sexta-feira, 1 de setembro de 2017

HUMANITAS Nº 63 – SETEMBRO DE 2017 – PÁGINA QUATRO

O BRASIL AINDA NÃO SABE O QUE É DEMOCRACIA

Antônio Roberto Espinosa foi guerrilheiro, comandante da Vanguarda Popular Revolucionária contra a ditadura de 1964/1985, ao lado da presidente Dilma Rousseff. Hoje exerce o cargo de Professor de Teoria Política e Relações Internacionais, sendo ativista da Frente Popular Brasil

Todos nós, brasileiros, continuamos a lutar com a velha opressão. Com a velha tradição de um país que se formou sob o colonialismo, que adotou o escravismo, e cuja herança ainda é essa. Nós não chegamos à democracia. Aliás, eu penso a democracia mais em termos gregos, a democracia direta, da praça pública, do sorteio, do que a democracia representativa.
Num país continente como o Brasil essa democracia poderia vir talvez sob a forma federativa, com algumas centenas de pequenas autonomias locais que poderiam se articular de uma maneira federativa.
Mas é evidente que este não é um problema só brasileiro, é internacional, de um mundo globalizado, em que o estado/nação ainda é a autoridade suprema e que detém o monopólio da violência. E sob esse monopólio a democracia tipo ateniense é impossível.
Quando foi presidente, Lula representou um compromisso com a direita tradicional. Ele procurou representar o regime do “ganha-ganha”, fazendo concessões aos de baixo, mas onde nunca os de cima ganharam tanto.
Ele não precisou fazer essa escolha, porque havia uma conjuntura internacional favorável. Já a presidente Dilma resistiu ao “ganha-ganha” e procurou privilegiar apenas os de baixo. Isso influiu no afastamento dela da presidência.
Dilma começou a cair quando criou a Comissão Nacional da Verdade, ao propor um ajuste de contas efetivo, ajuste esse que o governo Lula sempre recusou fazer com as velhas elites, com a ditadura.
Sim, com a ditadura, porque a ditadura continua tendo uma presença imensa na sociedade brasileira.
A Polícia Militar foi formada sob a ditadura. Foi militarizada. E usa uma prática extremamente preconceituosa nas periferias, contra as populações negras, indígenas e moradores pobres, tratados como delinquentes ou pré-delinquentes. E é um tratamento extremamente autoritário.
O Brasil ainda é o país da “carteirinha” (da exibição da autoridade). O desafio à autoridade é uma lei não escrita, mas que rege o país. Basta usar farda. Qualquer uma.
Entendamos essa burocracia estatal como uma classe social autônoma que se articula, mas que não se subordina sempre às classes economicamente dominantes, embora integre o bloco dessas classes.
O Estado durante a ditadura era um Estado em luta contra a sociedade e deixou na sociedade a marca da corrupção, que se alastrou inclusive à esquerda.
Por um lado há esse aspecto de o Brasil ser um país muito grande: núcleos populacionais grandes, mas dispersos no território, o que torna muito caro fazer política. Os partidos, para serem nacionais, têm um custo elevado. São distâncias de oito, dez mil quilômetros, diferenças econômicas profundas.
Então esses partidos, para terem viabilidade eleitoral, para concorrerem com os partidos da direita (que sempre foram corruptos, associados ao grande capital e inclusive a setores do narcotráfico), acabaram fazendo o mesmo jogo.
Foi o que fez o PT, imaginando que se estava no poder então já fazia parte da elite dominante, imaginando que a elite aceitava os petistas como seus iguais.
Na verdade, o PT foi tolerado enquanto tal foi conveniente.
Por outro lado, existe um tipo de “corrupção institucional no Brasil”. Vejamos: a Constituição proíbe, no setor público, salários superiores ao do Presidente da República, que é o salário do presidente do Supremo Tribunal Federal, uns 32 ou 33 mil reais.
Só que no Judiciário os salários superam os 100 mil, graças aos benefícios acumulados, que são considerados direitos adquiridos.
São raros os juízes que ganham menos do que o Presidente do Brasil!
E tudo termina assim: “os políticos não mexem com os interesses corporativos da magistratura e a magistratura não investiga os crimes dos políticos”.

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