Campos de concentração no Ceará
Especial para o Humanitas
Juarez Pedrossiano Goitá - Fortaleza/CE
Muito anteriores aos campos
de concentração nazista na Alemanha, no Nordeste brasileiro foram criados campos, também chamados de “Currais Humanos”
ou “Currais do Governo”, pelo Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS),
atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), que não entraram
para os livros de história.
Esses campos de concentração
demonstram perfeitamente como os governos tratavam as questões sociais no
Brasil, não atendendo à necessidade dos pobres, mas sim às exigências dos ricos
e afortunados, nas secas de 1915 e 1932.
O objetivo dos campos era evitar que os
retirantes alcançassem Fortaleza, trazendo “o
caos, a miséria, a moléstia e a sujeira”, como informavam os boletins do
poder público da época.
Na Grande
Seca de 1932, cerca de 73 mil flagelados foram confinados nesses campos onde as
condições eram desumanas, o que resultou em inúmeras mortes.
Ainda
durante essa seca, flagelados cearenses foram enviados para o combate nas
trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo.
Muitas
dessas pessoas foram tiradas de suas casas contra a vontade para “se unirem” nos tais campos
criados pelo Executivo.
Quando
retornaram para o lugar onde moravam, descobriram que suas casas e terras
tinham sido invadidas e tomadas por “coronéis”
locais, que não haviam sido obrigados a aderir ao “programa do govern”.
Os temores de invasões e saques dos
flagelados da seca em Fortaleza foram as razões para essa estratégia do governo
estadual - isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos
invadiram a capital cearense, atemorizando a população urbana.
Os
sertanejos alojados em tais currais
recebiam algum cuidado e comida, e em troca eram colocados a trabalhar nas
frentes de obras, vigiados por soldados.
A classe dominante urbana também temia as doenças,
e assim as pessoas pobres eram trancadas em lugares onde as epidemias
encontravam o ambiente perfeito para proliferar, mas isso não era problema para
os ricos, desde que os doentes ficassem longe.
A Igreja
Católica, também se fez presente nesses “currais”,
levando aos miseráveis famintos o que dizia ser a palavra de Deus, para que
todos pudessem ser melhor controlados.
Os padres
pregavam nos púlpitos após as missas aos flagelados, que todos deviam se
confortar com a vontade de Deus, pois “São Sebastião livraria da peste, e
que aquela seca era para purgar os pecados deles”.
O escritor
Francisco Magalhães Martins, disse em seu livro de contos Mundo Agreste, que:”o
comboio apanhava mais flagelados em cada estação – Pinheiro, Novas Russas, Ipueiras.
Nos vagões se confundiam homens, mulheres, meninos e velhos, com os bichos
brutos (...) Também, em
promiscuidade, os sadios e os doentes – tuberculosos, epiléticos, assezoados,
até loucos (...)”.
“(...)Vinha gente de diferentes regiões – do centro e
dos confins do Estado, do Alto Jaguaribe”.
Todo um
aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações de retirantes
causavam à população. As doenças contagiosas aterrorizavam as classes
dominantes e todos temiam que elas extrapolassem os “muros dos currais” e atingissem as
”famílias distintas”. No campo ou curral do Ipu, seis a sete era a média de mortos por dia. Entre abril de 1932 e março de 1933 registraram-se milhares de mortos.
”famílias distintas”. No campo ou curral do Ipu, seis a sete era a média de mortos por dia. Entre abril de 1932 e março de 1933 registraram-se milhares de mortos.
Toda documentação desses genocídios e
infames campos de concentração tupiniquins tem sido oculta ao longo das
décadas, embora haja hoje uma ação na justiça solicitando a identificação via
DNA, de todos os mortos sepultados em valas comuns e seu translado para
cemitérios regulares.
A Justiça cearense extinguiu as ações sem
julgamento de mérito, tentando com isso fazer esquecer essa página negra da
nossa história.
Pleiteia-se
até hoje indenização para os familiares dos sobreviventes.
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