sábado, 30 de junho de 2018

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PRIMEIRA PÁGINA

CRIMES HEDIONDOS COMETIDOS 
NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR

A historiadora Anne Gicelle Garcia Alaniz, Campinas/SP, fala sobre as crianças e mulheres brutalmente seviciadas, torturadas e mortas, e também recorda os crimes hediondos cometidos na época da ditadura civil/militar (1964/1985) sem que seus autores fossem devidamente punidos
PÁGINAS 4 E 5
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Na PÁGINA 6, o escritor Araken Vaz Galvão, Valença/BA, discorre sobre a sua amizade com a ativista Soledad Barret
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Um resumo da polêmica “bomba” que explodiu nos anos 1950 nas praias e piscinas do mundo civilizado está na PÁGINA 8
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Na PÁGINA 2, o escritor Décio Schroeter, Porto Alegre/RS, disserta sobre o poderoso exemplo humano da superação
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Leiam na PÁGINA 7, mais um texto da renomada jornalista e escritora Ana Maria Leandro, Belo Horizonte/MG

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINA 2

EDITORIAL
Luta contra o fascismo

Estamos vivendo uma nova época.
Dentro dessa nova época vemos renascer o perigo fascista, trazendo consigo a intolerância, o racismo, o ódio, os preconceitos, a violência, a homofobia, o caos e seus afins.
As elites e os partidos de direita, incapazes de impor derrotas eleitorais à esquerda golpeiam a democracia e entram em aliança com os doutrinatários do fascismo, utilizando todas as ações descritas acima como ferramenta de hegemonia.
No Brasil atual existe um fascismo disfarçado de democracia. Os direitos sociais estão sendo sabotados pelo Executivo e pelo Legislativo, recebendo apoio do Judiciário e também da Grande Mídia.
Isso faz parte da ideologia fascista.
E muitos de seus apoiadores aqui em nosso país são governantes, ministros, senadores, deputados, jornalistas, e, ainda, professores e juizes de direito.
Devemos ter muito cuidado.
O fascismo é o cultivo político dos piores sentimentos irracionais do homem: o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o medo.
A luta humanista tem de aumentar a luz de seu farol sobre homens e mulheres.
Os fascistas se disfarçam como donos da verdade e se posicionam lado a lado com as armas da morte, lado a lado com as religiões organizadas, lado a lado com a mentira e com a opressão.
Eles seguem uma perigosa cartilha de manipulação. A cartilha do assassino Joseph Goebbels que dizia: “Uma mentira repetida mil vezes acaba por se tornar uma verdade”.
Os humanistas têm a obrigação de divulgar as verdades e reforçar a luta humana contra essa ideologia nociva, fugindo a todo custo do poder, pois acreditamos que quando o homem persegue o poder, perde a visão de humanismo.
Jamais esqueçamos nosso lema: “nada acima do homem e nenhum homem abaixo de outro”.

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Stephen Hawking: um exemplo de superação

Décio Schroeter – Porto Alegre/RS

Imagine a seguinte situação: você está preso a uma cadeira de rodas e a única coisa que pode fazer para se comunicar com o mundo é mover a bochecha. Assim viveu o cientista mais famoso da atualidade.
O físico inglês Stephen Hawking, como genial pesquisador, conseguia lecionar, escrever livros e calcular a densidade de buracos negros, tudo graças a um sintetizador de voz computadorizado, que interpreta pequenos movimentos dos músculos de sua bochecha, que ele usava até para falar.
O ritmo médio desse processo penoso de escolha de letras é de, aproximadamente, uma palavra por minuto.
E, no entanto, esse ser quase inerte pensava, decifrava complexas equações físicas e formulava teorias sobre a origem do universo.
Contra as previsões médicas, ele se manteve lúcido e produtivo. Sua breve história é, na verdade uma longa e extraordinária história de superação, desafio e otimismo sobre a condição humana.
Stephen Hawking nasceu em 8 de janeiro de 1942, 300 anos após a morte de Galileu, e morreu em 14 de março de 2018 no mesmo dia do nascimento de Albert Einstein
Ele mesmo nos define como “uma mera coleção de partículas fundamentais da Natureza”, mas lembra que temos o poder de buscar sentido para tudo o que existe.
Hawking, ao falar sobre sua vida, refletiu que é um “tempo glorioso para se estar vivo”, e afirmou estar feliz de ter feito uma “pequena contribuição” para o entendimento do universo.
Impulsionados pela curiosidade, adquirimos compreensão melhor do universo, domesticamos animais, atravessamos oceanos, inventamos a roda, edificamos cidades e construímos equipamentos impensáveis, que nos permitem dar a volta ao mundo em minutos.
“Sejam curiosos!”, recomendava o homem que precisava de dois minutos inteiros para dizer isso.
É tempo suficiente para relatar um acontecimento, contar um causo, escrever uma mensagem de amor.
Confio que os crentes no seu criador e na crença mística, que sempre sabem tudo do mundo, não leiam apenas lendas, mitos e “milagres”, mas leiam também assuntos que nos trazem mais provas do nascimento do Universo e usufruam o paraíso que está vivo e presente aqui na Terra.

