quinta-feira, 27 de outubro de 2016

HUMANITAS Nº 53 – NOVEMBRO DE 2016 – PÁGINA 5

O homem diante da morte
Especial para o Humanitas
Texto de Rafael Rocha. Jornalista, poeta e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

Uma vez perguntaram a Confúcio, filósofo chinês do século VI de antes da Era Comum: o que o surpreende mais na humanidade?
E ele respondeu que "os homens perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperá-la. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por não viver no presente nem no futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido..."
A vida traz para a consciência humana espanto e temor. Tanto que essa frase dita por Confúcio reflete o normal do estar no mundo criado pelo homem. Juntar dinheiro para ter mais do que se pode ter, esquecendo o bem viver do momento presente e de que é um ser mortal e passageiro.
Sabemos, sim, que vida e morte são os limites extremos da existência. Quando a vida irrompe, ela está desafiando a morte e quando a morte chega vence o desafio com a vida. Na verdade, o homem começa a morrer a cada dia que passa e ainda que a morte mostre a finitude do ser humano no planeta, ela é algo desafiador para a consciência do existir.
O homem luta contra a morte. No mundo ocidental o medo de morrer ou de ver partir para sempre do nosso convívio as pessoas que amamos causa uma dor insuportável, mas isso está dentro do contexto de nossa cultura.
Somos seres finitos, mas não aceitamos a nossa condição de simples mortais. O medo da morte alcança profundamente a mente do homem e isso faz com que ele deixe de viver e curtir a vida como ela merece.
É tão certo esse fato que o homem cria para si religiões e crenças e fornece a elas papéis relevantes no seu cotidiano, tudo para enfrentar a realidade do morrer.
Nessas crenças, ele inventa salvação da alma, paraíso para os bons, castigo e inferno para os maus, e continuação da vida em outro plano psíquico ou espiritual, e ainda reencarnação do espírito de um ser já falecido em outro corpo e em outra vida.
Não adiantam muito essas ideias preconcebidas porque morrer é algo irreversível. Assim, o homem busca entender o sentido da vida e se interroga sobre o seu objetivo de estar no mundo, sem, no entanto, conseguir explicações ainda que complicadas para as suas inquirições.
Ele não leva em conta o conselho do filósofo chinês quando diz “para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro”. A forma principal de todo e qualquer ser humano ao lidar com a morte é de prescindir dela, isto é, eliminá-la da sua vida.
Para o homem, morrer é algo inimaginável e dentro de sua consciência não acredita que isso possa lhe acontecer um dia.
Como bem disse Sigmund Freud, “... o adulto civilizado não admitirá de bom grado nos seus pensamentos a morte de outra pessoa, sem aparecer aos seus próprios olhos como insensível ou mau. E muito menos se permitirá pensar na morte de outro quando a tal acontecimento está ligado um ganho de liberdade, de fortuna ou de posição social”. Nada disso, porém, evita que a morte ocorra.
Só que quando ela acontece, o ser humano fica abalado nas suas convicções, buscando explicações casuais como o fato de que ocorreu por meio de algum acidente, de uma enfermidade ou pela idade avançada.
Portanto, o homem rebaixa a morte a uma simples casualidade.
A angústia gerada ao entrar em contato com a fatalidade da morte, faz com que o ser humano tente vencê-la, acionando para esse fim, diversos mecanismos de defesa, expressos através de fantasias inconscientes.
Assim, é comum a fantasia de existir vida após a morte; de existir um mundo paradisíaco, regado pelo princípio do prazer e onde não há sofrimento. As mais diversas religiões apoiam essa fantasia.

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