quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

HUMANITAS Nº 80 – FEVEREIRO 2019 – PÁGINA 2

EDITORIAL
Nossa presença

Qual o significado de nossa presença neste planeta?
Essa pergunta vive eternizada no cérebro humano. O ser humano indaga. Busca respostas.
Como bem disse Richard Dawkins, “nós existimos para nos replicarmos, para fazer cópias de nós mesmos. Isso é o que somos. Somos réplicas de replicadores, que também são réplicas de réplicas”. 
Além disso, somos criaturas sexuais e precisamos de complementos para construir nossas réplicas. É a nossa descendência que garante nosso estar no mundo. São as nossas linhagens multiplicadas.
Os seres que se reproduzem sexualmente concentram os seus esforços em busca de seduzir parceiros sexuais para multiplicar suas espécies. Temos de morrer para dar lugar às novas espécies.
Depois de surgirmos na nossa dimensão temporal, vivemos a dimensão energia/matéria, e a seguir a mudança evolutiva, que vai continuar a agir junto com nossas réplicas sobre todo o período fecundante.
Para que o ciclo da vida possa se fechar, precisamos “devolver” à Natureza tudo o que pegamos “emprestado” aqui no planeta Terra, incluindo nisso morrer e retornar à poeira atômica.
Somos um Universo aprendendo a si mesmo. Somos um Universo ainda a se tornar consciente e responsável pela própria evolução.
Nós decidimos o futuro da nossa espécie, e não podemos substituir essa realidade por alguma versão divina mitológica, só porque desejamos ser imortais e por termos medo de morrer.
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O guarda-chuva
Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Dizem que homem não gosta de ganhar presentes. Ouço desde criança. Lembro-me ainda dos meus aniversários onde morria de vontade de ficar à porta para receber e, meu pai me educando dizia:
- O importante são as visitas, não o que trazem.
Hoje a sociologia diz que os afetos são aprendidos e não espontâneos. Concordo, naquele tempo ficava que nem os cães de Pavlov, sem poder salivar. Não aprendi a ganhar presentes.
Enquanto as mulheres fazem a maior festa quando agradadas; nós homens apenas dizemos um seco:
- Obrigado.
Meu filho, mais expansivo, encontrou uma solução. Quando recebe alguma coisa, fala alto de boca cheia:
- OBA!
Está melhor que a média.
No geral este é um assunto muito difícil.
No final do ano é um martírio. Festa do escritório: no amigo secreto recebemos presentes de quem mal conhecemos.
Na vizinhança onde justamente o João, que brigamos por causa do muro, vem com um agrado. Na família é pior ainda. Tem a lista das crianças. Recheada. A lista das esposas. Bem cara. A lista das solteiras. Só uma recordação barata principalmente se não for parente. E a lista dos homens.
O que sobrou do dinheiro, ou seja, muito pouco.
No dia vinte e seis contabilizamos. Primeiro recebemos críticas por ter dito um obrigado muito baixo e com lábios de fotografia.
A seguir contamos os cintos, agendas, carteiras e mais algumas tranqueiras que não precisamos.
Há alguns anos atrás ganhei um guarda-chuva. Estava começando a epidemia de importados. Era um deles.
Não era preto, era de um azul escuro, na verdade discreto, com minúsculas flores de Liz espalhadas sem espalhafato.
Foi uma vizinha que trouxe o agrado. Recebi com a cara padrão e coloquei no carro. Por dentro pensei:
- Não gosta de mim, só falta a galocha azul turquesa.
Depois de usá-lo em algumas ocasiões, ele começou a receber elogios pela cor e discrição. Confesso que mudei de opinião, e até algum afeto dispensei ao mesmo.
Um dia, Bibi, é o nome da presenteadora, visitava minha esposa e começou a chover. Foi emprestado o simpático guarda-chuva. Ela nem lembrou que foi ela quem o trouxe.
Saiu com o guarda-chuva e nunca mais este voltou. Só posso concluir que lembrança é para lembrar, não para uso. Continuo não sabendo receber presentes.

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