terça-feira, 27 de maio de 2014

Cidadão ou patriota?



Texto de Manfred Grellmann – Camaragibe/PE
Especial para o HUMANITAS de junho/2014
Cidadania, esta corruptela da palavra cidadão, vem sendo usada de forma  mal intencionada nas últimas décadas. Qualquer atitude, por mais insignificante que seja, mesmo aquelas que são “obrigações tácitas” de um indivíduo convivente de uma sociedade, logo faz aparecer uma voz com o qualificativo: é uma  atitude cidadã. Quando se trata da imprensa, esta esbanja e exorta qualificações cidadãs, o que a fez ser responsável pela supressão  do adjetivo “patriotismo”. Patriota e patriotismo passaram a ser palavras malditas.
Ora, um país organizado, cuja “educação efetiva” forma indivíduos conscientes de seus deveres, de seus espaços e, PRINCIPALMENTE, impregnados de espírito coletivo, construtivo  e edificante de seus bens, enfim, de sua casa e de sua terra, o termo “cidadania” é desnecessário. Isso porque todos os exemplos de ações de grandeza e cultura, que permitam chamar um conjunto de pessoas “de nação”, que comungam dos mesmos costumes, habitante de uma terra na qual vivem e constroem sua sociedade, por consequência, tal  lugar  não pode ser qualificado de outra forma senão como  PÁTRIA. Todo trabalho e prática cultural de um indivíduo realiza-se em um lugar onde nasceu, ou aquele que  elegeu  para viver e construir sua vida e de seus descendentes. Não há quem não  sinta orgulho do que construiu, edificou e do ambiente que lhe permitiu fazê-lo.
A identificação do sentimento: esta é minha terra, aqui amo viver, define uma PÁTRIA. Mas, para argumentar sobre tema tão polêmico, senão até bastante sensível, é de bom alvitre recorrer ao dicionário. Se não, vejamos o que nos diz o Houaiss da língua portuguesa. “Pátria - 1.País em que se nasce e ao qual se pertence como cidadão; terra, torrão natal; 2. Parte do país em que alguém nasceu; terra natal; 4. local de nascimento de um grupo ou de um fato que interessa a uma coletividade, ou que se destaca pela existência de um grande número de coisas de uma espécie determinada; berço”. 
Ora, antes de ser cidadão se é “patriota” por ter nascido em uma terra, em uma parte de um país. Pátria vem de Pai, assim como patriarca; pessoa mais velha que se respeita, obedece, venera e tem grande família, comunidade, coletividade. “Cidadão” é algo totalmente secundário que apenas qualifica um elemento participante de um grupo social. Pode-se ser cidadão de todos os lugares, inclusive do mundo. É uma designação vazia que nada diz sobre as qualidades do indivíduo. Ser patriota define um pertencimento a um lugar, a um grupo social e não a vários lugares, porque a vida só é uma. Imigrantes adotaram, por motivos vários, uma nova pátria.
Indivíduos que se intitulam cidadãos do mundo, são aventureiros ou ainda são carregados de egoísmo, que os faz construir somente para eles mesmos. Nesta era de ouro do capitalismo selvagem isto é uma marca, onde o empurrar de fortunas, pirataria e saque oportunista, até ao toque de teclas de um país para outro, contribuem para uma erosão sem fim de recursos e desmantelamento de culturas. A expressão cidadão”, com o sentido como está sendo usada, é semelhante a chamar uma mulher de prostituta. Pode ser de todos! Eu posso ser cidadão de todos os lugares e situações e nada acrescentar de construtivo para esses lugares. Mas só posso ser patriota de um ou dois lugares. Ser patriota pressupõe que há um patrimônio cultural, uma responsabilidade, uma obra! É um denso entrelaçamento psicoemocional, ambiental, ecológico, cultural e material  integrando pessoas. É tipicamente o lugar onde foram criadas as raízes.
Um pequeno exemplo de pátria é a construção longamente planejada de nossa casa. A construímos segundo nosso gosto e posses e, tijolo após tijolo, vamos erguendo também um patrimônio emocional que está fundamentado na terra (bairro, cidade, país) e cultura coletiva. O esfacelamento da família, “a célula do corpo social”, pelo mundo capitalista, gerador do descarte, da indiferença com o bem-estar alheio, cuja “aparente” preocupação está baseada apenas no lucro, é uma realidade perversa que não tem mais retorno. A doença desse corpo social nem pode ser chamada de câncer ou outra doença qualquer. É o puro apodrecimento, cujos restos terão mau cheiro pelos milênios. O que a natureza  produziu foi um ser completamente sem capacidade de criar uma sociedade com sustentação perene. Sem tecnologia ela sobreviveu. Mas ao descobrir a tecnologia selou seu destino, paradoxalmente, em vez de torná-lo mais duradouro e melhor.
O que habita os subterrâneos  desta questão é a necessidade de suprimir, quebrar o amor à terra pátria, transformando o nativo em um sujeito sem valores culturais próprios ou  desejo de defender o que lhe pertence. O discurso da globalização é justamente a ferramenta para implementar este estado de desapego total. Isto acontece através da desculturação pelas inúmeras teorias, filosofias, escola materialista e expressões artísticas da pior qualidade. Enfim, uma panela em que todo mundo mete a colher e quanto mais estragado ficar o angu, melhor para  se transformar em porteira aberta para os famigerados interesses  alienígenas  capitalistas praticarem o saque e o roubo,  sem resistência!

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