segunda-feira, 27 de abril de 2015

JORNAL HUMANITAS Nº 35 – MÊS DE MAIO DE 2015 – PÁGINA 8

O que penso sobre a vida eterna

Crônica de Divina de Jesus Scarpim – São Paulo/SP

Uma vez, já faz alguns anos, comecei a me perguntar de quanto tempo eu precisaria para aprender todas as línguas, ler todos os livros, conhecer todos os lugares, conversar com todas as pessoas, aprender e praticar todas as profissões, todas as artes, todos os esportes. Achei que o tempo seria muito longo, mas bem longe do infinito.
Além disso, percebi que meus desejos estavam muito restritos. Afinal, aprender todas as línguas que são faladas hoje seria aprender bem poucas línguas, comparando isso à quantidade de línguas que já foram faladas.
Ler todos os livros também tem restrições. Muitos já se perderam na história e muitos dos que existem hoje eu não quero ler porque não prestam.
Conhecer todos os lugares não significa conhecer todos os lugares porque cada lugar já foi vários lugares e provavelmente será muitos outros ainda.
Para as pessoas valem as mesmas restrições que apontei para os lugares e mais ou menos as mesmas restrições dos livros: Cada pessoa é muitas pessoas ao longo do tempo, tantas e tantas já morreram e tantas há que eu preferia não conhecer.
Aprender todas as profissões parece legal, mas existem algumas que eu não gostaria de saber, como a profissão de pastor evangélico, por exemplo.
Quanto às artes e ao esporte não consegui pensar em nenhuma restrição, principalmente porque alguns absurdos que uns ou outros chamam de arte ou de esporte não entrariam na minha definição; como a "arte" de explorar pessoas e o "esporte" da caça, por exemplo.
Daí que, diante disso, concluí que para fazer tudo isso de maneira satisfatória eu precisaria viajar no tempo para frente e para trás ao meu bel prazer. É certo que, dessa maneira, eu "esticaria" bastante o tempo necessário para fazer tudo o que eu queria, mas ainda assim esse tempo seria muito menor do que a eternidade.
Nesse ponto fiquei com dois problemas: O primeiro é a impossibilidade da viagem no tempo; o segundo é o sem graça de estar sozinha.
Então pensei em possíveis soluções para esses problemas: primeiro eu poderia viajar por planetas, galáxias e universos e encontrar outras línguas, livros, lugares, pessoas, profissões, artes e esportes que eu pudesse e quisesse conhecer e praticar. Talvez cada um deles em número infinito.
Segundo eu poderia também, nesses passeios, encontrar pessoas que têm os mesmos poderes (ou desejos) que eu, e então não estaria sozinha.
Sobraram apenas duas dificuldades insuperáveis: Primeiro: esse corpo que tenho não poderia fazer isso e essa mente que tenho não existe sem ele.
Segundo: não há como saber se existem outros lugares habitados e habitáveis em outras galáxias ou outros universos; ou pessoas com os poderes que, até agora, só existem na minha imaginação.
Diante dessas impossibilidades - embora tenha certeza de que nessas condições eu aceitaria a vida eterna feliz da vida - acho melhor ficar quietinha e morrer tranquila quando chegar minha hora.
Isso porque, por mais terrível que me pudesse parecer - e nem parece tão terrível assim -, a ideia de voltar a ser o nada que era antes do meu nascimento é para mim milhões (ou uma eternidade) de vezes melhor do que qualquer uma das opções de vida eterna que qualquer uma das religiões possa me oferecer.

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