quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

HUMANITAS Nº 79 - JANEIRO DE 2019 - PÁGINA 3

Refúgio Poético – Cartas dos Leitores – Teste de Xadrez

Meu sonho familiar
Paul Verlaine (Metz 1844 / Paris 1896)
Tradução de Guilherme de Almeida

Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero e que me quer.
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.

Compreende-me, e este meu coração, transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, o meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.

Se é morena, ou se loura, ou se ruiva – eu ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a vida exilou para além.

Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua antiga.
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.

...........................................................

Caminhão de mudança
Jessier Quirino – Recife/PE

Vai pela estrada um caminhão repleto de mudança
Levando a herança de herdeiros de poucos herdados:

Os engradados de uma cama finalmente em pé
Arca e Noé prisioneiros desse esfaqueado
Encaixotados os tecidos, mimos e quebráveis
E os incontáveis cacarecos soltos remexidos
Dois falecidos num retraio olham pra paisagem
Guardando imagens e lembranças dos seus tempos idos.

Um velho espelho já trincado mostra o azul do céu
E o mundaréu ensolarado se faz de carona
Uma meia-lona sobreposta com o melhor arrojo
Se faz de estojo pra relíquia da velha sanfona
Uma poltrona escancarada de pernas pra cima
Fazendo esgrima com cadeiras, bancas e tramelas
De sentinela dois pilões de bojo carcomido
E um retorcido pé de bucha de flor amarela.

Em dois colchões almofadados dorme a bicicleta
E duas setas de uma caixa mostram dois achados:

Um emoldurado de retraio com um Jesus sereno
E o último aceno de saudade de um cortinado.
Desbandeirado segue o carro rumo a seu destino
Um peregrino pitombado de grande esperança
Vai, na boleia, um passageiro carregando sonhos
Vai, na traseira, dez carradas de velhas lembranças.

...................................................

Nihil
Guimarães Passos
(Maceió 1867 / Paris 1909)

Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo.

....................................

CARTAS DOS LEITORES

Amo o Humanitas!. Além de trazer artigos que a Grande Mídia não publica, tem uma página quase lotada de poesias de autores brasileiros e estrangeiros. Parabéns! Maria do Carmo Rodrigues – Olinda/PE

*****

PARA TODOS OS NOSSOS LEITORES E AMIGOS QUE O ANO DE 2019 SEJA REPLETO DE REALIZAÇÕES E DESEJOS SATISFEITOS.


Nenhum comentário:

Postar um comentário