A pílula da vida...
Especial para o Humanitas
Ana
Maria Leandro integra a Academia Mineira de Letras e colabora com o Humanitas
há três anos. Escritora e jornalista em Belo Horizonte /MG
Na bonita
noite estrelada, a lua cheia parecia convidar ao andar sem destino. Um bonito
cenário de aventuras na famosa sexta-feira que precede um sábado em que muitos
não têm hora para levantar. E, afinal, conforme já se disse popularmente, a noite é uma criança...
No grande
pátio externo do barzinho famoso conhecido pelo ipê amarelo que o enfeita, três
amigas assentaram-se em uma mesa sob a árvore. Uma delas não gostava de bebida
alcoólica e isto facilitava para o retorno de carro. E deixava as outras amigas
à vontade para se excederem.
Outra delas,
assentada sob uma penca de flores do ipê, de vez em quando coquetemente prendia
as flores na orelha. E na mesa da ponta oposta, entre quatro rapazes assentados
e tomando seus shops, um deles olhava mais prolongadamente para ela. As moças
saíam separadamente e em grupo para as danças.
Ao final da
balada era comum voltarem juntas para casa, um tipo de acordo de segurança que haviam estabelecido nas saídas.
Combinações de reencontros se dariam para depois, cada uma isoladamente.
Mas este dia
foi diferente. Os rapazes foram saindo um a um, até que um último, que olhava
prolongadamente para a moça das flores, levantou-lhe o copo num pedido de
brinde, que ela acenou positivamente.
Ele foi para
a mesa das moças e logo trocavam cenas de carinho. O álcool subia, as emoções
se soltavam e as carências se acendiam. As amigas não quiseram permanecer pela
noite adentro. E perceberam que Lana (nome fictício) não iria, daquela vez, com
elas.
Então se
despediram e deixaram-na com o novo acompanhante.
Mas
subitamente um clarão de noção o invade e ele pergunta: ei, você usa anticoncepcional? Não gosto de preservativos e não
posso e nem quero ter filho!. Não se pode negar: claro como a luz,
sincero num momento de êxtase. Mas ela se saiu com essa: Não se preocupe, amanhã uso a pílula do dia seguinte. Estava tudo
resolvido. A noite era uma criança! E o pior é que crescia...
O dia
seguinte chegou, mas a pílula não. O problema era como dizia Nietsche, o homem é concebido pela força da
natureza. E a natureza não quer saber se você tem ou não
consciência do que está fazendo. Melhor escolher alguém que valha a pena no dia
seguinte, do que arriscar-se a esquecer-se da pílula. O cavalheiro da
noite sumiu para nunca mais ser visto e com uma espécie de consciência
amparada: eu disse a ela que não se
esquecesse da pílula do dia seguinte.
É este o
motivo real pelo qual a virgindade foi milenarmente defendida. Ainda na linha
de pensamento de Nietzsche o mesmo inferia que o pecado não passa de invenção, que alimenta o medo (medo de morrer
e ir para o inferno). Pode-se, entretanto, ir para o inferno, ou
para o céu, mesmo em vida, pois, ao que parece, ambos são criados pelo próprio
homem aqui mesmo.
Assim,
escolher o que fazer num momento pode inferir muito no que acontece no outro
dia e pelo resto da vida. E não é em outra vida...
É
interessante como a virgindade conseguiu por tantos séculos ser considerada
como estado de pureza. E isto
simplesmente se houvesse a preservação de um hímen (a relação não vaginal, por exemplo, era uma
forma que muitas adotavam, para permanecerem virgens).
Mas o controle pelo medo é mais eficaz,
e uma moça podia perder até o direito ao lar e à convivência familiar, como
pagamento por um crime,
que não cometera sozinha.
Ao que
parece os preservativos e anticoncepcionais foram uma libertação científica.
Mas a verdadeira libertação é a do ser. Preciso aprender que devo agir de forma
a dar qualidade ao meu próprio viver. E isto, embora pareça individualista não
é, porque pessoas infelizes não são capazes de tornar felizes aquelas com quem
convivem. O homem é um ser social, e por natureza partilha uma convivência, boa
ou má.
Assim,
quando alguém se julga dono de
alguém, ou se acha no direito de obrigá-lo a conviver, está fatalmente criando
todas as condições de construir a infelicidade e de forma a deixar heranças nos
descendentes. Por questões culturais, o mal
viver é prolífero e extensivo, às vezes, em gerações. Até que
surja um que, compreendendo essa análise reverta o processo, começando em si
mesmo.
O grande
engano humano é imaginar que o pecado
é algo que não se deve cometer, pois pode ser castigado (quem sabe num possível
inferno posterior à vida). Ora, se a educação se aprofunda nos conceitos de
valores e não de pecados, a espécie humana aprenderia melhor o que deveria
fazer, para tornar-se melhor consigo mesma e com as pessoas em torno de si.
Pois a
pílula da vida tem de ser tomada hoje. É ela que pode nos dar a possibilidade
de uma vida melhor...
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