Especial para o HUMANITAS
Sempre foi de
minha particular predileção exercer o ofício de pensar – esse desprezado e
benfazejo “quefazer” que
muitas vezes é classificado como exercício de preguiçoso.
Pode ser talvez
que esse hábito tenha se agravado depois que o amigo e parceiro deste HUMANITAS,
Rafael Rocha, com a generosidade que permeia a sua alma, classificou-me como
pensador, coisa que não me molesta nem um pouco, mais bem me enaltece, já que
tenho forçado a cachola (vista aqui como “centro
do intelecto”) a exercitar-se mais e mais nesse afã.
Foi dessa forma
que, especulando sobre a diferença possivelmente existente entre tempo e época,
meditei sobre algo evidente, mas que até agora jamais tinha sequer aventado: o
conflito que poderia existir entre ele, tempo e época.
Nominado pelos
gregos como Cronos, o tempo, na maioria das vezes, é um ser independente (para
nós em nossa existência), o qual não se vê passar.
Ocorrendo mais
amiúde, enquanto pasmos e mais velhos, podemos permanecer à margem do que de
importante sucede na nossa ou na vida alheia, vendo-o transcorrer, muitas vezes
sem nos dar conta, o que nos leva – por exemplo – a dizer: isso não foi do meu tempo – significando que não estávamos presente
fisicamente falando, daquele fato indicado naquela oportunidade.
No entanto,
dizemos amiúde, perfeitamente cônscios, “em
minha época”, “isso não foi de minha época”, “nessa época eu ainda não tinha
chegado”, patenteando de modo evidente a sutil diferença que pode existir
entre um e outro. Admitindo-se que as épocas fazem, sem remissão, parte do
tempo como um todo.
Cheguei a este
ponto de minhas elucubrações, porém justamente pelos problemas advindos da
velhice (e dos seus achaques correlatos) perdi o rumo por onde deveria dirigir
meus pensamentos.
Percalço
ocasionado pela falha mental denominada popularmente de branco, passei duas
semanas sem encontrar a senda central do raciocínio que me faria proceder de
forma lúcida, como seria de se esperar daquele “pensador” que o amigo Rafael
Rocha identificou existir em mim.
Com isso – e como
fruto do branco que toldava minha mente –, em alguns instantes de minhas senis
e inócuas meditações, vendo que o meu ateísmo entrava em constante choque com
as permanentes demonstrações de religiosidade do povo – “a religiosidade
popular, diga-se de passagem, é sazonal, vai e vem, algumas vezes com mais
vigor que outras” –, era-me levado a constatar que a necessidade de algo
sagrado – repito por ênfase – seria uma das mais prementes posturas do homem.
Inexplicável, por
excelência.
Mas descobri em
instantes de surpreendente lucidez, que a necessidade do sagrado existente na
alma de muitos era similar à necessidade atroz de se sonhar,
Isso, muito
embora Antônio Carlos Belchior, cantor e compositor, nascido em Sobral, e
falecido em Santa Cruz do Sul, em 2017, em uma das suas belas canções, cujo
título era: “Como os nossos pais”,
tenha dito: “Não quero lhe falar/ Meu
grande amor/ Das coisas que aprendi nos discos”. Versos que sempre me
intrigavam, por pensar que os discos pouco ou nada ensinavam, salvo um pouco de
melancolia. No entanto, na estrofe seguinte, era dito: “Viver é melhor que sonhar”. E essa afirmativa intrigava-me
sobremaneira.
Durante a minha
existência, com particular ênfase, em fase em que me dediquei a literatura,
sempre imaginei que não era possível viver sem sonhar. O que colocava na minha
ordem de valores existenciais, a capacidade de sonhar como mais importante do
que viver.
Sonhei
inicialmente – era muito jovem (devia ter uns 25, 26 anos), em mudar o Brasil
e, com ele, ajudar a mudar o mundo. Sonhei com um país fraterno; sonhei em ser
escritor. Sonhei fazer tantas coisas...
E, hoje, não consigo parar de sonhar, ainda que, em alguns momentos,
desconfie ser debalde alguns desses sonhos.
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