terça-feira, 25 de agosto de 2015

HUMANITAS Nº 39 – EDIÇÃO DE SETEMBRO DE 2015 –PÁGINA 6

O mundo é de todos os Deuses
Thomas Henrique de Toledo Stella Professor e Historiador
São Paulo/SP
Texto extraído de  www.thomasdetoledo.blogspot.com.br

Essa história de Deus único nunca me convenceu. O Deus da Torá e da Bíblia é completamente diferente dos Deuses do Baghavad Gita, que são completamente diferentes do Deus do Alcorão, que é totalmente diferente dos Deuses e Deusas do Candomblé, chamados de Orixás.
Sim, todos os Panteões possuem uma divindade suprema, mas qual correspondência se pode traçar entre Allah e Odin, entre Zeus e Inannah? São atributos completamente diferentes.
Algumas pessoas tentam fazer sincretismos forçados entre Jesus e Hórus, por exemplo, o que não faz o menor sentido. O Deus sacrificado na mitologia egípcia é Osiris e Hórus é associado ao poder monárquico dos faraós.
Na mitologia cristã, Jesus é identificado como o Deus do amor, mas ele é muito diferente da Deusa do amor dos gregos, Afrodite, que não separa sexualidade e sensualidade de amor.
Aliás, a única Deusa no cristianismo é virgem, como se o sexo, a energia da vida, fosse um pecado imoral.
A concepção monoteísta, seja ela deísta ou teísta, não pode jamais ser entendida como a única acerca da espiritualidade. Aliás, se existem tantos Deuses no mundo quem garante que o Deus da sua religião é o verdadeiro? 
O judaísmo, cristianismo e islamismo se utilizam de uma concepção teológica chamada monoteísmo, que se derivou da monolatria.
O monoteísmo é a crença de que só existe um Deus e que todos os outros são falsos.
A monolatria reconhece que existem vários Deuses, mas prega que se deve cultuar apenas um.
Na verdade, o monoteísmo surge como oposição às religiões chamadas politeístas, que acreditam em muitos Deuses e Deusas. Há basicamente duas formas de politeísmo: a que entende que os Deuses são forças da natureza que dividem seus papéis no ordenamento cósmico, e a que concebe que todos os Deuses são manifestações de um único princípio criador. Esta segunda visão era predominante no Antigo Egito e foi corrompida pelo faraó Akhenaton, que pela primeira vez na história sugeriu a existência de um único Deus, negando todos os outros.
Os hebreus eram monolatristas seguidores do Deus YHVH e quando viviam como trabalhadores imigrantes (não como escravos) no Egito, sincretizaram o seu Deus com o de Akhenaton.
Teologicamente, este foi o ponto de virada da monolatria para o monoteísmo e da religião hebreia original para o judaísmo, que viria a ser criado durante os cativeiros dos judeus na Babilônia e na Pérsia.
A religião de Akhenaton durou pouco, mas os judeus desenvolveram sua crença monoteísta progressivamente, condenando outras divindades, mas utilizando-se da ideia de um Deus com vários atributos (72 nomes). Isto também viria a aparecer no cristianismo com o conceito de trindade. Já o islã completou a “revolução” monoteísta quando Mohammed destruiu todas as imagens dos Deuses da Caaba e estabeleceu que Allah seria o único Deus.
O que levou o monoteísmo a ganhar força e a devastar militarmente o politeísmo, foi que a crença na existência de uma única autoridade divina poderia justificar um único rei, um único Estado e um único território, como bem se aproveitou o Imperador Constantino para salvar o Império Romano da fragmentação.
Assim, a predominância das religiões monoteístas no mundo moderno deve-se muito mais a fatores políticos e de guerra do que propriamente religiosos.
Atualmente, na África, América Latina (índios da Bolívia, Peru e México), Ásia (Índia, China, Nepal e Japão) e em diversos outros lugares do planeta, o politeísmo sobrevive e representa uma opção pela diversidade em detrimento da uniformização que as religiões monoteístas propõem pela conversão ou impõem pela força.
Impor um Deus, uma religião, um dogma e uma moral só levou o mundo a guerras e crimes. Está na hora de se reaprender com o politeísmo como viver a diversidade e lembrar que se alguém acredita que só existe um Deus, isto é apenas sua crença individual. Ninguém é obrigado a aceitar um Deus que não ressoa no interior da própria consciência.

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