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO – CARTAS DOS LEITORES – TESTE DE XADREZ

Domínio do espaço
Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Falar
é nomear sentimentos
catalogar objetos

criar arabescos
em formas verbais
separar o bem e o mal.

Balbuciar
amor e medo
delimitando espaços:
- Dizer amo ou odeio
nada mais.

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O sangue das rosas
Abdias da Costa Neves
(1876/1928)
Terezina/PI

Quando sinto cantarem sobre as telhas
o ouro da luz e a voz das madrugadas,
vou ver morrer no céu as irisadas,
pequeninas e fúlgidas centelhas.

Ainda não despertaram as abelhas
para a festa das ramas enfloradas.
Pássaros dormem. Abertas nas estradas,
rosas pompeiam pétalas vermelhas...

De onde lhe vem aquele sangue rubro?
Sigo, pé ante pé, olho e me encubro
nos roseirais e de onde posso vê-las,

E vejo, então, velando o espaço infindo,
aquele sangue vir do céu caindo
pelos olhos de prata das estrelas...

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CARTAS DOS LEITORES

O HUMANITAS é uma publicação muito bem elaborada. Todos os que participam e fazem este pequeno/grande jornal estão de parabéns. Espero que esse jornal se mantenha vivo e impoluto para que a verdade e a cultura alcancem cada vez mais as mentes de nosso povo tão necessitado de conhecimento. Rômulo Joaquim de Oliveira Filho – Maceió/AL

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINAS 4 E 5


A DITADURA E O CORPO FEMININO
Anna Gicelle Garcia Alaniz é doutora em História. Atua em Campinas/SP

