Nas
famílias abastadas rezam os órfãos pelo melhor bocado da herança.
Nas choupanas humildes rezam os apostadores pelo prêmio da loteria.
Nas camadas emergentes rezam as dondocas por uma notinha na coluna social.
No quarto dos empregados rezam as domésticas por um bom marido.
Nas alcovas desalentadas rezam os machos pela ereção de antigamente.
Em todo lugar há piedosas orações em mercê de alguma graça de um deus.
Enquanto isso, os jornais noticiam os horrores de sempre: de fome morrem anualmente dois milhões de crianças.
De malária, febre amarela e Aids padecem contingentes inteiros.
Guerras esfrangalham o mundo todo.
Corpos humanos são mutilados, aldeias e cidades são arrasadas.
Furacões, vendavais e maremotos fazem milhões de desabrigados. E, é claro! Crianças são violentadas pelos pais na calada da noite.
Uma, duas, vinte, duzentas, mil, quinhentas mil...
Já não precisamos de um Marco Pólo para saber notícias de outras paragens. Os desbravadores de ontem foram substituídos pela moderna tecnologia.
Entre uma frivolidade e outra, entre as revelações bombásticas de segredos domésticos e as picuinhas de celebridades transitórias, ainda há tempo para exibir os dramas perpétuos de um mundo aflito. Ninguém hoje ignora o que ele é e a quantas anda.
A televisão domina os lares, jornais e revistas abarrotam as bancas. Quando um crente reza para pedir favores, assalta-me sempre a dúvida insolúvel.
Quem é o tolo?
Os gananciosos que querem um deus promovendo a riqueza enquanto famintos são negligenciados, ou o deus que negligencia famintos para promover a riqueza dos gananciosos?
Quem é o tolo?
Os encalhados que fazem um deus providenciar a alma gêmea enquanto a terra agoniza, ou o deus que deixa agonizar a terra para providenciar a alma gêmea dos encalhados?
A oração sempre coloca um tolo no meio da história.
Se o deus é benévolo, justo e sábio, os famintos deveriam ter prioridade sobre os gananciosos.
Se eu estiver errado, então não é benévolo, nem justo e sábio o deus que apregoam.
Se eu estiver certo, então o tolo é mesmo o crente, que, não contente em ser tolo, também é blasfemo.
Só pode rezar sem insultar os céus quem está no topo da hierarquia dos infortúnios.
E esse miserável nem sequer sabe que é o escolhido, pois, embora todos gritem como campeões do sofrimento, todos presumem que abaixo de si há sempre mais um.
Os demais, quando oram, apenas blasfemam. Afirmam que o deus não sabe ordenar as coisas conforme seu grau de importância, não sabe discernir entre o que é prioritário e o que é preterível, antepõe o que deveria vir depois, pospõe o que deveria vir antes.
E que não se diga, para defesa do divino, que são insondáveis seus desígnios. Que lógica há em se omitir na fome para promover a riqueza? A anteposição do preterível ao prioritário é injustificável, sobretudo quando, em função da escolha, inocentes padecem. Além disso, a lógica do bom raciocínio impõe uma pergunta: se somos muito insignificantes para sondar os desígnios de um deus, quem é muito importante para saber que esse deus tem desígnios?
Nas choupanas humildes rezam os apostadores pelo prêmio da loteria.
Nas camadas emergentes rezam as dondocas por uma notinha na coluna social.
No quarto dos empregados rezam as domésticas por um bom marido.
Nas alcovas desalentadas rezam os machos pela ereção de antigamente.
Em todo lugar há piedosas orações em mercê de alguma graça de um deus.
Enquanto isso, os jornais noticiam os horrores de sempre: de fome morrem anualmente dois milhões de crianças.
De malária, febre amarela e Aids padecem contingentes inteiros.
Guerras esfrangalham o mundo todo.
Corpos humanos são mutilados, aldeias e cidades são arrasadas.
Furacões, vendavais e maremotos fazem milhões de desabrigados. E, é claro! Crianças são violentadas pelos pais na calada da noite.
Uma, duas, vinte, duzentas, mil, quinhentas mil...
Já não precisamos de um Marco Pólo para saber notícias de outras paragens. Os desbravadores de ontem foram substituídos pela moderna tecnologia.
Entre uma frivolidade e outra, entre as revelações bombásticas de segredos domésticos e as picuinhas de celebridades transitórias, ainda há tempo para exibir os dramas perpétuos de um mundo aflito. Ninguém hoje ignora o que ele é e a quantas anda.
A televisão domina os lares, jornais e revistas abarrotam as bancas. Quando um crente reza para pedir favores, assalta-me sempre a dúvida insolúvel.
Quem é o tolo?
Os gananciosos que querem um deus promovendo a riqueza enquanto famintos são negligenciados, ou o deus que negligencia famintos para promover a riqueza dos gananciosos?
Quem é o tolo?
Os encalhados que fazem um deus providenciar a alma gêmea enquanto a terra agoniza, ou o deus que deixa agonizar a terra para providenciar a alma gêmea dos encalhados?
A oração sempre coloca um tolo no meio da história.
Se o deus é benévolo, justo e sábio, os famintos deveriam ter prioridade sobre os gananciosos.
Se eu estiver errado, então não é benévolo, nem justo e sábio o deus que apregoam.
Se eu estiver certo, então o tolo é mesmo o crente, que, não contente em ser tolo, também é blasfemo.
Só pode rezar sem insultar os céus quem está no topo da hierarquia dos infortúnios.
E esse miserável nem sequer sabe que é o escolhido, pois, embora todos gritem como campeões do sofrimento, todos presumem que abaixo de si há sempre mais um.
Os demais, quando oram, apenas blasfemam. Afirmam que o deus não sabe ordenar as coisas conforme seu grau de importância, não sabe discernir entre o que é prioritário e o que é preterível, antepõe o que deveria vir depois, pospõe o que deveria vir antes.
E que não se diga, para defesa do divino, que são insondáveis seus desígnios. Que lógica há em se omitir na fome para promover a riqueza? A anteposição do preterível ao prioritário é injustificável, sobretudo quando, em função da escolha, inocentes padecem. Além disso, a lógica do bom raciocínio impõe uma pergunta: se somos muito insignificantes para sondar os desígnios de um deus, quem é muito importante para saber que esse deus tem desígnios?
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