O que penso sobre a vida eterna
Crônica de Divina de Jesus Scarpim – São Paulo/SP
Uma vez, já faz alguns anos, comecei a me perguntar de
quanto tempo eu precisaria para aprender todas as línguas, ler todos os livros,
conhecer todos os lugares, conversar com todas as pessoas, aprender e praticar
todas as profissões, todas as artes, todos os esportes. Achei que o tempo
seria muito longo, mas bem longe do infinito.
Além disso,
percebi que meus desejos estavam muito restritos. Afinal, aprender todas as
línguas que são faladas hoje seria aprender bem poucas línguas, comparando isso
à quantidade de línguas que já foram faladas.
Ler todos os
livros também tem restrições. Muitos já se perderam na história e muitos dos
que existem hoje eu não quero ler porque não prestam.
Conhecer todos
os lugares não significa conhecer todos os lugares porque cada lugar já foi
vários lugares e provavelmente será muitos outros ainda.
Para as pessoas
valem as mesmas restrições que apontei para os lugares e mais ou menos as
mesmas restrições dos livros: Cada pessoa é muitas pessoas ao longo do tempo,
tantas e tantas já morreram e tantas há que eu preferia não conhecer.
Aprender todas
as profissões parece legal, mas existem algumas que eu não gostaria de saber,
como a profissão de pastor evangélico, por exemplo.
Quanto às artes
e ao esporte não consegui pensar em nenhuma restrição, principalmente porque
alguns absurdos que uns ou outros chamam de arte ou de esporte não entrariam na
minha definição; como a "arte" de explorar pessoas e o "esporte"
da caça, por exemplo.
Daí que, diante
disso, concluí que para fazer tudo isso de maneira satisfatória eu precisaria
viajar no tempo para frente e para trás ao meu bel prazer. É certo que, dessa
maneira, eu "esticaria" bastante o tempo necessário para fazer tudo o
que eu queria, mas ainda assim esse tempo seria muito menor do que a
eternidade.
Nesse ponto
fiquei com dois problemas: O primeiro é a impossibilidade da viagem no tempo; o
segundo é o sem graça de estar sozinha.
Então pensei em
possíveis soluções para esses problemas: primeiro eu poderia viajar por planetas,
galáxias e universos e encontrar outras línguas, livros, lugares, pessoas,
profissões, artes e esportes que eu pudesse e quisesse conhecer e praticar.
Talvez cada um deles em número infinito.
Segundo eu
poderia também, nesses passeios, encontrar pessoas que têm os mesmos poderes
(ou desejos) que eu, e então não estaria sozinha.
Sobraram apenas
duas dificuldades insuperáveis: Primeiro: esse corpo que tenho não poderia
fazer isso e essa mente que tenho não existe sem ele.
Segundo: não há
como saber se existem outros lugares habitados e habitáveis em outras galáxias
ou outros universos; ou pessoas com os poderes que, até agora, só existem na
minha imaginação.
Diante dessas impossibilidades - embora
tenha certeza de que nessas condições eu aceitaria a vida eterna feliz da vida
- acho melhor ficar quietinha e morrer tranquila quando chegar minha hora.
Isso
porque, por mais terrível que me pudesse parecer - e nem parece tão terrível
assim -, a ideia de voltar a ser o nada que era antes do meu nascimento é para
mim milhões (ou uma eternidade) de vezes melhor do que qualquer uma das opções
de vida eterna que qualquer uma das religiões possa me oferecer.