quinta-feira, 1 de maio de 2014

Nós e os nossos preconceitos

Texto de Jorge Oliveira de Almeida – Rio de Janeiro/RJ – Publicado no HUMANITAS nº 22 – Página 7 – Maio/2014 

A pior forma de preconceito é a religiosa, porque leva as pessoas a se matarem na disputa pela superioridade de seus deuses
Preconceitos todos nós os temos não porque os desejemos, mas porque vivemos em um determinado grupo ou sociedade, e estamos adstritos a imposições e limitações de ordem moral, política, social, jurídica e religiosa, consequências da tradição e da cultura acumuladas durante anos.
Não se trata de aqui julgar se tais restrições são boas ou más. Ao nascermos as adquirimos sem pensar e não podemos nem imaginar que tal fato tenha-nos ocorrido de boa ou má vontade, porque isto ocorre de forma inconsciente, faz parte do processo de evolução da sociedade.
É claro que algumas sociedades evoluem mais e outras menos, mas aí já é outra questão. Não vamos entrar no âmbito de querer determinar se é o homem que modifica o meio ou se é este que o modifica. Deixemos isso para os filósofos ou para os revolucionários de plantão.
A origem da palavra "preconceito" já nos dá a diretriz quanto ao entendimento de sua atuação: trata-se daquele conceito ou daquela ideia que nos foi legada em época anterior ao desenvolvimento de nossa mente, ou seja, algo que nos foi transmitido pela família, ou pela sociedade, ou pela Igreja, com base nos valores éticos, morais e religiosos vigentes até aquele momento.
O preconceito se estabelece de forma inconsciente (pois foi adquirido), mas se manifesta de forma consciente, sempre que os valores que nos foram passados são julgados ameaçados.
O homem age conscientemente porque tem discernimento, mas se perguntarmos a alguém porque praticou determinado ato preconceituoso, talvez ele não possa responder.  Essa pessoa age consciente, inconscientemente.
Não é comum vermos uma pessoa alta casada com uma baixa, nem uma muçulmana casada com uma católica, nem uma religiosa casada com uma sem religião.
As pessoas integrantes de um grupo ou sociedade não são normalmente julgadas por seu caráter, mas pelo que podem contribuir para o desenvolvimento ou pelo menos para a manutenção da ordem e dos costumes vigentes, mesmo que possamos julgá-los imorais.
A hipocrisia é a célula mater de uma sociedade. Sem hipocrisia não existe sociedade.
Atualmente existe uma certa aceitação das opiniões que não nos convém, mas é sempre camuflada, de forma a fazer parecer que sabemos compreender aquelas pessoas que não compartilham com a nossa forma de pensar ou agir. "É só para inglês ver". 
Agimos como se quiséssemos demonstrar um para o outro que somos melhores do que ele, como se quiséssemos dizer: “você é preconceituoso, mas eu não sou!” 
Se não existissem preconceitos as sociedades seriam mais uniformes, porque a união de pessoas com diferentes características levaria a uma uniformidade que não existe, porque, como resultado dos preconceitos, cada membro de um determinado grupo ou sociedade procura preservar os seus valores; assim sendo, essa uniformidade que seria desejável só será alcançada no final dos tempos - sabe-se lá quando!
A pior forma de preconceito é a religiosa, porque leva as pessoas a se matarem na disputa pela superioridade de seus deuses.
A ânsia que tem o homem de querer sobreviver à morte, inevitável para todos nós, de querer encontrar a felicidade num outro mundo de ilusões, de querer se fazer digno perante os seus deuses para chegar ao Paraíso ou ao Nirvana, ou seja lá onde, leva-o a menosprezar seus semelhantes que não comungam de suas mesmas ideias religiosas. Se não existissem religiões não haveria deuses, ou vice-versa, e os homens poderiam entender-se muito melhor. Não estariam a matar-se, como hoje ainda acontece.
O radicalismo não sobrevive sem preconceito. É a base de sua estrutura. O radical vê a outra pessoa que não participa de suas ideias como um inimigo em potencial, que precisa ser extirpado, se necessário for (claro que em sua forma negativa de ver as coisas). O preconceito religioso, e por extensão, o de ordem sexual, é fomentado pelas Igrejas, que no afã de impor suas ideias retrógradas, incentivam os fiéis a manifestarem-se contra qualquer mudança de ordem social ou política, impedindo-os de serem os donos de seus próprios corpos e de suas próprias mentes.
Os representantes das Igrejas, seres abjetos que não estão preocupados com o bem-estar de seus fiéis, senão com os seus próprios, levam-nos a estigmatizar os portadores de doenças sexualmente transmissíveis, o que faz com que esses sofredores ainda tenham de sofrer a repulsa da sociedade.

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