terça-feira, 2 de outubro de 2018

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PRIMEIRA PÁGINA

AS MENTIRAS RELIGIOSAS SOBRE
A ORIGEM DO UNIVERSO
Os mistérios em torno da origem do Universo são mistificações. O astrofísico americano-canadense Lawrence Kraus afirma em seu livro A universe from nothing (Um universo vindo do nada), que a ciência finalmente é capaz de explicar como o Universo surgiu. De acordo com ele, “os religiosos afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça mental!”  PÁGINA 8.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente é o tema de Thiago Carvalho, professor de História e Direitos Humanos -  Recife/PE -  PÁGINA 4

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA DOIS

EDITORIAL
CULTURA E SABEDORIA

O antropólogo inglês, Edward Burnett Tylor, disse um dia que cultura é “um complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.
Mas cultura e sabedoria não são a mesma coisa. Um homem pode ter uma imensa bagagem cultural, sem ser um sábio. A sabedoria é a capacidade de o homem discernir ou interpretar o passado, vivenciar o presente e saber o que é melhor para o futuro.
O homem sábio identifica os erros praticados e os corrige para melhorar a sua vida. O homem sábio busca o conhecimento, mas também busca espalhar esse conhecimento.
O homem culto se diferencia do homem sábio por seguir caminhos ligados a um nível de conhecimento armazenado. Eis a diferença.
Nós não temos o direito de julgar uma pessoa apenas pelo nível cultural dela, pois a cultura vem de fora para dentro, penetra pelos olhos e ouvidos (até pela epiderme) e pode fixar-se ou não em nosso cérebro.
A sabedoria nasce dentro de nós e se exterioriza. Até os analfabetos podem ser sábios. Um ser humano repleto de sabedoria não alimenta o próprio ego, pondo-se superior aos demais. O verdadeiro sábio jamais será um narcisista ou pernóstico, bem como jamais admitirá ser um sábio.
Como disse Lao Tsé: “Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão”.
Aqui neste Humanitas colocamos conhecimentos os mais variados ao alcance das pessoas. Esperamos que elas repartam seus conhecimentos com outras pessoas, acatando a máxima de que o verdadeiro sábio é um eterno aprendiz.
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A VELHICE É UMA MERDA!
Divina de Jesus Scarpim - Professora – São Paulo/SP

Odeio meus cabelos brancos!
Adoraria não tê-los e simplesmente não acredito que alguém realmente os ache bonitos quando acompanhados das rugas, ou seja, quando são realmente marcas do tempo e não falta de pigmentação ou trabalho de um bom cabeleireiro.
Odeio todo esse meu corpo que está se deteriorando, dia a dia mais feio, dia a dia mais cheio de fraquezas, debilidades e dores que sei que só vão aumentar.
Quem diz coisas positivas a respeito da velhice, das duas uma: ou seleciona cuidadosamente as palavras e as frases para destacar como se fossem vantagens da velhice justamente as poucas coisas da juventude que ainda podem restar em um velho, ou mente descaradamente. A velhice não torna ninguém melhor, nem mais tolerante, seja com os outros, seja consigo mesmo.
Conheci muitos jovens bons e tolerantes e muitos velhos maus e intolerantes. Sempre me julguei muito tolerante e sempre tentei ser amável com as pessoas, mas nunca fui amável comigo mesma, e continuo não sendo.
Os anos me tornaram mais tolerante em algumas coisas e menos tolerante em outras; tornaram-me mais amável com algumas pessoas e menos amável com outras, mas isso aconteceu enquanto eu vivia e não enquanto eu me tornava velha.
Enquanto vivia; não enquanto envelhecia; fui me tornando menos tolerante e menos amável comigo mesma porque fui me conhecendo melhor.
Não aceito, em hipótese alguma, que mudanças sejam benefícios da velhice; estou certa de que são apenas experiência e crescimento que se adquire enquanto e porque estamos vivos.
Viver é aprender e é também mudar; mas as mudanças benéficas que adquirimos vivendo são as mesmas que se vão perdendo na decrepitude da velhice; quando a velhice nos vai tomando de nós mesmos.
As mudanças da vida, comuns e reais, não são vantagens da velhice e certamente não merecem ser acompanhadas de decrepitude e decadência física.

