O despertar da África III
Araken Vaz
Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Atua em
Valença/BA
No artigo anterior vimos como foi
oficializada, entre as potências europeias, a partilha da África e como surgiu
o primeiro país independente – dentro dos padrões ocidentais – do continente
africano: a Libéria. Antes de tecer mais algumas considerações sobre este país,
falarei sobre as duas tradicionais Áfricas que sempre existiram ou existiram
desde tempos imemoriais.
O norte da África – também chamada de
África Branca –, região onde estão localizados países milenares como o Egito, é
composto, além deste, da Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos e Saara Ocidental,
cuja origem dos povos – que também se perde nas brumas da formação da história
da humanidade – e que formam entidades bastante diferenciadas das nações ao sul
do Saara, que nasceram depois do processo de descolonização.
Naqueles países a população, ainda que
muito miscigenada, é composta de pessoas de pele clara – entre nós seriam
chamados de morenos e mulatos claros – de religião muçulmana, as quais
influenciaram fortemente boa parte dos vizinhos ao sul, como foram os casos de
Mauritânia, Mali, Sudão, Eritreia, Djibuti e Somália – todos da África Negra –
e, em menor grau, vizinhos entre si, mais acentuadamente os países que surgiram
no litoral do Oceano Índico.
Esse esclarecimento é importante porque os
países da chamada África Branca possuíam – e conservaram depois de colonizados
– identidade cultural própria, delimitada em espaços geográficos seculares;
enquanto as colônias nascidas do processo de colonização esses importantes
“detalhes”, não foram respeitados.
Poder-se-ia dizer que no primeiro caso as
potências europeias decidiram colonizar o Marrocos, por exemplo, e o ocuparam
como um todo.
No segundo caso essas potências
simplesmente decidiram ocupar determinado trecho do litoral, onde poderiam
construir portos seguros, apossar-se da desembocadura de determinado rio – como
forma de dominá-lo em toda sua extensão.
Por isso quando se iniciou o processo de
descolonização – após o término da II Grande Guerra – o Marrocos (por exemplo)
permaneceu com seu território original.
Sua cultura e sua identidade nacional
ficaram praticamente intocadas; enquanto os países da África Negra que nasceram
daqueloutro processo, careciam, em sua totalidade, de identidade territorial,
cultural e étnica, a qual – como vimos – tinham sido violentadas pelo processo
de colonização.
Repete-se que aí está uma das origens da
atual tragédia africana...
Sem desejar cair em uma exposição mecânica,
podemos afirmar – grosso modo – que por volta do ano de 1400, século XV,
portanto, a África se encontrava, do ponto de vista de acomodação geográfica
das tribos, em fase de grande mobilidade, tribos do norte invadiam territórios
do sul, as do leste ocupavam terras e escravizavam povos do oeste ou
vice-versa.
Processo similar – também grosso modo –
ocorrera na Europa, quando principados e reinados deixaram de existir e
passaram a fazer parte de outros mais fortes, que invadiam as terras vizinhas,
anexavam estados, submetiam regiões e populações inteiras.
Esse período de acomodação territorial das
diferentes tribos africanas atravessou vários séculos, com o aparecimento de
reinos, alguns de grande expressão, outros de vida efêmera.
Quando os primeiros europeus – os
portugueses – aportaram em território da África as lutas tribais estavam ainda
no auge. Guerras eram empreendidas não só para conquistar territórios, mas
também para fazer escravos.
A chegada do homem branco só fez aguçar
essa busca de trabalho servil. Entretanto, não é sobre esse período que desejo
falar. Interessa localizar o momento histórico em que os países da África, como
hoje conhecemos, começaram a surgir.
E com essa premissa, volto à Libéria.
Quando foi proclamada sua independência, em 1847, uma das principais
preocupações dos novos líderes foi atrair as tribos locais para o modo de vida
ocidental.
Para isso suprimiram o tráfico de escravos,
e no fim do Século XIX o novo estado estabeleceu definitivamente suas
fronteiras, mediante tratados sob a proteção dos Estados Unidos, com a França e
o Reino Unido, que tinham colônias nas imediações.
A capital do novo país recebeu o nome de
Monróvia, em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, James Monroe.
No início do século XX, por volta de 1909 –
pouco antes de ser feita a concessão à Firestone – a Libéria obteve um
empréstimo dos Estados Unidos, o qual, em contrapartida, passou a supervisionar
a economia e a alfândega, sob a alegação de que era preciso saneá-la.
Foi nessa época também que o governo de
Monróvia conseguiu estender sua autoridade ao interior do país. Depois da
concessão a Firestone, logo após da primeira guerra mundial, a receita
liberiana ficou novamente sob administração americana.
Entre as décadas de 60/70, os Estados
Unidos construíram portos na região, para permitir a exploração de ferro e
látex, mas, com a queda dos preços dessas matérias-primas, a economia entrou em
decadência e a falácia da democracia da Libéria acabou.
O presidente William Richard Tolbert foi
morto em abril de 1980 durante um golpe militar encabeçado pelo sargento (mais
tarde general) Samuel Kanyon Doe, que permaneceu no poder depois de realizar
eleições consideradas fraudulentas. O governo desse ditador só terminou em
1990, após cruenta guerra civil, quando ele foi executado.
A
situação interna da Libéria continua instável, em estado quase permanente de
guerra civil, e os consequentes massacres de opositores e da população civil,
como o que ocorreu no final de 1992, “entre as forças de paz da Comunidade dos
Estados da África Ocidental e da Frente Patriótica Nacional resultaram em
aproximadamente três mil mortos e oito mil feridos”.
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