terça-feira, 25 de agosto de 2015

HUMANITAS Nº 39 – EDIÇÃO DE SETEMBRO DE 2015 – PÁGINA 5

A pílula da vida...
Especial para o Humanitas
Ana Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras e colabora com o Humanitas há três anos. Escritora e jornalista em Belo Horizonte/MG

Na bonita noite estrelada, a lua cheia parecia convidar ao andar sem destino. Um bonito cenário de aventuras na famosa sexta-feira que precede um sábado em que muitos não têm hora para levantar. E, afinal, conforme já se disse popularmente, a noite é uma criança...
No grande pátio externo do barzinho famoso conhecido pelo ipê amarelo que o enfeita, três amigas assentaram-se em uma mesa sob a árvore. Uma delas não gostava de bebida alcoólica e isto facilitava para o retorno de carro. E deixava as outras amigas à vontade para se excederem.
Outra delas, assentada sob uma penca de flores do ipê, de vez em quando coquetemente prendia as flores na orelha. E na mesa da ponta oposta, entre quatro rapazes assentados e tomando seus shops, um deles olhava mais prolongadamente para ela. As moças saíam separadamente e em grupo para as danças.
Ao final da balada era comum voltarem juntas para casa, um tipo de acordo de segurança que haviam estabelecido nas saídas. Combinações de reencontros se dariam para depois, cada uma isoladamente.
Mas este dia foi diferente. Os rapazes foram saindo um a um, até que um último, que olhava prolongadamente para a moça das flores, levantou-lhe o copo num pedido de brinde, que ela acenou positivamente.
Ele foi para a mesa das moças e logo trocavam cenas de carinho. O álcool subia, as emoções se soltavam e as carências se acendiam. As amigas não quiseram permanecer pela noite adentro. E perceberam que Lana (nome fictício) não iria, daquela vez, com elas.
Então se despediram e deixaram-na com o novo acompanhante.    
Mas subitamente um clarão de noção o invade e ele pergunta: ei, você usa anticoncepcional? Não gosto de preservativos e não posso e nem quero ter filho!. Não se pode negar: claro como a luz, sincero num momento de êxtase. Mas ela se saiu com essa: Não se preocupe, amanhã uso a pílula do dia seguinte. Estava tudo resolvido. A noite era uma criança! E o pior é que crescia...
O dia seguinte chegou, mas a pílula não. O problema era como dizia Nietsche, o homem é concebido pela força da natureza. E a natureza não quer saber se você tem ou não consciência do que está fazendo. Melhor escolher alguém que valha a pena no dia seguinte, do que arriscar-se a esquecer-se da pílula.  O cavalheiro da noite sumiu para nunca mais ser visto e com uma espécie de consciência amparada: eu disse a ela que não se esquecesse da pílula do dia seguinte.
É este o motivo real pelo qual a virgindade foi milenarmente defendida. Ainda na linha de pensamento de Nietzsche o mesmo inferia que o pecado não passa de invenção, que alimenta o medo (medo de morrer e ir para o inferno). Pode-se, entretanto, ir para o inferno, ou para o céu, mesmo em vida, pois, ao que parece, ambos são criados pelo próprio homem aqui mesmo.
Assim, escolher o que fazer num momento pode inferir muito no que acontece no outro dia e pelo resto da vida. E não é em outra vida...
É interessante como a virgindade conseguiu por tantos séculos ser considerada como estado de pureza. E isto simplesmente se houvesse a preservação de um hímen (a relação não vaginal, por exemplo, era uma forma que muitas adotavam, para permanecerem virgens).
Mas o controle pelo medo é mais eficaz, e uma moça podia perder até o direito ao lar e à convivência familiar, como pagamento por um crime, que não cometera sozinha.
Ao que parece os preservativos e anticoncepcionais foram uma libertação científica. Mas a verdadeira libertação é a do ser. Preciso aprender que devo agir de forma a dar qualidade ao meu próprio viver. E isto, embora pareça individualista não é, porque pessoas infelizes não são capazes de tornar felizes aquelas com quem convivem. O homem é um ser social, e por natureza partilha uma convivência, boa ou má.
Assim, quando alguém se julga dono de alguém, ou se acha no direito de obrigá-lo a conviver, está fatalmente criando todas as condições de construir a infelicidade e de forma a deixar heranças nos descendentes. Por questões culturais, o mal viver é prolífero e extensivo, às vezes, em gerações. Até que surja um que, compreendendo essa análise reverta o processo, começando em si mesmo.
O grande engano humano é imaginar que o pecado é algo que não se deve cometer, pois pode ser castigado (quem sabe num possível inferno posterior à vida). Ora, se a educação se aprofunda nos conceitos de valores e não de pecados, a espécie humana aprenderia melhor o que deveria fazer, para tornar-se melhor consigo mesma e com as pessoas em torno de si.
Pois a pílula da vida tem de ser tomada hoje. É ela que pode nos dar a possibilidade de uma vida melhor...

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