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA TRÊS


Refúgio Poético – Cartas dos Leitores – Teste de Xadrez

Noite de bar
Rafael Rocha – Recife/PE
Do livro “Poetas da Idade Urbana”

Noite vazia em vertigem tão calada!
Mesa de bar sem um só companheiro!
Faço o soneto da tristeza descarada
sob um gole de cerveja, derradeiro!

Diz o garçom: - Esta vida é um nada!
Sem bebida, sem mulher, sem dinheiro!
E as cinzas da solidão descontrolada
fazem o cigarro apagar-se no cinzeiro!

Meia-noite! Quero beber sofregamente!
Quero escrever o verso condizente
com a dor desta maciça solidão!

E o dia nasce! E o bar fecha a porta!
O sol escala o céu e a noite morta
marca encontro com o sono lá no chão!

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Pássaro preso
Márcia Queiroz – São Luís/MA
(1920/1960)

Pobre pássaro preso na gaiola,
só eu te compreendo a desventura,
pois como tu minha alma se estiola
noutra prisão também estreita e escura.

Dão-te conforto que te não consola,
pensam que exprime, o canto teu, ventura.
Mas, bem o sei, quanto tristor evola
do teu viver, alada criatura.

É que o meu ser como o teu ser, imerso,
vive, na imensa angústia de querer
conquistar as lonjuras do universo.

Se nos tolhe o destino a liberdade,
onde buscar o encanto de viver,
onde achar, pássaro, felicidade?

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CARTAS DOS LEITORES

Parabéns a todos que fazem o Humanitas em particular para a jornalista Ana Leandro. Vera Marques – São Paulo/SP
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Um pequeno, grande e corajoso jornal. Fico sempre na expectativa de chegada do exemplar mensal. Uma pena que tenha tão poucas páginas. Hugo Meira de Albuquerque – Buenos Aires/Argentina
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Uma publicação especial demais! Parabéns! Luiza Benevides de A. Quadros – Olinda/PE
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ERRATA
Na chamada da edição de setembro, PRIMEIRA PÁGINA, deve-se ler: “O professor Sérgio Alves, Recife/PE, diz, na PÁGINA 4, que os brasileiros não pensam como Nação”

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA QUATRO


ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE: 28 ANOS
Thiago Carvalho é conselheiro tutelar e professor de História e Direitos Humanos. Atua no Recife/PE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - hoje com 28 anos de existência - é resultado da luta da sociedade civil organizada, sendo uma das legislações mais avançadas no mundo em termos de proteção à criança e a adolescente.
Contudo, sua promulgação, por si só, não foi suficiente para determinar o fim das diversas formas de violência, inclusive a negação de direitos por parte do próprio estado, constituídos e garantido por lei, e que hoje são negligenciados.
Ao romper definitivamente com o Código de Menores de 1979, o Brasil estabeleceu como diretriz básica a doutrina de proteção integral (Lei 8069 de 13 de julho de 1990) para assegurar a garantia dos direitos e do atendimento de crianças e adolescentes, em todo o território nacional.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o marco legal  - como um farol que ilumina a todos brasileiros sobre a consciência e o reconhecimento da criança e do adolescente até dezoito anos como um sujeito de direitos, assegurando a prioridade absoluta como cidadão do país e a sua proteção como dever da família, da sociedade e do Estado, descrita no artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
Essa lei é uma vitória da sociedade e teve inspirações que vieram da efervescente mobilização nacional de instituições da sociedade civil, dos legisladores, professores e profissionais das várias áreas associadas aos trabalhos com a infância e a adolescência.
Inclusive com o protagonismo de muitas crianças e adolescentes, assim como de diversas declarações e documentos internacionais, principalmente a Convenção sobre os Direitos da Criança e outros compromissos aprovados e ratificados pelo Brasil, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989.
A violência, sob todas as suas formas, encerra, em si mesma, quase todos os problemas que atingem a infância brasileira. A miséria, a fome, a negligência de direitos e o abandono, nada mais são do que formas de violência, tão prejudiciais quanto a violência física.
O Estado tem não só a obrigação de proteger a criança e o adolescente de qualquer tipo de violência como também de proporcionar meios para o seu desenvolvimento pleno, pois a exclusão social e negação de direitos também é uma forma de violência.
No entanto, apesar de a legislação ser impecável, sua aplicação deixa a desejar, pois a família, a sociedade e o Estado têm falhado em proteger as crianças e os adolescentes dos descaso social e governamental.
O Estatuto é um importante instrumento de conquistas para a infância e adolescência. Não podemos esquecer as lutas e os direitos garantidos ao longo desses 28 anos.
Mas os desafios são muitos ainda, especialmente na conjuntura atual de retrocessos e perda de direitos fundamentais a nível nacional.
Dentre os exemplos da negligência e negação de direitos, este ano, na cidade do Recife, capital deste glorioso Pernambuco, ainda existem quase 1.000 (mil) crianças fora da sala de aula por falta de vagas, vagas que deveriam ser ofertadas pela prefeitura da cidade.
É um direito básico e fundamental sendo absurdamente negado e não vemos força do judiciário, nem da sociedade civil organizada para impedir que um crime como esse aconteça.
Precisamos criar formas mais eficazes que garantam a execução desse Estatuto, juntando como em uma ciranda, a rede de proteção que já existe e introduzindo nela novos atores sociais.
Assim conseguiremos a real implementação para assegurar que políticas públicas afirmadas através do ECA sejam implementadas em cada cidade de nosso estado.
E para dizer não à discriminação, não ao abandono, não à invisibilidade de crianças em situações desfavoráveis, traumatizantes e de mais vulnerabilidade, não à exclusão social, não à violência.

