Pessimismo e
realidade (Parte 5)
Divina Scarpim
colaboradora deste Humanitas é professora e escritora. Atua em São
Paulo/SP
Como grupo, o ser humano é um animal nocivo
e predador que divide a própria raça em grupos denominados "nós" e
"eles", sendo "eles" sempre aqueles a serem inferiorizados,
subjugados e eliminados.
Enquanto houver essa divisão - e não vejo
nenhum indício de que um dia ela deixará de existir - continuaremos sendo o
animal que mata, tortura, extermina, aniquila.
Por mais que a gente queira pensar de forma
mais "bonitinha" e
achar que somos "legais",
a verdade é que somos tão terríveis que a história de toda comunidade humana
está plantada sobre a aniquilação completa ou parcial de outra comunidade
humana e, se não tiver razão para o ódio, a gente inventa uma. É isso que
somos... humanos.
Como indivíduo sempre tem os que são
pacíficos - se viverem em condições tais que permitam sobrevivência sem luta –
mas, como raça, somos mais irracionais do que racionais, ou melhor, usamos a
racionalidade mais para matar do que para salvar.
Na história das civilizações não houve
período de paz. Investimos mais na fabricação de armas do que na de remédios, e
mesmo quando fabricamos remédios o fazemos mais por ambição do que por
interesse em salvar vidas.
Justificamos assassinato, tortura,
preconceito usando invenções confortáveis chamadas religião, pátria e
propriedade.
Como disse George Carlin e como demonstrou
Saramago: Para nossa civilização tão
“comportadinha" voltar à barbárie, basta apagar a luz.
Há os que defendem as crenças como solução
contra todos os males, mas não acho que isso seja sempre positivo. Não mesmo!
As três maiores religiões do planeta têm
cada uma delas uma história de horror que é responsável pelo fato de terem se
tornado tão grandes.
E o que é válido para religião, é válido
para outras crenças também.
A política, o esporte, a família, a
economia.
Nossas crenças estão sempre entremeadas
pelo "nós" - melhores, superiores, merecedores, eleitos - e o
"eles" - inferiores, indignos, subjugáveis, indesejáveis,
assassináveis.
Tem crença positiva? Sim, com certeza!
Mas essas são em geral bastante menos
efetivas, menos gerais, mais frágeis e facilmente "porosas" às
justificativas que conseguimos encontrar para agirmos de acordo com as crenças
mais danosas.
Uma pessoa pode acreditar sinceramente que
somos todos iguais, que todos os seres humanos têm alma e podem alcançar o
"reino de deus", seja qual for esse deus, mas pode, ao mesmo tempo,
acreditar que os homossexuais são aberrações e culpados pelas agressões que
sofrem; que estrangeiros devem ficar em seus lugares, não importa quanto esses
lugares tenham se tornado perigosos; que matar um adolescente que pulou um muro
com um tiro certeiro é algo perfeitamente válido e até louvável.
As exceções, que queremos que existam e às
quais queremos e temos a pretensão de pertencer, não são insignificantes muito
menos destituídas de importância, mas são, em geral, perdedoras.
E são perdedoras porque lutam contra o que
é padrão e o padrão é apelar para todo e qualquer artifício, por mais injusto,
danoso e desonesto que seja, porque tudo nós podemos justificar com
incoerências e artimanhas egoisticamente elaboradas.
Para isso nossa racionalidade funciona
maravilhosamente bem! O ser humano é capaz de coisas lindas sim, mas é bem mais
capaz ainda de coisas horríveis.
As guerras, os genocídios, as organizações
criminosas travestidas de igrejas e nações, a história toda com seus rios de
sangue que nunca pararam de jorrar mostram sempre que não somos uma raça da
qual uma pessoa que faça parte dessa minoria perdedora possa se orgulhar.
E ter consciência dos fatos pode ser bom:
conhecer o inimigo, nesse caso, é conhecer a si próprio.
Sinto certa vergonha de me colocar como uma
espécie de exceção.
Tenho consciência de que devo estar sendo
prepotente em vários aspectos sobre os quais sequer tenho consciência.
Sou professora e continuo lutando, não
desisto e ainda tenho esperança de, pelo menos, ajudar a fazer com que a
quantidade de exceções não diminua muito.
Acho essa luta muito válida e necessária.
Mas o fato é que não me deixo enganar, sei que somos animais e animais
terríveis.
Pode
parecer contraditório o que estou dizendo, mas é justamente essa consciência da
nossa animalidade que me dá força e vontade de continuar, e que,
principalmente, me torna alerta para não permitir que esse lado animalesco
determine minhas ações.