O Tio Chicão
Um conto de João Victor Santos – Recife/PE – Especial para o Humanitas
Era noite de natal.
Mas também era uma dessas noites quentes de
verão em que a brisa da noite nos toca a face de maneira tão suave quanto um
bafo quente de um forno à lenha.
Nessas noites que você começa a achar que a
lua está de férias em um cruzeiro pelos anéis de Saturno ou veraneando na praia
de Tamandaré e aquela bola branca no alto da noite estrelada é só o sol com a
cara cheia de pancake branco fazendo hora extra, causando até um leve bronzeado
nas mais alvinhas que se arriscaram a sair à noite para um passeio sem usar
protetor solar.
Foi justamente numa noite dessas que,
talvez por causa da vontade de fugir do calor, que o Miolo, nosso filósofo de botequim, da varanda de seu apartamento,
começou a pensar em um lugar bastante frio e logo se viu no Pólo Norte ao lado
de Papai Noel, bebendo água de coco.
Foi aí que ele indagou:
- E se Papai Noel fosse brasileiro? E
ainda, se morasse numa região praieira?
Daquela cabeça desmiolada começaram a
surgir várias sugestões que dariam origem ao bom velhinho tupiniquim.
Primeiramente, esse lance de se chamar
papai aqui no Brasil não ia dar muito certo, questionou nosso pensador, pois ia
ter muita gente ingressando com ação judicial buscando reconhecimento de
paternidade, sem falar dos pedidos de pensão alimentícia.
Isso poderia comprometer financeiramente a
entrega dos presentes de natal. “Tio” cairia bem. Tio normalmente é como o pai
que não dá bronca.
Mas “Tio
Noel” também não fica bom. Soaria como uma cópia barata. Além do mais,
embora ache um nome legal, Noel não é tão popular por aqui. Tio Chicão.
Perfeito. Caiu como luva.
Por falar em luva, era preciso pensar no
figurino do Tio Chicão, pois era óbvio que roupa de frio não combinava como o
clima de sua morada. Sem luvas, botas e muito pano.
Nosso bom velhinho seria adepto da velha
combinação boné, camisa regata, bermuda, chinelo de dedo. E nada de vermelho e
branco. Pra ninguém dizer que nosso tio tem preferência por times de futebol
com essas cores, sua roupa seria em verde e amarelo e chinelo branco.
Poderia até ser garoto propaganda da nossa
seleção nas horas vagas. E tem mais. Pegando sol de maneira frequente, ele
teria uma pele bronzeada.
A barba branca, que não combina com clima
quente, sairia de cena. Mas a barriga de barril permanece. Sabe como é, todo
velhinho que se preze carrega uma. É como um troféu dado pelo tempo. Além do
mais, convenhamos que todo gordinho é legal.
Exportar rena do Pólo Norte não daria certo
e como o Tio Chicão vive de aposentadoria, ele levaria os presentes numa Kombi.
Para não ficar tão realista e dar tempo de
entregar todos os presentes na madrugada do dia 25 de dezembro, seria uma Kombi
voadora, que atinge a velocidade da luz, concluiu nosso pensador.
Todos os brinquedos seriam feitos na
“fábrica” improvisada no quintal da casa do Tio Chicão, com a ajuda da Tia
Terezinha, sua esposa de longa data e sempre em companhia de Duende, seu chihuahua desdentado.
Inesperadamente, como um oásis no deserto,
eis que uma brisa suave, embora agonizante, surpreendeu o Miolo, que deixou de lado seus devaneios e foi se aprontar para
aproveitar o natal com sua esposa e filhos na casa de parentes.
Ao retornar para casa, já lá por volta das
três da matina, prestes a deitar em sua cama, ouviu um barulho que vinha da
sala e quando lá chegou viu um objeto no canto da varanda.
Era uma pequena réplica, entalhada em
madeira, da escultura “O Pensador”,
de Rodin.
Assim que se abaixou para apanhá-la ouviu
um barulho de motor de Kombi.
Subitamente olhou para o céu, mas nada viu
a não ser a noite estrelada e então sussurrou para si mesmo:
- Obrigado, Tio Chicão. Bom trabalho esta
noite.
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