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA CINCO


COERÊNCIA E PRÁTICA DE CHE
João Pedro Stédile
Coordenador do MST e da Vila Campesina Brasil
Texto extraído da revista Caros Amigos, Edição 247, Outubro de 2017

No dia 9 de outubro de 2017, se completou 50 anos do assassinato de Che Guevara pelas forças do exército boliviano. Ele foi preso e ferido no dia 8 de outubro de 1967, e fuzilado no dia seguinte, por ordens da CIA, na parede externa de uma pequena escola rural do povoado de La Higuera, município de Valle Grande, Bolívia. 
Estive lá nas celebrações do 40º aniversário. Não consegui entender como o Che havia se embrenhado naquelas montanhas a 3, 4 mil metros de altitude, despovoadas, sem organização de massa para lhe dar apoio.
Hoje o local parou no tempo e a miséria na região continua igual. Mesmo com um governo popular podemos constatar que construir uma sociedade igualitária justa, pós-capitalista, é uma missão para décadas de acúmulo de forças do povo organizado. Não basta apenas chegar ao governo, como a esquerda se iludiu.
A imagem do Che e seu legado também sempre foram polêmicos e manipulados pela esquerda e pela direita. Na esquerda, o estrago maior foi a narrativa do jornalista e escritor francês Regis Debray, que difundiu um livro equivocado resumindo as ideias do Che à ações de heroísmo de um pequeno grupo de destemidos lutadores que adotaram a tática de guerrilha para derrotar os opressores.
Em nenhum país aconteceu isso. Muito menos na vitória do povo cubano em 1959.
O legado de Che é muito mais importante e por isso, passados 50 anos de seu martírio, ele está presente em praticamente todo o mundo e em todas as gerações.
Che não foi um aventureiro, guerrilheiro ou herói solitário.
Che viveu com coerência, todos os dias, como declarou sua filha em documentário. Mas além da coerência, a sua prática de vida nos deixou muitos exemplos.
Defendeu sempre a necessidade do estudo, para que a juventude, a militância, todos, dominassem os conhecimentos científicos para podermos resolver mais rápido os problemas do povo e termos uma vida mais lúcida e digna para todos.
Repetia Martí, “só o conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas!” Defendeu a vida simples e o espírito de sacrifício entre os dirigentes.
Ser o primeiro na fila do trabalho e o último na fila dos benefícios. Prática que os dirigentes de partidos de esquerda abandonaram há anos.
Defendeu a solidariedade e o internacionalismo. Dizia: “É necessário indignar-se contra qualquer injustiça, praticada contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Se defenderes esse princípio, então somos companheiros”, escreveu a uma Guevara uruguaia que lhe perguntara se eram parentes.
E mesmo assim optou por sua vocação missionária e foi atuar no Congo, na África e depois na Bolívia. Ajudou a articular países e governos populares numa frente antiimperialista, que resultou na Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, a Ospaaal.
Em todas as suas atividades e gestos, sempre foi um humanista. E via no socialismo apenas um meio das pessoas serem mais justas, mas iguais e mais sábias.
Defendeu ideias polêmicas na construção do socialismo cubano, buscando na industrialização e na independência política a forma de resolver mais rápido problemas do povo.
Tinha apenas 39 anos quando foi assassinado. Mas parece uma vida de décadas.
Por tudo isso é que a direita, os capitalistas, lhe devotam tanto ódio, porque sabem que seu legado seguirá influenciando milhões de jovens e trabalhadores. E um dia suas ideais e praticas serão hegemônicas.

