segunda-feira, 27 de abril de 2015

JORNAL HUMANITAS Nº 35 – MÊS DE MAIO DE 2015 – PÁGINA 7

Considerações sobre a morte violenta na sociedade

Antônio Carlos Gomes - Guarujá/SP
Especial para o Humanitas

Escrevi há algum tempo sobre o suicídio, em linhas gerais. Notei que a sociedade não aceita a morte violenta de seus membros, mesmo que estes estejam marginalizados.
A morte em guerras, confronto de marginais armados contra os agentes de segurança, a pretexto de manter a ordem é não só aceita, mas desperta grande atenção, devido à enorme quantidade de filmes, jogos eletrônicos, jogos em computador e celulares que não só a mostram, mas convidam o cidadão a participar. Rara é a novela no horário nobre que não mostra um assassinato e uma legião de suspeitos. Voltando ao suicídio temos um mesmo movimento. A morte violenta.
Vejamos: a sociedade se divide em estratos maiores do que os apontados pelas estatísticas. Temos uma classe dominante média, a baixa e a excluída. Todas com subdivisões entre si. Na distribuição de riqueza, terras, alimentos e moradias essa divisão é inconscientemente seguida por toda população, com raras exceções. Mas o fator morte significa uma agressão violenta e total a esse tecido.
A sociedade aceita que o indivíduo possa passar frio ou fome; que viva invisível na semi ou total indigência; e que morra por doença. Não se pergunta se esta é causada pela fome ou más condições de moradia. Mas morrer de frio, suicidar-se ou ser assassinado por algum louco que lhe ateia fogo, a sociedade repudia. O abandono social não pode chegar à morte. Isto é absoluto.
Assisti há algum tempo um documentário na televisão sobre as hienas. Nele um pesquisador, muito corajoso, aproximou-se de uma família de hienas e conseguiu ser adotado por ela como o elemento mais baixo do grupo. Seria um sem teto na nossa civilização.
As hienas - como eu aprendi naquele momento - têm um regime matriarcal, sendo a matriarca o topo, o macho que ela escolhe para acasalar o segundo na hierarquia, seguindo-se em camadas sociais a acomodação dos demais elementos.
Esse grupo ocupa um território que é disputado por outros grupamentos da mesma espécie.
Em dado momento do estudo houve uma disputa pelo poder. A matriarca que era ditatorial para nossos padrões enfrentou uma fêmea que resolveu desafiá-la.
Esta ganhou a luta, mas a ex-matriarca não foi morta. Foi rebaixada abaixo da posição que estava o pesquisador, mas continuou na sociedade das hienas.
Ou seja: não se matam elementos do próprio grupo; a não ser que a matriarca tivesse morrido na disputa pelo poder, o que seria considerado normal.
Pode-se excluir, mas não matar. No caso do suicídio, apesar da diferença, a agressão social é semelhante.
Nota-se que quando se tem um suicida na família, este automaticamente é anexado à biografia familiar, não importando há quantas gerações tenha ocorrido o evento. Isso acontece devido à morte violenta, e o suicídio é a mais violenta das mortes.
É uma forma eloquente de demonstrar a falha social no todo. A sociedade se contrai e entra em penitência pela sua falha. Quando se coloca o suicídio no currículo de uma celebridade, está se dizendo o seguinte: apesar de ter seu ancestral abandonado pela sociedade, ele se recuperou, perdoou e nos deu tal presente.
A sociedade aceita humilhar, excluir e denegrir seus membros, de acordo com seu relacionamento com o poder. Mas sempre a vigiá-los. Nas ditaduras as pessoas assassinadas são vistas como estrangeiras.
Nesse regime se pode matar sem grandes consequências, como aconteceu nas ditaduras latino-americanas, onde os mortos eram vistos como inimigos comunistas. Portanto, não pertenciam à malha social imaginada pelos ditadores.

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