segunda-feira, 27 de abril de 2015

JORNAL HUMANITAS Nº 35 – MÊS DE MAIO DE 2015 – PÁGINA 5

Viver sem deus? Sim, eu posso!

William de Oliveira – São Paulo/SP - Especial para o Humanitas

Há alguns anos tenho visto uma série de debates, acadêmicos ou não, entre cientistas, racionalistas e ateus em geral, contra os religiosos, sendo que alguns deles também possuem títulos de ciências. Tais debates geralmente se concentram em provar (ou refutar) a ideia da existência de divindades.
São horas e horas de argumentação e contra argumentação, do tipo que faria um leão faminto cochilar. E eu nem precisaria dizer, até pelo caráter das incursões, que possuem apenas a intenção de vencer o oponente, que essas discussões nunca chegaram a lugar algum.
Diante de tantas soluções dadas pela ciência, e de tantas “facilidades” dadas pela tecnologia, até onde vale a pena nos dedicarmos ao tema DEUS?
Será que uma sociedade que avançou em tantas áreas ainda precisa se desgastar nesse debate? Será que não podemos simplesmente virar a página?
Porque é inegável que até os religiosos (ao menos os mais sofisticados) não conseguem mais negar que a religião já não é capaz de dar conta dos dilemas da nossa era, como se propunha a fazer em séculos passados.
Deus nunca foi tão moldável. Qualquer “cristão”, inclusive, que defenda afirmações do tipo “Adão e Eva no paraíso” é motivo de piada em qualquer círculo de pensamento sério. Então por que dar a eles tanta atenção?
Com tantas coisas a serem feitas e descobertas, por que não podemos simplesmente cortar esse cordão umbilical que nos prende na escuridão intelectual da fé?
Olhando para o planeta nunca a fé pareceu tão forte, mas isso, do meu ponto de vista, é apenas uma impressão, uma supervalorização que damos ao “inimigo”. Ou, talvez, em tempos mais recentes, medo de sermos decapitados com uma faca de pão por um maluco do Estado Islâmico.
Aliás, essa força bruta e irracional parece ser o que restou para a religião se agarrar e respirar sua sobrevida. É o descontrole de mentes doentes que canalizam sua psicopatia, ou sua incapacidade viril, no fanatismo e no terror a todos os que não querem tomar o “remedinho” tarja preta que eles tomam diariamente. Somados a isso, temos também a fragilidade de mentes incultas, que por serem facilmente manobradas, naufragam na ideia de que deus deve existir.
Afinal, seu pai, seu pastor ou o padre da paróquia local disseram que existe, e eles não mentiriam para você, ou simplesmente para que eles mesmo possam ter um referencial de existência (não é à toa que seu deus se parece muito com você), além, é claro, da incapacidade, quase inata, que nós pobres primatas falantes temos de lidar com a realidade da vida.
A propósito, essa parece ser a grande arma, digamos, “intelectual” da fé, ou seja, nos fazer crer que não somos capazes de lidar com nossa pueril existência. Ela, a religião, sabe da nossa dificuldade em tomar nossas próprias decisões de vida e de lidar com os possíveis fracassos.
Sabe que ao primeiro sinal de derrota precisaremos de um “papai do céu” para nos aninhar em seus braços onipotentes e chorar as pitangas. Sabe que somos fracos e infantis. Sabe que diante da morte do outro, morremos nós também.
Ela conhece nossas tendências suicidas e destrutivas e sabe usar isso como ninguém. Ela usufrui ao máximo da nossa falta de percepção e de instrução, que nos impede de ver que podemos lidar com nossos dilemas existenciais de uma maneira adulta e natural.
A religião tenta nos fazer acreditar que a dor não é parte da vida, assim como o fracasso e a morte, e que por isso precisamos de uma vida extra (e eterna de preferência). Ela nos diz que só há propósito na vida se essa vida tiver um propósito eterno e divino.
Ela diz que fomos criados por um poder celeste, que pensou em cada traço do que somos mesmo aquilo que nos faz chorar diante do espelho. Ela diz que o reino dos céus pertence às crianças (não se esqueça disso!) para que o homem seja o mais infantil possível.
Eis minha resposta à questão: podemos viver sem deus? Sim, não precisamos de deus, de nenhum deles! Pouco importa se podemos provar ou não alguma coisa sobre deus. Deus é uma ideia anacrônica e infantilizadora. O fato é que muitos não teriam dificuldades em abandonar as fantasias religiosas se pudessem ter as questões existenciais respondidas.
Alá, Jesus, Jeová são apenas nomes que damos a essa falta de resposta e à nossa incapacidade de confrontar nossa breve existência sem muito sentido causal.
Talvez seja esse, enfim, o grande legado que o humanismo, a ciência e a razão tenham que deixar ao planeta: ensinar as pessoas a enfrentar a vida como ela se apresenta a nós, frágil, injusta e finita.
Ensinar que podemos ser caridosos e solidários apenas porque somos humanos, e isso é bom para a humanidade.

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