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA SEIS

NOSSOS ANCESTRAIS MERECEM RESPEITO
Rafael Rocha é jornalista e editor geral deste Humanitas. Atua no Recife/PE

Muito pouco se fala dos nossos ancestrais no Brasil.
De nossa descendência ligada aos indígenas, europeus, africanos, asiáticos etc.
Na verdade, não sabemos nada sobre nossos antepassados.
De quem viemos? Qual a real origem de nossa descendência?
O brasileiro vive mergulhado numa total falta de conhecimentos. Essa ignorância sobre si mesmo e sobre seus ramos familiares está expressa na política criada pelos donos do poder e na qual somos obrigados a viver.
Uma política onde a deseducação é preponderante e faz o seu trabalho, com apoio do Governo, do Parlamento e ainda mais de todos aqueles que têm responsabilidade de fugir do lugar comum da “história oficial” e levar o mais real conhecimento aos jovens desde a mais tenra idade.
É bom lembrar que na Roma Antiga o culto familiar e o culto público também estavam ligados à religião. A família romana cultuava seus antepassados.  Todos os bens da família e todos os alimentos estavam sob a guarda de deuses especiais, os Penates.
Esses deuses eram cultuados junto ao fogo sagrado que permanecia sempre aceso. Nos túmulos dos seus mortos os antigos romanos colocavam alimentos.
Na Roma Antiga, antes do surgimento e crescimento do cristianismo, as pessoas seguiam o politeísmo, ou seja, acreditavam em vários deuses. Estes, apesar de serem considerados imortais, possuíam comportamentos e atitudes semelhantes aos dos seres humanos.
Eles também cultuavam os deuses Lares. Um grupo de deuses que cuidava das casas e das encruzilhadas.
A família fazia oferendas a esses deuses em ocasiões importantes, como casamentos, nascimentos e enterros, uma vez que eles eram representações dos antepassados.
É bom lembrar que o que nós somos hoje é porque outros foram antes de nós.
O primeiro capítulo da história da nossa vida não foi escrito por nós, mas pelos nossos ancestrais.
Poucos por este imenso Brasil, sabem da sua herança ancestral. Ninguém imagina que poderá ser apenas um item da página de um livro deixado de ler, porque não buscou conhecimentos para saber de onde veio e quais pessoas lutaram tanto neste mundo para que a vida tivesse continuidade.
Devemos pensar mais detidamente em quem nos fez e desde quando fomos feitos, ainda que não possamos conhecer mais as suas pessoas, já que a passagem do tempo fez seu trabalho. Porém, nós estamos aqui por obra e graça de uma determinada linha de DNA, que determina quem somos e de quem viemos.
Vejam como é interessante a quantidade dos nossos antepassados: Dois pais, dois avós, oito bisavós, dezesseis trisavós.
E mais:
32 Tetravós; 64 Pentavós; 128 Hexavós; 256 Heptavós; 512 Octavós; 1024 Eneavós; 2048 Decavós.
Um total de onze gerações e, contando em miúdos, 2.048 ancestrais!
Isso sem contar os tios e as tias!
E tudo cerca de 300 anos antes de nascermos!
De onde vieram?
Nós só existimos graças ao que cada um deles viveu e passou por este mundo. Curvemos-nos!
Muitos brasileiros nos dias de hoje acham que não vale a pena voltar tão longe no tempo para estudar nossa herança familiar.
Acreditam que por estarem a viver em um mundo repleto de alta tecnologia, seus ancestrais não têm nada a oferecer de importante em termos de conhecimentos.
Como bem disse Mariano José Pereira da Fonseca, mais conhecido como Marquês de Maricá:
“Condenamos por ignorantes as gerações passadas, e a mesma sentença nos espera nas gerações futuras”.
Vamos reverenciar nossos ancestrais e mostrar gratidão e respeito a todos!
Sem eles não teríamos a felicidade e o prazer de saber/conhecer o que é a "Vida"!

