em vários de seus quadros, e vivia sempre em permanente estado depressivo. Veja algo mais sobre ele na PÁGINA 8
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A primeira greve geral de trabalhadores no Brasil aconteceu em julho de 1917. Exatamente há 100 anos. O artigo do jornalista Rafael Rocha, na PÁGINA 5, mostra as causas que deram origem ao nosso primeiro grande movimento paredista
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O escritor Araken Vaz Galvão Sampaio, de Valença/BA disserta sobre o Mito de Ariadne na PÁGINA 4
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Por que colocar Cristo acima da espécie humana? É a pergunta do escritor Décio Schroeter na PÁGINA 6