Considerações sobre a morte violenta na
sociedade
Antônio Carlos Gomes - Guarujá/SP
Especial para o Humanitas
Escrevi há algum tempo sobre o suicídio,
em linhas gerais. Notei que a sociedade não aceita a morte violenta de seus
membros, mesmo que estes estejam marginalizados.
A morte em guerras, confronto de
marginais armados contra os agentes de segurança, a pretexto de manter a ordem
é não só aceita, mas desperta grande atenção, devido à enorme quantidade de
filmes, jogos eletrônicos, jogos em computador e celulares que não só a
mostram, mas convidam o cidadão a participar. Rara é a novela no horário nobre
que não mostra um assassinato e uma legião de suspeitos. Voltando ao suicídio
temos um mesmo movimento. A morte violenta.
Vejamos: a sociedade se divide em
estratos maiores do que os apontados pelas estatísticas. Temos uma classe
dominante média, a baixa e a excluída. Todas com subdivisões entre si. Na
distribuição de riqueza, terras, alimentos e moradias essa divisão é
inconscientemente seguida por toda população, com raras exceções. Mas o fator
morte significa uma agressão violenta e total a esse tecido.
A sociedade aceita que o indivíduo possa
passar frio ou fome; que viva invisível na semi ou total indigência; e que
morra por doença. Não se pergunta se esta é causada pela fome ou más condições
de moradia. Mas morrer de frio, suicidar-se ou ser assassinado por algum louco
que lhe ateia fogo, a sociedade repudia. O abandono social não pode chegar à
morte. Isto é absoluto.
Assisti há algum tempo um documentário
na televisão sobre as hienas. Nele um pesquisador, muito corajoso, aproximou-se
de uma família de hienas e conseguiu ser adotado por ela como o elemento mais
baixo do grupo. Seria um sem teto na nossa civilização.
As hienas - como eu aprendi naquele
momento - têm um regime matriarcal, sendo a matriarca o topo, o macho que ela
escolhe para acasalar o segundo na hierarquia, seguindo-se em camadas sociais a
acomodação dos demais elementos.
Esse grupo ocupa um território que é disputado
por outros grupamentos da mesma espécie.
Em dado momento do estudo houve uma
disputa pelo poder. A matriarca que era ditatorial para nossos padrões
enfrentou uma fêmea que resolveu desafiá-la.
Esta ganhou a luta, mas a ex-matriarca
não foi morta. Foi rebaixada abaixo da posição que estava o pesquisador, mas
continuou na sociedade das hienas.
Ou seja: não se matam elementos do
próprio grupo; a não ser que a matriarca tivesse morrido na disputa pelo poder,
o que seria considerado normal.
Pode-se excluir, mas não matar. No caso
do suicídio, apesar da diferença, a agressão social é semelhante.
Nota-se que quando se tem um suicida na
família, este automaticamente é anexado à biografia familiar, não importando há
quantas gerações tenha ocorrido o evento. Isso acontece devido à morte
violenta, e o suicídio é a mais violenta das mortes.
É uma forma eloquente de demonstrar a falha
social no todo. A sociedade se contrai e entra em penitência pela sua falha.
Quando se coloca o suicídio no currículo de uma celebridade, está se dizendo o
seguinte: apesar de ter seu ancestral abandonado pela sociedade, ele se
recuperou, perdoou e nos deu tal presente.
A sociedade aceita humilhar, excluir e
denegrir seus membros, de acordo com seu relacionamento com o poder. Mas sempre
a vigiá-los. Nas ditaduras as pessoas assassinadas são vistas como
estrangeiras.
Nesse regime se pode matar sem grandes consequências, como aconteceu nas ditaduras latino-americanas, onde os mortos eram vistos como inimigos comunistas. Portanto, não pertenciam à malha social imaginada pelos ditadores.
Nesse regime se pode matar sem grandes consequências, como aconteceu nas ditaduras latino-americanas, onde os mortos eram vistos como inimigos comunistas. Portanto, não pertenciam à malha social imaginada pelos ditadores.
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