quinta-feira, 22 de maio de 2014

Futebol é uma ferramenta lúdica para compreensão da nossa época



Texto de Pedro Paulo de Lacerda e Silva – Brasília/DF
Especial para o HUMANITAS de junho/2014

Uma forma de espetáculo, competição, celebração da vida, ritual de sonhos, catarse coletiva todas essas palavras podem servir para definir o esporte denominado futebol. E tudo pode ser misturado num molho primordial de tantas que são as dimensões entrelaçadas a formar um amplo mosaico global. O futebol também serve como ferramenta para compreensão de nossa época. Esse esporte está inserido na cultura de todos os povos da Terra, servindo como apoio e divertimento.
O futebol é um só. Ainda que as regras, o palco do espetáculo e o seu repertório sejam iguais e comuns, na realidade cada sociedade tem o seu modo próprio de competir. Inclusive de torcer pelos seus clubes e por suas seleções. Tudo isso resulta que cada sociedade, cada país tem sua cultura diferenciada umas das outras. E é nesse espaço que o futebol ganha uma dimensão especial a interligar e irmanar essas culturas.
Acreditamos que seja uma bela experiência, uma experiência única e reveladora abordar o futebol como fenômeno cultural, desde que o coloquemos em ligação direta com os signos e expressões artísticas tanto de nosso país como do restante dos países do planeta Terra. Principalmente agora, que vivenciaremos mais uma Copa do Mundo de Futebol.
Esse jogo de bola utilizando os pés transformou-se no esporte brasileiro por excelência. Ele chegou em São Paulo na última década do século 19, 45 anos depois de ser instituído na Inglaterra. O nosso país, com seu sincretismo racial e sua mestiçagem, integrou-se de corpo e alma ao esporte bretão. Um jovem aristocrata trouxe as regras, e o futebol tornou-se a coqueluche da elite branca.
Mas não demorou muito para a miscigenação acontecer.
Os descendentes dos escravos e dos indígenas conseguiram uma identificação pura e quase espiritual com a cultura da bola, remanescente de épocas imemoriais do império chinês e da Itália medieval.
O futebol identificou-se com a alma brasileira. Apesar de ser um esporte nascido e regrado em um país europeu, igualou-se cultural e simbolicamente com a expressão corporal do brasileiro. Sim, porque jogado com os movimentos do corpo, com os pés e com a cintura, o esporte ganhou identificação com nossos gingados de sambistas, capoeiristas, emboladores, dentro da mestiçagem ocorrida entre negros, índios e europeus.
O brasileiro apropriou-se do esporte bretão, mesclou seus gingados, transformando-os em dribles desconcertantes e criou o futebol-arte, consagrando-se em todo o planeta.
Ocorreu uma antropofagia cultural. Assimilou-se uma espécie de ritual estrangeiro, sintetizando-se uma construção cultural dentro de uma nova cultura, inclusive com o modo de torcer e de vivenciar o esporte.
Como bem disse o cantor e compositor Gilberto Gil, apesar da globalização e do crescente processo de homogeneização cultural de hoje, ainda se pode ver no futebol brasileiro o jeito (e os jeitos) de ser, pensar e sentir dos brasileiros. Suas festas, seus vetores culturais mais peculiares e marcantes, suas fraquezas, suas qualidades”.
Isso também acontece na Argentina, em Camarões, no México, na Austrália, no Japão e, também na Europa. Existem facetas semelhantes. Quase que os mesmo vetores sociais são compartilhados. No entanto, o mais importante é que na consecução do futebol em todo o planeta existe, sobretudo, identidade e diversidade.
Podemos afirmar que desde os mais remotos tempos o homem e a sociedade humana sempre praticaram jogos. Para se divertir entre a comunidade ou como algum ritual religioso. Eram aspectos existentes entre as mais diversas culturas ao redor do mundo.
O futebol nasceu dessas variações. E por que o futebol conseguiu tanto sucesso entre as massas, e até mesmo entre todas as demais classes? Qual o motivo de toda essa paixão pelo esporte surgida na Segunda metade do século 19?
Sigamos o raciocínio do historiador Nicolau Sevcenko, o qual assinala que num curtíssimo espaço de tempo, o futebol conquistou por completo toda a população trabalhadora inglesa e, em breve, a do mundo inteiro. Como entender esse frenesi, esse poder irresistível de sedução, essa difusão epidêmica inelutável?”
E mais: “A extraordinária expansão das cidades aconteceu a partir da Revolução Científico-Tecnológica, pela multiplicação acelerada da massa trabalhadora que para elas acorreu em sucessivas e gigantescas ondas migratórias. Nas metrópoles assim surgidas, ninguém tinha raízes ou tradições, todos vinham de diferentes partes do território nacional ou do mundo. Na sua busca por novos traços de identidade e de solidariedade coletiva, de novas bases emocionais de coesão que substituíssem as comunidades e os laços de parentesco que cada um deixou ao emigrar, essas pessoas se vêem atraídas, dragadas para a paixão futebolística que irmana estranhos e que os faz comungarem de ideais, objetivos e sonhos e que consolida gigantescas famílias vestindo as mesmas cores."
Ainda de acordo com Nicolau Sevcenko "... no Brasil, recebemos, do berço, o nome, a religião e o clube de futebol, que, juntamente com o sexo e o estado civil, nos acompanharão pelo mundo social que acabamos de entrar".
E ele tem toda a razão ao dizer isso, pois o futebol está inserido na sociedade brasileira e também dentro da alma de cada brasileiro. Até aquele que não gosta de futebol torce e simpatiza por algum time, e sempre está ao lado da seleção nacional quando acontece a Copa do Mundo.
Desde tenra idade todo cidadão brasileiro conhece o futebol, e começa a interagir com ele. Este ano vai acontecer outra interação. A Copa do Mundo de Futebol começa neste mês de junho e em todos os rincões brasileiros será assunto cotidiano.

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