segunda-feira, 2 de setembro de 2019

HUMANITAS Nº 87 - SETEMBRO DE 2019 – PÁGINA 5

O despertar da África III
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em Valença/BA

No artigo anterior vimos como foi oficializada, entre as potências europeias, a partilha da África e como surgiu o primeiro país independente – dentro dos padrões ocidentais – do continente africano: a Libéria. Antes de tecer mais algumas considerações sobre este país, falarei sobre as duas tradicionais Áfricas que sempre existiram ou existiram desde tempos imemoriais.
O norte da África – também chamada de África Branca –, região onde estão localizados países milenares como o Egito, é composto, além deste, da Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos e Saara Ocidental, cuja origem dos povos – que também se perde nas brumas da formação da história da humanidade – e que formam entidades bastante diferenciadas das nações ao sul do Saara, que nasceram depois do processo de descolonização.
Naqueles países a população, ainda que muito miscigenada, é composta de pessoas de pele clara – entre nós seriam chamados de morenos e mulatos claros – de religião muçulmana, as quais influenciaram fortemente boa parte dos vizinhos ao sul, como foram os casos de Mauritânia, Mali, Sudão, Eritreia, Djibuti e Somália – todos da África Negra – e, em menor grau, vizinhos entre si, mais acentuadamente os países que surgiram no litoral do Oceano Índico.
Esse esclarecimento é importante porque os países da chamada África Branca possuíam – e conservaram depois de colonizados – identidade cultural própria, delimitada em espaços geográficos seculares; enquanto as colônias nascidas do processo de colonização esses importantes “detalhes”, não foram respeitados.
Poder-se-ia dizer que no primeiro caso as potências europeias decidiram colonizar o Marrocos, por exemplo, e o ocuparam como um todo.
No segundo caso essas potências simplesmente decidiram ocupar determinado trecho do litoral, onde poderiam construir portos seguros, apossar-se da desembocadura de determinado rio – como forma de dominá-lo em toda sua extensão.
Por isso quando se iniciou o processo de descolonização – após o término da II Grande Guerra – o Marrocos (por exemplo) permaneceu com seu território original.
Sua cultura e sua identidade nacional ficaram praticamente intocadas; enquanto os países da África Negra que nasceram daqueloutro processo, careciam, em sua totalidade, de identidade territorial, cultural e étnica, a qual – como vimos – tinham sido violentadas pelo processo de colonização.
Repete-se que aí está uma das origens da atual tragédia africana...
Sem desejar cair em uma exposição mecânica, podemos afirmar – grosso modo – que por volta do ano de 1400, século XV, portanto, a África se encontrava, do ponto de vista de acomodação geográfica das tribos, em fase de grande mobilidade, tribos do norte invadiam territórios do sul, as do leste ocupavam terras e escravizavam povos do oeste ou vice-versa.
Processo similar – também grosso modo – ocorrera na Europa, quando principados e reinados deixaram de existir e passaram a fazer parte de outros mais fortes, que invadiam as terras vizinhas, anexavam estados, submetiam regiões e populações inteiras.
Esse período de acomodação territorial das diferentes tribos africanas atravessou vários séculos, com o aparecimento de reinos, alguns de grande expressão, outros de vida efêmera.
Quando os primeiros europeus – os portugueses – aportaram em território da África as lutas tribais estavam ainda no auge. Guerras eram empreendidas não só para conquistar territórios, mas também para fazer escravos.
A chegada do homem branco só fez aguçar essa busca de trabalho servil. Entretanto, não é sobre esse período que desejo falar. Interessa localizar o momento histórico em que os países da África, como hoje conhecemos, começaram a surgir.
E com essa premissa, volto à Libéria. Quando foi proclamada sua independência, em 1847, uma das principais preocupações dos novos líderes foi atrair as tribos locais para o modo de vida ocidental.
Para isso suprimiram o tráfico de escravos, e no fim do Século XIX o novo estado estabeleceu definitivamente suas fronteiras, mediante tratados sob a proteção dos Estados Unidos, com a França e o Reino Unido, que tinham colônias nas imediações.
A capital do novo país recebeu o nome de Monróvia, em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, James Monroe.
No início do século XX, por volta de 1909 – pouco antes de ser feita a concessão à Firestone – a Libéria obteve um empréstimo dos Estados Unidos, o qual, em contrapartida, passou a supervisionar a economia e a alfândega, sob a alegação de que era preciso saneá-la.
Foi nessa época também que o governo de Monróvia conseguiu estender sua autoridade ao interior do país. Depois da concessão a Firestone, logo após da primeira guerra mundial, a receita liberiana ficou novamente sob administração americana.
Entre as décadas de 60/70, os Estados Unidos construíram portos na região, para permitir a exploração de ferro e látex, mas, com a queda dos preços dessas matérias-primas, a economia entrou em decadência e a falácia da democracia da Libéria acabou.
O presidente William Richard Tolbert foi morto em abril de 1980 durante um golpe militar encabeçado pelo sargento (mais tarde general) Samuel Kanyon Doe, que permaneceu no poder depois de realizar eleições consideradas fraudulentas. O governo desse ditador só terminou em 1990, após cruenta guerra civil, quando ele foi executado. 
A situação interna da Libéria continua instável, em estado quase permanente de guerra civil, e os consequentes massacres de opositores e da população civil, como o que ocorreu no final de 1992, “entre as forças de paz da Comunidade dos Estados da África Ocidental e da Frente Patriótica Nacional resultaram em aproximadamente três mil mortos e oito mil feridos”.

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