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA SETE

A CORAGEM E A DELÍCIA DE RECOMEÇAR
Ana Maria Ferreira Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Conta-se, que um respeitável fazendeiro de oitenta anos, verdadeiro sustentáculo de tradições seculares, tinha uma única e adorável netinha de oito anos.
Homem rígido e acostumado a posições irrevogáveis (afinal, seus brancos fios de bigode, acobertavam uma boca, que “jamais” deixou de honrar a palavra dada), entretanto se dobrava a “quase todos” os pedidos dessa garotinha mimosa e catita.
Eis que entretanto, um belo dia, a linda menina, que conhecia o “horror” do avô por um cardápio de quiabo (embora soubesse também, que ele “jamais” experimentara o sabor do mesmo), lhe pede para que ele experimente, pelo menos uma colherinha daquele guisado, que ela “adorava” e que lhe doía ver, que o avô se privava.
Ao que o octogenário e respeitável senhor lhe responde, com reconhecida angústia de não conseguir atender: “Sabe querida? Não posso atendê-la, e você há de me compreender! Se o vovô atende ao seu pedido, ele corre dois riscos: o primeiro é que eu acho, que isto de fato vai até me fazer mal, pois não me bom o sabor. O segundo é que, caso o vovô goste do sabor, ele vai ter que assumir oitenta anos de erro!”
Assim conta a história, que verdadeira ou fictícia, retrata bem o comportamento de muita gente, em todas as idades. É óbvio que o risco maior, era o segundo.
A dificuldade de “recomeçar” em um novo caminho se prende principalmente à necessidade, que a isto se antecipa: reconhecer que havia um engano na posição anterior.
Desde cedo ouvimos ditos “históricos” como: “palavra de rei não volta atrás”; “homem que é homem tem uma palavra só”. E depois temos que enfrentar a auto-avaliação (muito mais difícil do que a exterior). Por isto pensamos, melhor fazer de conta, que “não há outro caminho, ou se pelo menos ele existe, deve ser pior”. Mudar não é fácil.
Experimente fazer um novo trajeto, por exemplo, para chegar até sua casa. Um horror! As dificuldades (desconhecidas, é claro), se nos afiguram mil vezes piores, do que as anteriores (do conhecido). Enquanto isto, a vida passa... E nós, que temos um sol renascendo todos os dias no horizonte, vamos perdendo a oportunidade de fazê-lo também.
É lamentável, pois isto nos tira o valor da possibilidade de evolução humana, papel que ao que parece é o fundamental da espécie. Tomemos por exemplo, o modelo de um cão: se mil vezes um ônibus passar por perto, mil vezes ele correrá atrás, num esforço inédito de alcançá-lo. O cômico é que, se o ônibus para, ele sem dúvida recuará, desorientado com “o que é que ele vai fazer, com este ônibus!”  Mas isto não o impedirá de correr atrás do próximo ônibus que vier
Ora, quando insistimos num comportamento, apenas porque “sempre” agimos assim, nos tornamos similares ao canino! Somos humanos e é por isto que temos o direito (senão o dever), de crescer todos os dias! Posso deixar vícios prejudiciais, posso alterar caminhos tortuosos, posso aprender a ser melhor, todos os dias.
Entretanto só eu posso decidir por este renascer diário.
É fácil entender porque qualquer tratamento para mudança de comportamento não funciona, enquanto a própria pessoa não fizer essa opção! Como consequência, até a felicidade é fruto da nossa decisão de “sermos felizes”.
Já notaram como existem pessoas, que fazem opção pela infelicidade?! Têm vergonha de ser felizes! Como é que vão explicar para todo mundo, que “sempre” as viu taciturnas e mal humoradas, que agora são sorridentes e alegres? “Renascer” para a alegria, significa “matar” a tristeza. E até isso é uma mudança que não querem enfrentar!
Por que esta resistência à própria felicidade?! O livre arbítrio para fazer “escolhas” é o grande diferencial que a natureza nos dotou em relação aos animais irracionais. É esta liberdade humana, que precisamos exercitar.
Usemos este potencial, para promover as mudanças, que almejamos. Mudar não significa desconhecer os valores do passado. Significa evoluí-los.
A própria trajetória da vida é um processo de “mudanças”. Olhe para trás de sua história de vida e verifique o quanto você já “cresceu”.
Não se trata de “reinventar a roda” embora a invenção da roda tenha sido de fato, um marco histórico para a humanidade.
Mas hoje temos tecnologia que possibilita “flutuarmos” acima dos trilhos. Breve nem precisaremos mais de rodas; só dos grandes progressos que fizemos a partir delas!
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Do livro “A Coragem e a Delícia de Recomeçar” de Ana Maria Ferreira Leandro

