Texto de Genésio Linhares – Professor/MS
– Recife/PE
Publicado no HUMANITAS nº 21 - Abril/2014
Dialética significa arte ou técnica de discussão. Seu processo no mundo histórico continua, pois as contradições e antagonismos permanecem presentes
Dialética significa arte ou técnica de discussão. Seu processo no mundo histórico continua, pois as contradições e antagonismos permanecem presentes
É inegável a dívida que todo o mundo ocidental, e hoje
também, e em certa medida, o mundo oriental têm com a civilização, a cultura e
arte, o espírito científico, a filosofia e todas as grandes contribuições
herdadas do povo grego antigo. Um dos aspectos que gostaríamos de ressaltar
aqui é a invenção da dialética, produto do período democrático, também
implantado pelos gregos. É bastante interessante, complexo e até certo ponto
paradoxal entender historicamente como surgiu a dialética entre eles.
Durante muito tempo, até o final do século VII antes de nossa era predominava na Grécia, de modo quase absoluto, a tradição do pensamento mítico. Tradição oral e coletiva, de caráter dogmático não permitindo nenhum tipo de questionamento, dúvida e discussão sobre a crença e a influência dos deuses no mundo da physis ou, o mundo da natureza e na vida e destino individual e coletivo – social, política e econômica - dos seres humanos. A visão mítica era a única resposta existente e que dava sentido e organização ao mundo, onde as causas dos fenômenos naturais e humanas eram sobrenaturais, transcendentes. Neste sentido, os gregos criaram inúmeros deuses com diversas funções e poderes, intervindo em vários aspectos do mundo natural e humano.
A questão até certo ponto paradoxal consiste exatamente no fato de que, como uma sociedade tão dependente, fechada, dogmática e presa a tais tradições e valores, a partir do final deste século VII de antes da nossa era começa a por em crise este vasto período mitológico? Os estudiosos apontam várias causas históricas como a invenção do alfabeto e escrita gregos, a criação do calendário, da moeda, a organização política das cidades-estados (polis), o início do sistema democrático, incremento do comércio, através das navegações marítimas.
Talvez este fenômeno econômico tenha sido um dos fatores mais marcantes, sem desmerecer os demais, para a derrocada do período mítico porque até então, acreditava-se que além da linha do horizonte do mar, visto da terra, ou havia um abismo profundo ou quem ousasse ir além desses limites iria defrontar-se com monstros marinhos e jamais iria retornar. Os corajosos marinheiros e comerciantes da região asiática da Jônia quebram este paradigma quando resolvem desbravar aqueles limites para comercializar seus produtos excedentes entre outros povos. Uma das primeiras globalizações do mundo antigo. Resultado: eles foram, conheceram outros povos, comercializaram seus produtos e compraram outras especiarias desconhecidas entre eles. Não se deparando com nenhum abismo nem monstros e figuras medonhas.
Entretanto, não se pode esquecer que a formação deste povo desde os seus inícios segundo os estudos de Gustave Glotz na obra "A Cidade Grega" (1980) foi marcada por sucessivas e intensas guerras internas entre famílias, clãs e tribos antes de se constituírem um povo.
Provavelmente este fator também deve ter contribuído em muito para a superação da tradição mítica. Uma vez que as experiências passadas de luta e combate estavam no sangue dessa gente.
Novos paradigmas deveriam ser agora pensados. O antigo perdeu sua força e razão de ser. Surge uma nova etapa, o pensar filosófico com os chamados Pré-Socráticos como Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro e muitos outros, procurando encontrar respostas imanentes principalmente aos problemas referentes à natureza e ao cosmo sem apelar aos seres divinos. Sabemos que esta tradição vai continuar perdurando por toda a história antiga deste povo, chegando até aos romanos.
No entanto, esta elite pensante, junto com as primeiras experiências democráticas vai provocar o surgimento do questionar, do duvidar, do querer compreender as coisas do mundo por outros caminhos. O inusitado instrumento para se tentar conhecer este mundo será a razão.
É com ela que surge a dialética. Termo grego que significa a arte ou técnica de discussão. Este é o sentido etimológico usado pelos gregos antigos. Porém, o seu uso é mais intenso no período clássico (séc. V), período antropocêntrico, onde as cidades-estados estavam mais solidificadas e a democracia estava sendo implantada de modo mais efetivo.
E Atenas será o palco da utilização constante da dialética com os ensinamentos dos sofistas aos jovens políticos e governantes, das análises e críticas socráticas a estes, porque defendiam o relativismo e a impossibilidade de se chegar à verdade e ao conhecimento essencial das coisas. Com os diálogos platônicos, onde se verifica o embate das opiniões triviais do senso comum e sem conhecimento da verdade e das ideias, produto de reflexões filosóficas mais precisas, universais. Criadora de teorias. Somente a partir do filósofo alemão Hegel e posteriormente Karl Marx, no séc. XIX a dialética torna-se algo muito mais complexo. Para o primeiro pensador a estrutura mesma da realidade é dialética, entendendo-a não apenas na simples oposição tese versus anti-tese, mas o antagonismo entre ambos é produtor de um novo momento de síntese, superação para um estágio superior, conservando algo tanto da tese quanto da antitese dentro de um processo dinâmico, progressivo e ininterrupto. Marx é fortemente influenciado por esta concepção; contudo, discordando veemente do idealismo absoluto do mestre. Marx como materialista vai utilizar esta dialética para mostrar as profundas contradições do mundo econômico capitalista e das reais possibilidades que as classes oprimidas e exploradas, tomando consciência de si e enquanto classe, superando as alienações próprias do sistema vigente, se organizando, podem transformar esta realidade para um sistema socialista e finalmente para um comunismo. Muitas mudanças ocorreram desde então. Houve fracassos em determinados lugares e sucessos em outros; porém, nem o capitalismo impera absoluto nem o socialismo. O processo dialético no mundo histórico continua, pois as contradições e antagonismos permanecem presentes. A questão é: que futuro iremos construir neste embate dialético que nunca cessa?
