quarta-feira, 2 de outubro de 2019

HUMANITAS Nº 88 – OUTUBRO DE 2019 – PÁGINA 5

O despertar da África IV
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

A África atravessou toda a primeira metade do século XX, sem grandes modificações em sua situação política. Curiosamente, foi o fim da II Grande Guerra quem criou as condições que permitiram o início do processo que foi chamado de descolonização. É verdade, porém, que ao término da I Grande Guerra algumas modificações surgiram no mapa africano, entretanto essas modificações diziam respeito aos interesses das potências europeias, uma vez que a Alemanha perdera suas colônias, e isso significou apenas, para os africanos, a mudanças de amo.
Mas, como as conseqüências da II Grande Guerra influenciaram na África, uma vez que as potências europeias – Reino Unido, França e Bélgica – tinham saído como vencedoras? Os fatores foram vários. Vamos aos principais. Os países coloniais tinham sido vergonhosamente derrotados – com exceção do Reino Unido, que apenas ficara de joelho –, frente a Alemanha de Hitler, e só saíram vendedores graças a aliança com Estados Unidos com a União Soviética. A França e o Reino Unido tiveram ainda que lançar mão de soldados recrutados entre os povos colonizados – leia-se, entre os cidadãos de segunda classe, como eram considerados os africanos e demais filhos daqueles povos –, evidenciando, dessa forma, que eles não eram invencíveis.
Embora aliados dos Estados Unidos, a este país não interessavam colônias, e sim nações nominalmente independentes (tipo a Libéria) que ficariam a mercê dos poder econômico daquela potência que saíra da II Grande Guerra como a principal do planeta, a quem a própria Europa – países vencedores e vencidos – ficaram subordinados.
Sucedia em pleno século XX, algo similar ao que se dera com os países das colônias portuguesas e espanholas no século XIX, na América, que contara com a simpatia da Grã-Bretanha, em suas lutas pela independência para se tornarem dependentes economicamente daquele país, então o mais poderoso do mundo.
O último, dos principais fatores, tinha um lado negativo. Para derrotar os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – foi fundamental a participação da União Soviética, que saíra daquela guerra como a segunda maior potência do planeta. Mas com sérias veleidades de ser a primeira. Se a propaganda dos Estados Unidos falava em liberdade, mas uma liberdade etérea, patrocinada pelos países que tinham sido os senhores das colônias, a soviética falava em libertação dos povos tendo esses mesmo povos como protagonistas da sua liberdade. Somava-se a essas proposições ideologias, a presença dos países não-alinhados – que Índia, Iugoslávia, Indonésia e Egito eram os principais – pregando a não aliança automática nem com os EUA, nem com a União Soviética.
Dentro desse quadro, com ambas as potências vencedores da II Grande Guerra lutando por influenciar o processo de libertação nacional dos povos africanos, contando ainda com a influência dos países não-alinhados, que procuravam novos adeptos para reforçar a posição do grupo, deu-se todo o processo de libertação nacional dos povos colonizados.
Esse conflito de interesses políticos entre as duas maiores potências mundiais, foi chamado de Guerra Fria, do qual os conflitos relacionados com a descolonização foram apenas uma pequena parte.
Por outro lado, o processo de libertação dos povos colonizados, do ponto de vista ideológico recebeu uma acentuada influência das idéias da esquerda, com maior ou menor participação da União Soviética e alguma influência da China.
O movimento que recebeu em sua ocasião maior repercussão na imprensa ocidental foi o dos Mau-Mau, no Quênia, liderados por Jomo Kenyatta.
Região conhecida pelo homem desde épocas imemoriais, o que hoje é o Quênia foi dominada, por volta do século VIII, da era cristã, pelos árabes. Os portugueses, ao conquistarem Mombaça, em 1505, expulsando os árabes, tornaram-se os senhores da região. No final do século XIX, porém, os britânicos, sob o pretexto de acabar com a pirataria, apoderaram-se de toda a região.
Estavam assentados ali desde o século X os bantos, entre eles os kikuyu, que viviam no interior, e os massais (povo nilótico) que vivia (e ainda vive) próximo à fronteira com o que hoje é a Somália. Os alemães foram os primeiros europeus a se fixarem na região, o fizeram entre os povos da tribo manyika, isso por volta de 1848. A construção de uma ferrovia, ligando o porto de Mombaça e as férteis terras do lago Vitória (concluída em 1902), o que facilitou pois abriu as portas à dominação britânica. Em 1920, reafirmado o domínio da Grã-Bretanha, o Quênia foi transformado de colônia em protetorado.
A partir de 1921, surge a Associação Central dos Kikuyu, (reformulada em 1925), que passou também a reivindicar participação no poder. 
Neste contexto que surge a rebelião dos Mau-Mau, que teve a participação majoritária dos kikuyu e que foi liderada por Jomo Kenyatta, que se transformaria em uma guerra prolongada (de 1952 até 1960), resultando na independência em dezembro de 1963. Jomo Kenyatta, que até então chamado de terrorista pela imprensa ocidental, foi o seu primeiro presidente.

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