segunda-feira, 5 de novembro de 2018

HUMANITAS – Nº 77 – NOVEMBRO 2018 – PÁGINA 8

Especial para o HUMANITAS

Sempre foi de minha particular predileção exercer o ofício de pensar – esse desprezado e benfazejo “quefazer” que muitas vezes é classificado como exercício de preguiçoso.
Pode ser talvez que esse hábito tenha se agravado depois que o amigo e parceiro deste HUMANITAS, Rafael Rocha, com a generosidade que permeia a sua alma, classificou-me como pensador, coisa que não me molesta nem um pouco, mais bem me enaltece, já que tenho forçado a cachola (vista aqui como “centro do intelecto”) a exercitar-se mais e mais nesse afã.
Foi dessa forma que, especulando sobre a diferença possivelmente existente entre tempo e época, meditei sobre algo evidente, mas que até agora jamais tinha sequer aventado: o conflito que poderia existir entre ele, tempo e época.
Nominado pelos gregos como Cronos, o tempo, na maioria das vezes, é um ser independente (para nós em nossa existência), o qual não se vê passar.
Ocorrendo mais amiúde, enquanto pasmos e mais velhos, podemos permanecer à margem do que de importante sucede na nossa ou na vida alheia, vendo-o transcorrer, muitas vezes sem nos dar conta, o que nos leva – por exemplo – a dizer: isso não foi do meu tempo – significando que não estávamos presente fisicamente falando, daquele fato indicado naquela oportunidade.
No entanto, dizemos amiúde, perfeitamente cônscios, “em minha época”, “isso não foi de minha época”, “nessa época eu ainda não tinha chegado”, patenteando de modo evidente a sutil diferença que pode existir entre um e outro. Admitindo-se que as épocas fazem, sem remissão, parte do tempo como um todo.
Cheguei a este ponto de minhas elucubrações, porém justamente pelos problemas advindos da velhice (e dos seus achaques correlatos) perdi o rumo por onde deveria dirigir meus pensamentos.
Percalço ocasionado pela falha mental denominada popularmente de branco, passei duas semanas sem encontrar a senda central do raciocínio que me faria proceder de forma lúcida, como seria de se esperar daquele “pensador” que o amigo Rafael Rocha identificou existir em mim.
Com isso – e como fruto do branco que toldava minha mente –, em alguns instantes de minhas senis e inócuas meditações, vendo que o meu ateísmo entrava em constante choque com as permanentes demonstrações de religiosidade do povo – “a religiosidade popular, diga-se de passagem, é sazonal, vai e vem, algumas vezes com mais vigor que outras” –, era-me levado a constatar que a necessidade de algo sagrado – repito por ênfase – seria uma das mais prementes posturas do homem.
Inexplicável, por excelência.
Mas descobri em instantes de surpreendente lucidez, que a necessidade do sagrado existente na alma de muitos era similar à necessidade atroz de se sonhar,
Isso, muito embora Antônio Carlos Belchior, cantor e compositor, nascido em Sobral, e falecido em Santa Cruz do Sul, em 2017, em uma das suas belas canções, cujo título era: “Como os nossos pais”, tenha dito: “Não quero lhe falar/ Meu grande amor/ Das coisas que aprendi nos discos”. Versos que sempre me intrigavam, por pensar que os discos pouco ou nada ensinavam, salvo um pouco de melancolia. No entanto, na estrofe seguinte, era dito: “Viver é melhor que sonhar”. E essa afirmativa intrigava-me sobremaneira.
Durante a minha existência, com particular ênfase, em fase em que me dediquei a literatura, sempre imaginei que não era possível viver sem sonhar. O que colocava na minha ordem de valores existenciais, a capacidade de sonhar como mais importante do que viver.
Sonhei inicialmente – era muito jovem (devia ter uns 25, 26 anos), em mudar o Brasil e, com ele, ajudar a mudar o mundo. Sonhei com um país fraterno; sonhei em ser escritor. Sonhei fazer tantas coisas...
E, hoje, não consigo parar de sonhar, ainda que, em alguns momentos, desconfie ser debalde alguns desses sonhos.

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