Nestes tempos de desinformação criminosa, de ignorância crassa e má-fé ignóbil, nunca é demais redimensionar algumas bobagens que é impossível ouvir calado.
Tenho plena consciência de que os jovenzinhos entre treze e trinta anos que andam por aí pedindo intervenção militar, defendendo a ditadura, o assassinato e a tortura, jamais lerão este texto, até porque talvez lhes falte a capacidade cognitiva.
Mas vá lá, este é um registro que precisa ser feito. Em parte porque vem aumentando as afirmações pueris do tipo “meu avô viveu a ditadura e diz que era ótimo, que só morria bandido e que a família era valorizada e se podia brincar na rua porque não havia violência e tudo era respeito”.
Por onde começar?
Talvez dizendo que seu avô provavelmente é “algum velho reaça” que só lembra daquilo que quer ou que a passagem do tempo selecionou as memórias e destruiu qualquer coerência possível.
Nesse sentido, peço desde já desculpas aos autores e autoras de pesquisas acadêmicas nessa área porque este é um texto que contrapõe memórias e eu vou usar as minhas próprias ao invés da literatura especializada.
Não duvido de que existam trabalhos sólidos sobre o tema, mas creio que para o grande público é muito difícil entender nossas metodologias e abordagens e prefiro ser tosca e direta.
O momento da sutileza e da ironia já passou e pessoas que defendem tortura e assassinato merecem ser defrontadas com a verdade nua e crua.
E a verdade é que quando uma ditadura se instaura (seja ela civil, militar ou invasão estrangeira), a primeira baixa não é a estrutura democrática, e sim o corpo feminino.
Essa entidade quase abstrata que obceca padres, pastores, velhotes e adolescentes e que passa a receber uma carga de violência maior em uma sociedade já machista e misógina.
A sanha dos poderes sociais se volta para regulamentar, constranger, torturar e assassinar mulheres com a conivência do silêncio geral.
A maior parte dos exércitos faz vista grossa aos estupros em tempo de guerra.
É muito raro ver um soldado ser punido adequadamente ou meramente disciplinado quando ataca mulheres, é mais fácil que o saque seja punido porque implica em ofensa à propriedade.
Em muitas culturas ao longo da História, o saque e o estupro eram parte do botim dos vencedores.
E isso acontecia e ainda acontece em muitos locais do planeta porque as mulheres ainda somos consideradas como “posses” e não como pessoas ou cidadãs.
Quando uma facção política qualquer toma o poder e impõe uma ditadura, começa-se por legislar arbitrariamente sobre os direitos reprodutivos, obrigando-nos a submeter o controle de nossos corpos ao pensamento religioso que estiver na moda.
Segue-se a perda do direito à vida, quando um feto passa a ser mais importante do que nós e a partir daí está aberta a temporada de caça para a tortura e morte de mulheres com fins políticos ou sem eles.
A recente ditadura brasileira, que se estendeu de 1964 a 1985, é um exemplo desse tipo de comportamento e quem diz o contrário está mentindo descaradamente.
Este não é um texto para falar de Amelinha Teles, Dilma Rousseff, Inês Romeu e outras centenas de mulheres barbaramente seviciadas e torturadas e outro mesmo tanto que depois foram assassinadas.
O objetivo deste texto é deixar claro como era ser uma menina nos anos 70, quando os predadores agiam com o aval e o silêncio do Estado.
Quando uma menina de doze ou treze anos, que ia a pé sozinha à escola ou à padaria, era obrigada a ouvir assovios e palavreado chulo e ordinário ao passar perto de oficinas, bares e construções. E muitas vezes nem tinha coragem de contar aos pais, de medo que dissessem que a culpa era nossa.
Aos que dizem que as crianças podiam brincar nas ruas livremente, eu sempre pergunto: “quais crianças e em quais cidades?”
Em cidades grandes, o trânsito já impedia todo esse bucolismo saudosista, em cidades pequenas, meninos podiam brincar na rua, meninas nem sempre.
Em parte porque às meninas mais pobres ou remediadas já muito cedo era imposta uma cota de trabalho doméstico, em parte porque não era considerado que a rua fosse um local respeitável para o gênero feminino em geral (clara herança do pensamento colonial e patriarcal) e em parte porque todos sabiam que os perigos espreitavam.
Historicamente, meninas pobres sempre foram objeto de recreação para jovens endinheirados e as sociedades silenciaram diante do poder e do dinheiro das famílias importantes. Então, quando alguém lhe disser que na época da ditadura se respeitava a família, convém perguntar: “a família de quem?”
Certamente não era a das meninas sequestradas, abusadas, assassinadas e jogadas em matagais ou valetas.
“Lado a lado com a lista das militantes seviciadas, torturadas e assassinadas pelas “operações táticas” das forças de repressão (que muitos defendem e justificam demonizando essas militantes como terroristas), podemos fazer uma lista muito maior de meninas, jovens e mulheres igualmente barbarizadas e assassinadas por agentes sociais dos mais variados, que desfrutaram da mais absoluta impunidade ao tempo dos militare”.
“Araceli Cabrera Sánchez Crespo, Cláudia Lessin Rodrigues, Ana Lídia Braga, Ângela Diniz” são nomes de vítimas que você pode acessar facilmente hoje através de seu teclado e descobrir o nível de impunidade que o dinheiro dos apoiadores da ditadura conseguia para seus filhos cocainômanos e bêbados.
Outras vítimas jamais alcançaram notoriedade na imprensa e também não conseguiram justiça.
Eu mesma estudei com uma menina em São Paulo, cuja mãe precisara fugir de uma biboca qualquer no interior porque o marido (de família importante e poderosa) bebia sem controle e a espancava até quebrar ossos.
Então não me falem sobre respeito e família durante a ditadura porque isso é muito mais do que hipocrisia.
Não me venham com relatos idílicos de um país com “ordem e progresso” porque essa ordem foi pavimentada com cadáveres de militantes e de anônimas de todas as idades.
E o progresso se baseou na exploração de pessoas como meu pai, que fazia jornadas de doze horas por dia (uma semana de dia e outra de noite) em uma conhecida indústria têxtil, sem jamais receber uma única hora extra e sem sindicato ao qual recorrer.
Porque as ditaduras são assim.
Oferecem todo tipo de benesses para os que as apoiam e para o resto da população resta a perda de direitos e o total desrespeito à vida.
E se isso aconteceu na cara dos seus parentes e eles nem perceberam, talvez você deva se perguntar o porquê.
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Texto extraído de: https://compartilhandohistorias.wordpress.com/2018/05/30/a-ditadura-e-o-corpo-feminino/

