quinta-feira, 13 de novembro de 2014

HUMANITAS Nº 29 - NOVEMBRO DE 2014 - PÁGINA 7

O Tio Chicão
Um conto de João Victor Santos – Recife/PE – Especial para o Humanitas

Era noite de natal.
Mas também era uma dessas noites quentes de verão em que a brisa da noite nos toca a face de maneira tão suave quanto um bafo quente de um forno à lenha.
Nessas noites que você começa a achar que a lua está de férias em um cruzeiro pelos anéis de Saturno ou veraneando na praia de Tamandaré e aquela bola branca no alto da noite estrelada é só o sol com a cara cheia de pancake branco fazendo hora extra, causando até um leve bronzeado nas mais alvinhas que se arriscaram a sair à noite para um passeio sem usar protetor solar.
Foi justamente numa noite dessas que, talvez por causa da vontade de fugir do calor, que o Miolo, nosso filósofo de botequim, da varanda de seu apartamento, começou a pensar em um lugar bastante frio e logo se viu no Pólo Norte ao lado de Papai Noel, bebendo água de coco.
Foi aí que ele indagou:
- E se Papai Noel fosse brasileiro? E ainda, se morasse numa região praieira?
Daquela cabeça desmiolada começaram a surgir várias sugestões que dariam origem ao bom velhinho tupiniquim.
Primeiramente, esse lance de se chamar papai aqui no Brasil não ia dar muito certo, questionou nosso pensador, pois ia ter muita gente ingressando com ação judicial buscando reconhecimento de paternidade, sem falar dos pedidos de pensão alimentícia.
Isso poderia comprometer financeiramente a entrega dos presentes de natal. “Tio” cairia bem. Tio normalmente é como o pai que não dá bronca.
Mas “Tio Noel” também não fica bom. Soaria como uma cópia barata. Além do mais, embora ache um nome legal, Noel não é tão popular por aqui. Tio Chicão. Perfeito. Caiu como luva.
Por falar em luva, era preciso pensar no figurino do Tio Chicão, pois era óbvio que roupa de frio não combinava como o clima de sua morada. Sem luvas, botas e muito pano.
Nosso bom velhinho seria adepto da velha combinação boné, camisa regata, bermuda, chinelo de dedo. E nada de vermelho e branco. Pra ninguém dizer que nosso tio tem preferência por times de futebol com essas cores, sua roupa seria em verde e amarelo e chinelo branco.
Poderia até ser garoto propaganda da nossa seleção nas horas vagas. E tem mais. Pegando sol de maneira frequente, ele teria uma pele bronzeada.
A barba branca, que não combina com clima quente, sairia de cena. Mas a barriga de barril permanece. Sabe como é, todo velhinho que se preze carrega uma. É como um troféu dado pelo tempo. Além do mais, convenhamos que todo gordinho é legal.
Exportar rena do Pólo Norte não daria certo e como o Tio Chicão vive de aposentadoria, ele levaria os presentes numa Kombi.
Para não ficar tão realista e dar tempo de entregar todos os presentes na madrugada do dia 25 de dezembro, seria uma Kombi voadora, que atinge a velocidade da luz, concluiu nosso pensador.
Todos os brinquedos seriam feitos na “fábrica” improvisada no quintal da casa do Tio Chicão, com a ajuda da Tia Terezinha, sua esposa de longa data e sempre em companhia de Duende, seu chihuahua desdentado.
Inesperadamente, como um oásis no deserto, eis que uma brisa suave, embora agonizante, surpreendeu o Miolo, que deixou de lado seus devaneios e foi se aprontar para aproveitar o natal com sua esposa e filhos na casa de parentes.
Ao retornar para casa, já lá por volta das três da matina, prestes a deitar em sua cama, ouviu um barulho que vinha da sala e quando lá chegou viu um objeto no canto da varanda.
Era uma pequena réplica, entalhada em madeira, da escultura “O Pensador”, de Rodin.
Assim que se abaixou para apanhá-la ouviu um barulho de motor de Kombi.
Subitamente olhou para o céu, mas nada viu a não ser a noite estrelada e então sussurrou para si mesmo:
- Obrigado, Tio Chicão. Bom trabalho esta noite.

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