quinta-feira, 27 de outubro de 2016

HUMANITAS Nº 53 – NOVEMBRO DE 2016 – PÁGINA 8

Para onde vão os silêncios quando calamos a verdade?
Especial para o Humanitas
Texto de Ana Maria Leandro - uma das principais colaboradoras do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Quero ver quem tem a coragem de responder sinceramente, com transparência e de forma objetiva à pergunta da personagem “Mafalda” do cartunista Quino. Para onde vão os silêncios quando calamos a verdade?”
Eu diria: “Ah! Mafalda, não faça perguntas difíceis de responder”. Difíceis não porque não saibamos as respostas, mas porque elas nos doem. Existem verdades que são mantidas muito bem escondidas por uma vida inteira!
Talvez, Mafalda, um dia, quando você crescer, você não fará essas perguntas difíceis, cujas respostas sejam dolorosas. Você é muito inteligente e já sabe as respostas antes de perguntar. Só faz essas perguntas para ver como os adultos se saem. Mas os adultos têm dentro de si uma caixinha invisível, onde escondem as verdades que não querem encarar.
Mas nós, adultos, devemos no mínimo refletir sobre a pergunta da Mafalda. Quem sabe esta seja a razão de passarmos a vida desejando o amanhã, que nos traga uma nova e bela realidade, que não precisemos esconder na pesada caixinha dos segredos. O que nos pesa é a herança triste das realidades silenciosas.
De vez em quando tenho um lindo sonho, todo colorido, cheio apenas das realidades de SER e de VIVER. Aliás, talvez todos nós sonhemos com este mundo maravilhoso. Então acordamos de vez em quando num assomo de coragem e nos lançamos no desafio de fazer este mundo onde a realidade é tão linda, que não precisa ser escondida em nenhuma caixinha interior.
Mas não temos a competência pata tornar realidade o sonho...
Alegrias saltitantes, em tempos raros e vez em quando mais frequentes, daqui e dali vão segurando a nossa vida, apesar da mágoa desta incompetência.
Para intermediar os tempos vazios de alegria, ficamos a viver de ilusões místicas, se não for o bem que “virá” ainda em vida, pelo menos, quem sabe, o mundo do “depois da vida”.
O céu fulgurante do paraíso atrai irresistivelmente.
Existem “homens-bomba” que crêem tanto nisso, que se rebentam para experimentar esse “depois”.  Há fartura de fontes de culturas, escritos e crenças, para saciar este sonho do paraíso.
Naturalmente porque, na realidade, a manutenção de tais culturas rendem bastante, o que faz com que permaneçam através dos milênios.
E a maioria acha que vale a pena se utilizar dessas muletas...
Veja por exemplo a política vigente em nosso país.
Muitos políticos vivem a prometer o país das maravilhas. E repetem anos a fio a mesma ladainha de promessas, e o povo, cansado de sofrer, se esquece dos sofrimentos para tentar “de novo”, para ver se desta vez “dá certo”.
 Muitos se aproveitam largamente dessa eterna esperança humana, para viver milhões de vezes melhor do que todos que acreditaram. Fala-se, por exemplo, em “redução de gastos do governo”, mas nem se toca na possibilidade de redução dos ganhos nababescos dos líderes. Aqueles mesmo que fizeram promessas de melhoria para o povo.
Eles as cumpriram sim: para si e para a própria família!...
Pergunte a eles depois, “Mafalda”, para onde foram as promessas que fizeram ao povo? Vão desconversar e enviar as respostas para as caixinhas que têm dentro de si. Silêncio sobre a realidade.
Mas você “Mafalda” ou melhor, Quino, o criador de seu personagem, sabe muito bem a resposta... 

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