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINA 6

Soledad também é igual à saudade
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

Sem embargo, falando de exílio – esse ferrete que queima ad perpetuam” a alma daqueles que sonharam (sonham?) com um mundo menos injusto – lembrei-me de pessoas as quais nele conheci.
Foram várias.
Mas aqui desejo falar de uma só pessoa. Uma mulher.
Seu nome: Soledad Barret.
Foi o Eduardo Terra diretor da Cinemateca do 3º Mundo e que era o que hoje chamam de promotor cultural quem a levou a minha casa, em Montevidéu.
Morávamos, minha mulher e eu, “en Acevedo Díaz, casi Rivera”.
Nossa filha – Márcia – acabara de nascer.
Terra foi muito previdente. Soledad, mesmo sendo paraguaia, era muito conhecida no Uruguai, nada mais seguro do que hospedá-la na casa de um não uruguaio. Um estrangeiro que, mesmo sendo visado por ser exilado, nada sabia sobre ela.
Ademais, para mim, Soledad foi apresentada com o nome de Alicia, de nacionalidade argentina.
Muito tempo depois, bem mais tarde, quando ela foi assassinada no Nordeste do Brasil, é que soube um pouco quem era Soledad Barret.
Seu pai, um dos mais importantes líderes da esquerda paraguaia – quiçá o mais importante em sua época – viveu muitos anos exilado em Montevidéu.
O Uruguai era um país de situação econômica bastante favorável, logo, podia se dar ao luxo de tolerar uma liberdade a qual nem mesmo os próprios uruguaios sabiam que existia.
Não sei se por suas atividades como estudante, se pelo passado do seu pai ou se, ainda, pelas duas coisas, certa feita Soledad foi sequestrada por um grupo da direita uruguaia em um episódio em que se fez muito rumor, ficando alguns dias em cativeiro privado.
Ao ser libertada tinham-lhe tatuado uma suástica no glúteo.
Nessa época – claro! – eu não estava no Uruguai.
Esta ocorrência, ao que me consta, nunca foi desvendada, embora todos em Montevidéu soubessem de sobejo quais foram os autores daquela infâmia.
Ademais, sabia-se que elementos da polícia estiveram envolvidos no fato.
Tudo isso fazia de Soledad pessoa muito conhecida no Uruguai, ainda que já tivessem passado muitos anos e as modificações em relação ao físico de uma adolescente e o de uma mulher madura – que Soledad já era – fossem evidentes, justificavam a prudência do meu amigo Eduardo Terra.
Falando assim, jamais serei compreendido. Soledad era, já naquela época, uma lenda vida, não só pela importância do seu pai, mais por sua participação política dentro da esquerda paraguaia e de outros países da região. Eu de nada disso sabia.
Sendo natural do norte argentino e chamando-se Alicia, Soledad passou alguns dias em minha casa.
Uma imagem sua, que nunca esqueci – e jamais esquecerei –, foi a dela embalando minha filha, Márcia, recém-nascida, cantando uma canção, quase gutural, em um idioma estranho.
Quanto lhe indaguei sobre a música e o idioma, ela, talvez se traindo pela emoção maternal revelada de forma tão imprevista, disse-me:
– Es una canción de cuna guaraní.
Ao que eu, também emocionado, lhe perguntei:
– Entonces tu sois paraguaya.
Ao que ela, retomando o seu equilíbrio emocional.
– En el norte de Argentina también se habla guaraní.
Fizemos certa amizade. Soube mesmo que ela iria entrar no Brasil para cumprir tarefas revolucionárias e, ademais, encontrar-se com um grande amor que a vida lhe revelara em Cuba. Um brasileiro.
Nunca soube o nome desse amor. Ou melhor, soube mais tarde e de forma dramática, “mejor dicho”, trágica. O famoso “Cabo” Anselmo, era o homem por quem ela estava apaixonada e que participou de sua morte.
Poucas são as pessoas, a julgar pelo silêncio que impera em relação ao seu nome, que a conheceram e privaram de sua companhia no Brasil, até mesmo porque todos os seus companheiros de lutas políticas foram assassinados.
Mas o condenável silêncio que embala sua memória, não me impede de escrever, como o fiz no meu romance, que “[...] descobri, embora tardiamente, que a etimologia também tem suas armadilhas, Soledade e saudade nasceram da mesma raiz: solitade, através do arcaico soidade...”
Ou seja, dizer que só posso concluir que Soledad também é igual à saudade.

