quinta-feira, 26 de novembro de 2015

HUMANITAS Nº 42 – DEZEMBRO DE 2015 – PÁGINA 4

O deus solar chifrudo

Especial para o Humanitas
Thomas Henrique de Toledo Stella é professor e historiador pela FFLCH/USP. Mora em São Paulo/SP

Se voltássemos dois mil anos no tempo, no dia 25 de dezembro Roma estaria em festa.
Eram os preparativos para os festejos do Deus solar Mithra, o filho do grande Deus Ahura Mazda que simbolicamente vencia o Touro.
Seu aniversário era celebrado nos dias 25 de dezembro, ou seja, 3 dias depois do solstício de inverno do Hemisfério Norte.
No mesmo período, na mesma Roma, seguidores do culto helenístico de Saturno celebravam a Saturnália, uma festa que em muito recorda o carnaval.
Em diversas mitologias pagãs ancestrais, o solstício de inverno representava o nascimento do Deus-Sol. Afinal, é neste momento que o sol encontra-se no ponto mais baixo do cruzamento do equador celeste com a esfera celeste.
Isto gera o fenômeno da noite mais longa e escura do ano.
À medida que o sol vai aproximando-se de seu ponto mais alto visto a partir da Terra, ocorre o fenômeno oposto: o dia começa a ficar mais longo até que no solstício de verão ele chega ao apogeu da iluminação no dia mais longo do ano.
E assim, neste ciclo infinito, os antigos comemoravam os ciclos solares com os mais variados festejos, temperados pelos elementos culturais e geográficos de cada povo.
No período anterior ao da cristianização, Roma foi um império que promovia a tolerância e a liberdade religiosa, mas isto se tornou um problema para os planos de dominação patrícia, pois as revoltas regionais baseavam-se nas identidades oriundas das religiões provinciais.
O imperador Constantino pediu que seus correligionários pesquisassem qual seria a melhor maneira de criar uma ideologia suficientemente forte para manter as províncias romanas coesas e eles chegaram à conclusão de que o cristianismo seria uma religião adequada a tais fins, desde que devidamente adaptada.
Constantino formulou uma lenda em torno de sua conversão ao cristianismo e no ano de 325, realizou um concílio com os bispos aliados do projeto imperial. Estes bispos modificaram completamente o cristianismo, embutindo à figura de Jesus diversos elementos pagãos.
Foram escolhidos 4 evangelhos para dizer a verdade incontestável da nova religião e todos os outros seriam considerados apócrifos, proibidos, queimados e banidos sob pena de morte para os que os preservassem.
Jesus, que fora um judeu reformista do século I, deveria ser completamente modificado de sua originalidade e os livros que o descreviam passaram a ser adulterados para coaduná-los ao projeto romano.
Nos evangelhos reinventados, foram exaltadas passagens que bendizessem Roma tais como dai a César o que é de César, a lavagem de mãos de Pilatos e elementos de outros profetas ou divindades foram atribuídos a Jesus.
Por exemplo, Apolônio de Tyana, o mensageiro do Deus Apolo, era conhecido por multiplicar os peixes, transformar vinho em água e ressuscitar mortos.
O calendário oficial também começaria a ser modificado.
As festas associadas aos Deuses pagãos começaram a ser cristianizadas, num processo que durou quase dois milênios.
Ao mesmo tempo em que se destruía a memória pagã, embutia seus símbolos e significados no cristianismo, a religião oficial do império, criada para atender aos interesses da elite escravocrata romana.
Um banho de sangue varreu a Europa, norte da África e Oriente Médio para a imposição do cristianismo. (Continua na página 5)

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