sexta-feira, 11 de abril de 2014

Sociedade: quem será o novo avalista?


Texto de Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP
Publicado no HUMANITAS nº 21 – Abril/2014

É inimaginável 7 bilhões de humanos convivendo no ócio eterno e tendo como simbólico um exército de máquinas, suprindo todas as suas necessidades

Toda a vida de todos os humanos é baseada em contratos que se iniciam ao nascer e seguem até o final da existência de cada um.  Ao nascer estamos fazendo o primeiro contrato. Explico:
A criança que nasce ser individual recebe um lugar dentro de um núcleo familiar onde é esperada (estou me referindo a uma família padrão de nosso País, onde a criança é esperada).
Esta criança, em simbiose com a mãe forma um contrato com a mesma. A mãe perde parte de sua liberdade para cuidar do jovem que concebeu e este, por sua vez, perde parte da individualidade para desfrutar de um lugar na família onde recebe cuidados e alimentação.
Como todo contrato há perdas e ganhos para os dois lados.
O contrato entre duas pessoas é inconsistente, uma pode burlá-lo sem consequências, o que sempre implica em um aval. Na nossa sociedade, este aval é dado pelo ministro religioso que proporciona o valor simbólico do contrato, batizando o recém-nascido.
Trata-se, portanto, de um aval simbólico, onde uma entidade superior, no caso um deus é chamado para selar a união entre a criança que nasce e a mãe que representa o pequeno núcleo familiar onde este ser se estabelece.
Com o aumento do circulo de relacionamento serão realizadas crisma, comunhões ou os rituais da religião da família. Sempre em termos de contrato do indivíduo com a sociedade e o núcleo onde vive avalizado pelo ser supremo, simbolicamente.
Em todas as fases seguintes sempre haverá um ritual social e religioso acompanhando cada fase.
Todas as fases implicam em direitos e perdas e o simbólico obrigatoriamente presente. Não há vida social sem algum tipo de simbólico, somos seres simbólicos, seres da fala.
Atualmente a religião enfraqueceu. Não é um processo de agora. Vem, após séculos de domínio da Igreja Católica, perdendo força, o que se acentuou com o Cisma Protestante. Já na Revolução Francesa, no final de 1700, a Igreja chegou a ser perseguida e destruída; o que não se efetivou por não existir uma força simbólica que avalizasse o contrato do humano com a sociedade.
Em 1900, Nietzsche decretou que Deus estava morto.
O que ele quis dizer é que toda a regência do simbólico estava enfraquecida e perdera potência. Na visão do filósofo, entre outras consequências a perda dessa instância avalizadora era grave, o enfraquecimento do simbólico é seguido de desorganização social; o que aconteceu em duas Guerras Mundiais e seguidos conflitos isolados.
Essa desestruturação foi acompanhada de uma desordem na constituição familiar, onde a família tradicional: pai, mãe, filhos e avós, perdeu a estrutura com formação das mais diversas situações familiares, famílias lideradas pela mãe, pela avó, famílias homo afetivas, famílias com o pai fazendo as duas funções.
A estrutura foi perdida e a apresentação do recém-nato à sociedade perdeu o padrão adotado. O acesso ao simbólico ficou prejudicado e dependente, muitas vezes, do desempenho pessoal dos pais e da sociedade ao redor da família.
Nos anos 1940 do século passado, o filósofo Walter Benjamin apontou que o Capitalismo se tornara religião, coerente com o que estou expondo. A religião composta pela Igreja e seus sacerdotes é a encarregada de celebrar o contrato social entre os humanos e a divindade. O Capital neste caso assumia a força simbólica do intermediário e o deus dividiu em muitos casos sua força com o Poder. (O capitalismo como religião, Boitempo Editorial, 2013). 
Com o avanço da tecnologia pós-guerra, um importante avanço, os capitalistas tentam substituir o divino por máquinas. Existem Universidades fazendo pesquisas pagas pelos Governos, principalmente nos Estados Unidos da América e na Rússia, onde a criação de robôs substituiria todo o trabalho humano, numa complicada teoria de copiar o intimo do sujeito humano para os robôs.  Recebemos visita no Brasil de Anders Sandberg, filósofo da Universidade de Oxford que trabalha com verbas estatais neste sentido e recentemente notícias de pesquisas semelhantes na Rússia.
Essa utopia (a meu ver absurda), provocaria caos na humanidade. É inimaginável 7 bilhões de humanos convivendo no ócio eterno e tendo como simbólico um exército de máquinas, suprindo todas as suas necessidades.
O que creio que possa se desenvolver (um palpite apenas) é a formação de nova constelação familiar padrão, tanto como casal ou com família grupal, vários homens e mulheres vivendo juntos e cuidando dos filhos como pertencentes a uma comunidade.
No campo religioso o simbólico tomando obrigatoriamente uma nova forma, imprevisível. Aliás, previsto por Nietzsche quando afirma que cada povo faz sua religião, ou seja, seu simbólico.
O que não dá para saber no momento é quem está como avalista dos contratos.

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