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINA 7

Brasil! Queremos a Paz”!
Mas como encontrar?
Ana Leandro – colaboradora do Humanitas - é escritora e jornalista.
Atua em Belo Horizonte/MG

Pergunte a qualquer cidadão, a qualquer responsável por família, a qualquer amigo, conhecido ou passante o que ele mais almeja na vida e ele responderá: “Paz!”
De fato, mas a “Paz” é o somatório de todas as demandas da vida: uma carreira profissional estável; a adimplência de suas próprias contas, a qualidade de vida e condições de cuidados com a saúde; uma condição digna de moradia; a educação plena dos filhos...
Até o pior dos bandidos, se você perguntar que futuro ele quer para os filhos, não é sua própria marginalidade. Nela entrou com esperança de que o futuro dos descendentes pudesse ser diferente.
Entretanto essas são as garantias “constitucionais de uma democracia!”
Em matéria postada no “Global Voices” em setembro de 2012 (Brasil: reflexões de um país em busca da Paz)”, lemos; “o Brasil aparece na 83ª posição entre as 158 nações listadas na edição 2012 do Índice Global da Paz, tendo caído em 9 posições em relação ao ano anterior”.
A mestra Natasha Romanzoti  diz que: “historicamente, não nos envolvemos em muitas guerras, porém nossa violência interna é suficiente para não deixar o país subir muito no Índice”... 
Que espécie de ódio de classes é esse que impera entre nós?!
Tudo tem sua história.
A Abolição da Escravatura, por exemplo, foi um Decreto de Interesse Oficial, não uma consciência humana do absurdo do Processo Escravocrata.
A Princesa Izabel a editou na ausência do pai Pedro II (que estava em viagem) devido à ação de Movimentos Abolicionistas que a pressionavam.
A edição da Lei, porém, fez com que o tiro saísse pela culatra: os proprietários de escravos, não tendo sido ressarcidos pela perda dos escravos, apoiaram a Proclamação da República no ano seguinte, diz o professor de História, Celso Idamiano, no artigo de maio corrente “Cinco mitos e verdades sobre a Abolição da Escravatura no Brasil” ( Jornal Hoje em Dia”).
Isso nos mostra que nossa República teve raízes abaladas e estruturou-se no ódio de classes. Fantasma esse que nos persegue na concepção de uns se julgarem “melhores”, acima de qualquer crítica e com direito a “uma vida melhor que os demais” (seus subalternos de origem); e com “Privilégios e “Fóruns Especiais”.
Tudo no mascaramento de interesses, por detrás das letras constitucionais.
Até hoje nos pesa essa mancha cultural, que se alastra para outros preconceitos que se exibem nas questões das diferenças sociais e de castas, de sexo e de gênero e todos os fatores que, segregando ou excluindo pessoas, formam a rede que obscurece as raízes e ainda a cultura remanescente, em nossa união interna.
A maior dificuldade para se eliminar o efeito de uma origem é o conhecimento mistificado e distorcido de suas causas.
O Brasil (e isto significa nós, povo brasileiro) precisa se enfrentar no espelho e encarar suas reais mazelas. A elevação da escolaridade tem de deixar de ser assunto de “comerciais governamentais” e abranger toda a população de fato.
As mudanças estruturais necessárias, somente acontecem com esse enfrentamento. Precisamos de mudanças sólidas em nossa estruturação política e social.
E quem realiza mudanças são “pessoas”. Pessoas essas que precisam também olhar para si mesmas e identificar quais são suas próprias distorções de vida.
O famoso “jeitinho brasileiro se impregna nos comportamentos individuais que, somados, formam uma verdadeira quadrilha para solucionar de qualquer forma um problema, desde que os envolvidos tirem vantagens”.
Não foi “de repente” que descobrimos que a enorme corrupção alastrou-se pelas lideranças e suas assessorias em todas as instâncias.
Eles o fizeram porque “nós permitimos e os levamos ao poder”. Por isso se julgaram naturalmente com mais direitos do que o “resto”.
Sabíamos disso, mas aos poucos fomos nos acostumando a considerar pelo menos “quem rouba, mas faz”...
Não é um problema de décadas. É um problema de mais de quinhentos anos. Enquanto isso, vamos alastrando o país na pobreza, conforme nos indica o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), num percentual de 25,4% da população na linha da pobreza (pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 – SIS 2017).
Como é possível ter Paz”  num país imerso nesse cenário, num sentido sociológico humano?
Não adianta darmos uma de “bonzinhos” e corrermos para dar “esmolas aos pobres”. O ser humano recebeu a vida, para merecer mais que esmolas. E cada um tem um papel na resolução desse quadro. Não é possível ficar inerte à continuidade dessa herança.
 “Paz” é muito mais do que apenas um sentimento emocional, ou de exibição de solidariedade.
A construção da verdadeira “Paz” é coletiva, pois somos uma nação! E a vida exige isso de todos nós.

