Texto de Pedro Paulo de Lacerda e Silva – Brasília/DF
Especial para o HUMANITAS de junho/2014
Uma forma de
espetáculo, competição, celebração da vida, ritual de sonhos, catarse coletiva
todas essas palavras podem servir para definir o esporte denominado futebol. E
tudo pode ser misturado num molho primordial de tantas que são as dimensões
entrelaçadas a formar um amplo mosaico global. O futebol também serve como ferramenta para compreensão de nossa época.
Esse esporte está inserido na cultura de todos os povos da Terra, servindo como
apoio e divertimento.
O futebol é
um só. Ainda que as regras, o palco do espetáculo e o seu repertório sejam
iguais e comuns, na realidade cada sociedade tem o seu modo próprio de
competir. Inclusive de torcer pelos seus clubes e por suas seleções. Tudo isso
resulta que cada sociedade, cada país tem sua cultura diferenciada umas das
outras. E é nesse espaço que o futebol ganha uma dimensão especial a interligar
e irmanar essas culturas.
Acreditamos
que seja uma bela experiência, uma experiência única e reveladora abordar o
futebol como fenômeno cultural, desde que o coloquemos em ligação direta com os
signos e expressões artísticas tanto de nosso país como do restante dos países
do planeta Terra. Principalmente agora, que vivenciaremos mais uma Copa do
Mundo de Futebol.
Esse jogo de bola utilizando os pés transformou-se no esporte
brasileiro por excelência. Ele chegou em São Paulo na última década do século
19, 45 anos depois de ser instituído na Inglaterra. O nosso país, com seu
sincretismo racial e sua mestiçagem, integrou-se de corpo e alma ao esporte
bretão. Um jovem aristocrata trouxe as regras, e o futebol tornou-se a
coqueluche da elite branca.
Mas não demorou muito para a miscigenação acontecer.
Os descendentes dos escravos e dos indígenas conseguiram uma
identificação pura e quase espiritual com a cultura da bola, remanescente de
épocas imemoriais do império chinês e da Itália medieval.
O futebol
identificou-se com a alma brasileira. Apesar de ser um esporte nascido e
regrado em um país europeu, igualou-se cultural e simbolicamente com a
expressão corporal do brasileiro. Sim, porque jogado com os movimentos do
corpo, com os pés e com a cintura, o esporte ganhou identificação com nossos
gingados de sambistas, capoeiristas, emboladores, dentro da mestiçagem ocorrida
entre negros, índios e europeus.
O brasileiro
apropriou-se do esporte bretão, mesclou seus gingados, transformando-os em
dribles desconcertantes e criou o futebol-arte, consagrando-se em todo o
planeta.
Ocorreu uma
antropofagia cultural. Assimilou-se uma espécie de ritual estrangeiro,
sintetizando-se uma construção cultural dentro de uma nova cultura, inclusive
com o modo de torcer e de vivenciar o esporte.
Como bem
disse o cantor e compositor Gilberto Gil, “apesar da globalização e do crescente processo de homogeneização
cultural de hoje, ainda se pode ver no futebol brasileiro o jeito (e os jeitos)
de ser, pensar e sentir dos brasileiros. Suas festas, seus vetores culturais
mais peculiares e marcantes, suas fraquezas, suas qualidades”.
Isso também
acontece na Argentina, em Camarões, no México, na Austrália, no Japão e, também
na Europa. Existem facetas semelhantes. Quase que os mesmo vetores sociais são
compartilhados. No entanto, o mais importante é que na consecução do futebol em
todo o planeta existe, sobretudo, identidade e diversidade.
Podemos
afirmar que desde os mais remotos tempos o homem e a sociedade humana sempre
praticaram jogos. Para se divertir entre a comunidade ou como algum ritual
religioso. Eram aspectos existentes entre as mais diversas culturas ao redor do
mundo.
O futebol
nasceu dessas variações. E por que o futebol conseguiu tanto sucesso entre as
massas, e até mesmo entre todas as demais classes? Qual o motivo de toda essa
paixão pelo esporte surgida na Segunda metade do século 19?
Sigamos o raciocínio do
historiador Nicolau Sevcenko, o qual assinala que “num curtíssimo espaço de tempo, o futebol conquistou por completo
toda a população trabalhadora inglesa e, em breve, a do mundo inteiro. Como
entender esse frenesi, esse poder irresistível de sedução, essa difusão
epidêmica inelutável?”
E mais: “A extraordinária expansão das cidades
aconteceu a partir da Revolução Científico-Tecnológica, pela multiplicação
acelerada da massa trabalhadora que para elas acorreu em sucessivas e
gigantescas ondas migratórias. Nas metrópoles assim surgidas, ninguém tinha
raízes ou tradições, todos vinham de diferentes partes do território nacional
ou do mundo. Na sua busca por novos traços de identidade e de solidariedade
coletiva, de novas bases emocionais de coesão que substituíssem as comunidades
e os laços de parentesco que cada um deixou ao emigrar, essas pessoas se vêem
atraídas, dragadas para a paixão futebolística que irmana estranhos e que os
faz comungarem de ideais, objetivos e sonhos e que consolida gigantescas
famílias vestindo as mesmas cores."
Ainda de acordo
com Nicolau Sevcenko "... no
Brasil, recebemos, do berço, o nome, a religião e o clube de futebol, que,
juntamente com o sexo e o estado civil, nos acompanharão pelo mundo social que
acabamos de entrar".
E ele tem
toda a razão ao dizer isso, pois o futebol está inserido na sociedade
brasileira e também dentro da alma de cada brasileiro. Até aquele que não gosta
de futebol torce e simpatiza por algum time, e sempre está ao lado da seleção
nacional quando acontece a Copa do Mundo.
Desde tenra
idade todo cidadão brasileiro conhece o futebol, e começa a interagir com ele.
Este ano vai acontecer outra interação. A Copa do Mundo de Futebol começa neste
mês de junho e em todos os rincões brasileiros será assunto cotidiano.
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