A CORAGEM E A DELÍCIA DE RECOMEÇAR
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora
do Humanitas - é escritora e
jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG
Conta-se,
que um respeitável fazendeiro de oitenta anos, verdadeiro sustentáculo de
tradições seculares, tinha uma única e adorável netinha de oito anos.
Homem rígido e
acostumado a posições irrevogáveis (afinal, seus brancos fios de bigode,
acobertavam uma boca, que “jamais” deixou de honrar a palavra dada), entretanto
se dobrava a “quase todos” os
pedidos dessa garotinha mimosa e catita.
Eis que
entretanto, um belo dia, a linda menina, que conhecia o “horror” do avô por um
cardápio de quiabo (embora soubesse também, que ele “jamais” experimentara o
sabor do mesmo), lhe pede para que ele experimente, pelo menos uma colherinha
daquele guisado, que ela “adorava” e que lhe doía ver, que o avô se privava.
Ao que o
octogenário e respeitável senhor lhe responde, com reconhecida angústia de não
conseguir atender: “Sabe querida? Não
posso atendê-la, e você há de me compreender! Se o vovô atende ao seu pedido,
ele corre dois riscos: o primeiro é que eu acho, que isto de fato vai até me
fazer mal, pois não me bom o sabor. O segundo é que, caso o vovô goste do
sabor, ele vai ter que assumir oitenta anos de erro!”
Assim conta a
história, que verdadeira ou fictícia, retrata bem o comportamento de muita gente,
em todas as idades. É óbvio que o risco maior, era o segundo.
A dificuldade
de “recomeçar” em um novo caminho se prende principalmente à necessidade, que a
isto se antecipa: reconhecer que havia um engano na posição anterior.
Desde cedo
ouvimos ditos “históricos” como: “palavra de rei não volta atrás”; “homem que é
homem tem uma palavra só”. E depois temos que enfrentar a auto-avaliação (muito
mais difícil do que a exterior). Por isto pensamos, melhor fazer de conta, que “não há outro caminho, ou se pelo menos ele
existe, deve ser pior”. Mudar não é fácil.
Experimente
fazer um novo trajeto, por exemplo, para chegar até sua casa. Um horror! As
dificuldades (desconhecidas, é claro), se nos afiguram mil vezes piores, do que
as anteriores (do conhecido). Enquanto isto, a vida passa... E nós, que temos
um sol renascendo todos os dias no horizonte, vamos perdendo a oportunidade de
fazê-lo também.
É lamentável,
pois isto nos tira o valor da possibilidade de evolução humana, papel que ao
que parece é o fundamental da espécie. Tomemos por exemplo, o modelo de um cão:
se mil vezes um ônibus passar por perto, mil vezes ele correrá atrás, num
esforço inédito de alcançá-lo. O cômico é que, se o ônibus para, ele sem dúvida
recuará, desorientado com “o que é que ele vai fazer, com este ônibus!” Mas isto não o impedirá de correr atrás do
próximo ônibus que vier
Ora, quando
insistimos num comportamento, apenas porque “sempre” agimos assim, nos tornamos similares ao canino! Somos
humanos e é por isto que temos o direito (senão o dever), de crescer todos os
dias! Posso deixar vícios prejudiciais, posso alterar caminhos tortuosos, posso
aprender a ser melhor, todos os dias.
Entretanto só
eu posso decidir por este renascer diário.
É fácil
entender porque qualquer tratamento para mudança de comportamento não funciona,
enquanto a própria pessoa não fizer essa opção! Como consequência, até a
felicidade é fruto da nossa decisão de “sermos
felizes”.
Já notaram como
existem pessoas, que fazem opção pela infelicidade?! Têm vergonha de ser
felizes! Como é que vão explicar para todo mundo, que “sempre” as viu
taciturnas e mal humoradas, que agora são sorridentes e alegres? “Renascer”
para a alegria, significa “matar” a tristeza. E até isso é uma mudança que não
querem enfrentar!
Por que esta
resistência à própria felicidade?! O livre arbítrio para fazer “escolhas” é o grande diferencial que a
natureza nos dotou em relação aos animais irracionais. É esta liberdade humana,
que precisamos exercitar.
Usemos este
potencial, para promover as mudanças, que almejamos. Mudar não significa
desconhecer os valores do passado. Significa evoluí-los.
A própria
trajetória da vida é um processo de “mudanças”. Olhe para trás de sua história
de vida e verifique o quanto você já “cresceu”.
Não se trata de
“reinventar a roda” embora a invenção da roda tenha sido de fato, um marco
histórico para a humanidade.
Mas hoje temos
tecnologia que possibilita “flutuarmos”
acima dos trilhos. Breve nem precisaremos mais de rodas; só dos grandes
progressos que fizemos a partir delas!
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Do livro “A Coragem e a Delícia de Recomeçar” de Ana Maria Ferreira Leandro