HUMANITAS Nº 73 – JULHO DE 2018 – PÁGINA 8

A bomba que explodiu nos anos 1950
Especial do Humanitas

Não pensem os leitores que essa bomba foi a que explodiu no atol de Bikini, no Oceano Pacífico. Essa bomba é outra. E para nosso deleite, muito melhor de se ver nas nossas praias e nas nossas piscinas nos corpos de belas mulheres.
Apesar de ter causado muito desconforto e ter sido vítima de preconceitos os mais diversos, essa peça de roupa feminina é atualmente vista como algo muito comum. Hoje, ver uma mulher de biquíni na praia não causa estranhamento. Mas essa peça teve uma origem cheia de polêmica e controvérsias.
No início do século XX, o traje de banho feminino era muito conservador e estava ligado aos padrões da época.
Mostrar um pouco do corpo era uma ofensa para a sociedade e quem usasse pouca roupa podia até ser preso.
Em julho de 1946, os EUA testaram uma bomba de hidrogênio na ilha Namu, no atol de Bikini, no Oceano Pacífico.
E ainda nesse ano Louis Réard – engenheiro francês, que na época administrava a loja de lingerie da mãe em Paris – apresentou duas peças pequenas de roupa, promovendo-a como “o menor maiô do mundo”.
Ao mesmo tempo e sem saber, o designer de moda Jacques Haim estava trabalhando num design semelhante. Réard chamou sua invenção de biquíni por causa dos testes nucleares no atol de Bikini.
Ele pensou que todos ficariam chocados com a exibição ousada de curvas e umbigos.
Estava certo. Durante muitos anos, o biquíni causou mais surpresa que qualquer um dos testes nucleares feitos pelos EUA e pela União Soviética.
A piada na época era que o biquíni “dividiu o átomo”. Depois da explosão do biquíni na cena da moda, o mundo nunca mais foi o mesmo.
Em 1951, no entanto, a polêmica peça de banho foi vetada No primeiro concurso Miss Mundo, realizado no ano de 1951, em Londres, foi proibido o uso do biquíni, mas, a seguir, a atriz e modelo francesa Brigitte Bardot mudou todo o cenário.
Ignorando a proibição e os comentários negativos sobre o biquíni, Brigitte Bardot foi à praia vestindo um minúsculo traje de banho de duas peças durante o Festival de Cinema de Cannes, em 1953, e terminou sendo considerada a responsável pela aceitação do biquíni pela sociedade.
Depois que ela usou a peça, as vendas dispararam e o biquíni começou a ser usado em massa.
No entanto, não há nada que seja novo debaixo do sol. É bom recordar que essa veste de duas peças já era usada no mundo greco-romano, no terceiro século antes da Era Comum.
Um mosaico, descoberto em Villa Romana del Casale, na Itália, prova isso. Seus milhares de ladrilhos coloridos mostram mulheres praticando esportes e se exercitando na praia, vestindo duas peças.
Este não é o único registro do biquíni nessa época. Em Pompeia, também na Itália, arqueólogos descobriram várias estátuas da deusa Vênus vestida de biquíni.