Durante muito tempo, até o final do século VII antes de nossa era predominava na Grécia, de modo quase absoluto, a tradição do pensamento mítico. Tradição oral e coletiva, de caráter dogmático não permitindo nenhum tipo de questionamento, dúvida e discussão sobre a crença e a influência dos deuses no mundo da physis ou, o mundo da natureza e na vida e destino individual e coletivo – social, política e econômica - dos seres humanos. A visão mítica era a única resposta existente e que dava sentido e organização ao mundo, onde as causas dos fenômenos naturais e humanas eram sobrenaturais, transcendentes. Neste sentido, os gregos criaram inúmeros deuses com diversas funções e poderes, intervindo em vários aspectos do mundo natural e humano.
A questão até certo ponto paradoxal consiste exatamente no fato de que, como uma sociedade tão dependente, fechada, dogmática e presa a tais tradições e valores, a partir do final deste século VII de antes da nossa era começa a por em crise este vasto período mitológico? Os estudiosos apontam várias causas históricas como a invenção do alfabeto e escrita gregos, a criação do calendário, da moeda, a organização política das cidades-estados (polis), o início do sistema democrático, incremento do comércio, através das navegações marítimas.
Talvez este fenômeno econômico tenha sido um dos fatores mais marcantes, sem desmerecer os demais, para a derrocada do período mítico porque até então, acreditava-se que além da linha do horizonte do mar, visto da terra, ou havia um abismo profundo ou quem ousasse ir além desses limites iria defrontar-se com monstros marinhos e jamais iria retornar. Os corajosos marinheiros e comerciantes da região asiática da Jônia quebram este paradigma quando resolvem desbravar aqueles limites para comercializar seus produtos excedentes entre outros povos. Uma das primeiras globalizações do mundo antigo. Resultado: eles foram, conheceram outros povos, comercializaram seus produtos e compraram outras especiarias desconhecidas entre eles. Não se deparando com nenhum abismo nem monstros e figuras medonhas.
Entretanto, não se pode esquecer que a formação deste povo desde os seus inícios segundo os estudos de Gustave Glotz na obra "A Cidade Grega" (1980) foi marcada por sucessivas e intensas guerras internas entre famílias, clãs e tribos antes de se constituírem um povo.
Provavelmente este fator também deve ter contribuído em muito para a superação da tradição mítica. Uma vez que as experiências passadas de luta e combate estavam no sangue dessa gente.
Novos paradigmas deveriam ser agora pensados. O antigo perdeu sua força e razão de ser. Surge uma nova etapa, o pensar filosófico com os chamados Pré-Socráticos como Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro e muitos outros, procurando encontrar respostas imanentes principalmente aos problemas referentes à natureza e ao cosmo sem apelar aos seres divinos. Sabemos que esta tradição vai continuar perdurando por toda a história antiga deste povo, chegando até aos romanos.
No entanto, esta elite pensante, junto com as primeiras experiências democráticas vai provocar o surgimento do questionar, do duvidar, do querer compreender as coisas do mundo por outros caminhos. O inusitado instrumento para se tentar conhecer este mundo será a razão.
É com ela que surge a dialética. Termo grego que significa a arte ou técnica de discussão. Este é o sentido etimológico usado pelos gregos antigos. Porém, o seu uso é mais intenso no período clássico (séc. V), período antropocêntrico, onde as cidades-estados estavam mais solidificadas e a democracia estava sendo implantada de modo mais efetivo.
E Atenas será o palco da utilização constante da dialética com os ensinamentos dos sofistas aos jovens políticos e governantes, das análises e críticas socráticas a estes, porque defendiam o relativismo e a impossibilidade de se chegar à verdade e ao conhecimento essencial das coisas. Com os diálogos platônicos, onde se verifica o embate das opiniões triviais do senso comum e sem conhecimento da verdade e das ideias, produto de reflexões filosóficas mais precisas, universais. Criadora de teorias. Somente a partir do filósofo alemão Hegel e posteriormente Karl Marx, no séc. XIX a dialética torna-se algo muito mais complexo. Para o primeiro pensador a estrutura mesma da realidade é dialética, entendendo-a não apenas na simples oposição tese versus anti-tese, mas o antagonismo entre ambos é produtor de um novo momento de síntese, superação para um estágio superior, conservando algo tanto da tese quanto da antitese dentro de um processo dinâmico, progressivo e ininterrupto. Marx é fortemente influenciado por esta concepção; contudo, discordando veemente do idealismo absoluto do mestre. Marx como materialista vai utilizar esta dialética para mostrar as profundas contradições do mundo econômico capitalista e das reais possibilidades que as classes oprimidas e exploradas, tomando consciência de si e enquanto classe, superando as alienações próprias do sistema vigente, se organizando, podem transformar esta realidade para um sistema socialista e finalmente para um comunismo. Muitas mudanças ocorreram desde então. Houve fracassos em determinados lugares e sucessos em outros; porém, nem o capitalismo impera absoluto nem o socialismo. O processo dialético no mundo histórico continua, pois as contradições e antagonismos permanecem presentes. A questão é: que futuro iremos construir neste embate dialético que nunca cessa?
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