HUMANITAS Nº 76– OUTUBRO DE 2018 – PÁGINA OITO

ACREDITAR QUE UM DEUS CRIOU
O UNIVERSO É PREGUIÇA MENTAL
Especial do Humanitas

Quem acredita que um deus criou o universo tem preguiça mental. Hoje a ciência dá informações que permitem pensar sobre a origem de tudo. A afirmação é do astrofísico americano-canadense Lawrence Krauss, autor de “A Física de Jornada nas Estrelas”.
Krauss disse que até o século XVI a religião tinha o monopólio das explicações sobre a criação, mas  isso mudou com os estudos de Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e com Isaac Newton (1643-1727).
“Tudo mudou quando, há 300 anos, Newton explicou que o movimento dos planetas podia ser compreendido por meio de leis físicas bem simples que não requeriam a intromissão dos anjos”, disse Krauss.
E mais: “O avanço da física, da química e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos fenômenos biológicos”, afirmou. “Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido antes do big-bang, a explosão primordial que criou o universo há 13,7 bilhões de anos.”
O astrofísico salientou ainda que a ciência está longe de ter uma resposta para tudo, mas a cosmologia tem explicações para a criação e a evolução de todo o universo, “um tema que não é mais do domínio exclusivo da teologia”.
Krauss comparou a ciência, movida pelas interrogações e dúvidas, com a religião, cujas “verdades” são inquestionáveis. “A religião alegava ter as respostas para as perguntas mais básicas do universo e da vida antes mesmo que essas perguntas fossem feitas.”
Ele observou também que a ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de serem revelados. “Sempre haverá perguntas sem resposta e mistérios a descobrir".
Ele admitiu que as versões da ciência para a criação do universo são mais complicadas que as da religião, “mas são muito mais interessantes”.
Indo mais longe ainda, o cientista argumenta que “o universo tem uma imaginação muito maior que a nossa, e seus fenômenos, como a explosão de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares de anos, muito antes de descobrirmos que a terra orbita o sol e que não estamos no centro do universo”.
O astrofísico americano-canadense disse que, como agora os religiosos se dedicam mais ao que teria ocorrido antes do big-bang, eles estão se defrontando com um paradoxo sobre o qual evitam falar: se Deus criou tudo, Ele se criou?
Para Klaus os religiosos nunca tocam na questão da criação de Deus, pois essa é ainda mais confusa do que a solução religiosa que deram para a criação do universo.
Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência fornece para indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser verdade.
De acordo com ele, há indícios de que o universo foi criado a partir do nada. “O vácuo pode ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia”. Se pudéssemos observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de tempo infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a tecnologia atual é capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo, menos estático, e que nele partículas pipocam a partir do nada e desaparecem instantaneamente. Em algumas condições, entretanto, essas partículas virtuais não precisariam necessariamente desaparecer”.
Para o astrofísico, a ciência tem explicação para quase tudo que aconteceu desde que o universo foi criado, há 13,7 bilhões de anos.
Por isso, disse, a ideia da existência de um deus não é sequer irrelevante, mas redundante. "Deus e os milagres se tornaram obsoletos”.